Meu amigo Woody
Les Sablettes, 31-07-2007
Vou definitivamente terminar aqui qualquer carreira supostamente literária, pôr fim a qualquer aspiração pseudo-intelectual, enterrar-me profundamente com a minha declaração temerária. Não gosto de Woody Allen. Pasmem os céus e as terras! Desculpem lá não ser de companhia, como dizia o Álvaro de Campos. Nem sequer é um ódio de estimação. É mais uma indiferença.
Nesta altura milhões de críticos e de fan(áticos) estão horrorizados com este statement. Afinal de contas, quem é esta vozinha irritante e petulante (só elogios!) que tem o desplante de vir, em praça pública, denegrir o Woody? O inimitável, o génio criador, o insuperável, o Grande Mestre Allen? De referir, que neste momento se encontram todos de joelhos, numa genuflexão de reverência.
Olhem, eu cá prefiro o outro Allan, o Poe. O que é que vocês querem? Não se diz que gostos não se discutem? Pois, ora aí está! Não gosto e pronto!
Não consigo conceber a graça de um homem pequenino, feiozinho, semi-carequinha, despenteadinho (no que lhe resta de cabelinho), de óculinhinhos anquilosados e de semblante cinzentinho.
«Confunde o homem com o autor!», gritam vocês exasperados. Não, meus senhores! Dêem-me algum crédito, vá lá! Ainda possuo a cultura mínima exigida por lei para distinguir as duas entidades. O que eu queria dizer é que o aspecto do homem é desolador…Já olharam bem para ele? Jesus, Maria, José! Ah, é verdade, deveria ter recorrido a uma imagem judaica. A comunidade do Tora é la crème de la crème Nova Iorquina. Possuem aquele estatuto de minoria privilegiada, letrada, abonada, sexualmente liberada e, claro está, nas artes aclamada. E na América, perdão, nos Estados Unidos da América, é imprescindível ser-se politicamente correcto. Para combinar com as trapaças financeiras do Iraque, os atropelos aos direitos humanos em Guatanamo, a recusa da assinatura do tratado de Quioto e o Carnaval eleitoral que entretém os desalojados do furacão Katrina. Isto para sermos apenas soft!
Lamento muito, mas não me apetece fazer-vos a vontade. A expressão “politicamente correcto” dá-me engulhos. Esconde, sobre a sua capa de hipocrisia WASP, tudo aquilo que os comuns mortais normalmente pensam. Representa a diferença entre um balão de linguagem e um balão de pensamento, numa banda desenhada de qualidade duvidosa.
Mas voltemos ao Woody. Tal como o seu aspecto, também os seus filmes são chatos, repetitivos, sem graça nenhuma. Escapam dois ou três.
Fujo a bom fugir do bastão de basebol do JCP. E não é para menos! A sua fúria infunde respeito. Respeito mas não o temor necessário para me fazer mudar de ideias.
Espera aí ò Coutinho: eu gosto do Clint Eastwood como realizador. Gosto mesmo muito. E do David Lynch também.
Mais apaziguado, o JCP pousa o bastão. Afinal a rapariga não é desprovida de todo de bom gosto e de alguma inteligência. Mystic River, Million Dollar Baby, Blue Velvet ficarão para sempre na minha história do cinema. E estes são apenas alguns. O seu lado sombrio com laivos de humanidade à mistura, tocaram-me mais profundamente do que as dezenas de filmes do Woody. Máquina de fazer filmes, como quem serve jantares regulares, com qualidade garantida.
Eu sou adepta de pratos radicais: de aperitivos inusitados e de cozinha do mundo. Descoberta permanente de novos aromas e sabores. Despertares de sensações, estremecimentos de prazeres inesperados. Cânticos de sinestesias. Mas isso, sou só eu…
Segunda crónica premiada com o 3º lugar no XXVI Concurso Internacional Literário das Edições AG (Brasil) e publicado na Antologia Travessias
Sem comentários:
Enviar um comentário