domingo, 28 de fevereiro de 2010

O tributo da solidão

Dedico este poema ao meu segundo pai de coração, recentemente falecido. Para uns, o pintor JSicar; para mim o João Carolo ou, simplesmente. o Carolo.

Que continue a pintar o mar com as suas telas coloridas.


Homenagem a Luís de Camões


"Decorreram no Domingo, dia 10 de Junho, as comemorações do dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Em Miranda, a data serviu de mote para a inauguração de um busto de Luís de Camões, na praceta com o mesmo nome, no centro da vila. O busto de homenagem ao poeta é de autoria de João Carolo, artista plástico, mais conhecido por J.Sicar. "

in http://www.adfp.pt/seccao/index.phpPer_Page=10&ordem=&Result_Set=10&x=144


O tributo da solidão

Dói-me a ausência das palavras.

O silêncio do discurso

E a caneta que nada diz.

A enxurrada de sentimentos

E o quebranto que os isola.

A mudez que impera soberana.

Os estilhaços que se agoniam.

Os encontrões da alma vagabunda.

O caos profundo

A desordem do universo

Num peito de mulher.

O aperto por dentro das pupilas secas.

A melancolia dos restos.

O tributo da solidão.

Poema publicado na Antologia Poiesis, Volume XVIII da Editorial Minerva

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Ana

O ano está quase a acabar e com ele mais uma página miserável da minha vida. Perdi noites sem fim, perdi a vida social (a pouca que tinha, que já de si não era grande coisa). Perdi a auto-estima, o gosto pela vida na tarefa árdua de sobreviver a cada dia que passa. Perdi o marido, que regressa ciclicamente com as suas necessidades e angústias, mas que de mim apenas quer a segurança de um lar à sua espera. A única coisa que ganhei foi peso. Uns quilinhos a mais que não dá mais para disfarçar com roupas largas. Deixei de me pesar, de me olhar nua ao espelho e até de me masturbar. Tenho repulsa de mim mesma. Desgosto-me com o que vejo e para matar o desgosto como chocolates. (Come chocolates, pequena ) Chocolates e sanduíches e omeletes gigantescas. Bebo café com pouco açúcar .

Durmo e acordo e mal adormeço, acordo rabugenta e remelenta. Luto contra a vontade de desistir e de me prostrar na cama, não um, mas todos os dias que me restam. Acelero ao sono, à preguiça, ao frio, à entrada da auto-estrada. Corro manhã fora e sorrio e sou atenciosa e esclareço dúvidas que não são as minhas. (Essas não são passíveis de esclarecer. Ficam na gaveta das angústias existenciais. Recalcadas.) Engulo à pressa restos do jantar de ontem e faço planos e planificações. E tão fácil planificar a vida dos outros, às horas, aos minutos, aos segundos...

Folheio e leio; escrevo e rescrevo. Amarroto e deito fora. Começo de novo. E no final, satisfeita com o que faço, arrumo as folhas e os livros e cansada planeio o jantar. Descasco batatas, migo carne. Junto cebolas, cenouras e ervilhas. Azeite, água e sal. Ligo o fogão. Meto inversão de marcha e recolho o rebento que fala e canta e pergunta porquê. Lavo, visto e dou de comer. Brinco aos médicos, construo quintas, faço corridas de automóveis. Ao deitar leio uma história até os olhos deixarem cair persianas tenras.

Penso escrever mas o quente da cama e a ternura da mão pequena na minha mão são mais fortes. Rolo o corpo cansada e apago a luz do dia. Na escuridão invento histórias e dirijo personagens. Enredos complicados e inteligentes. Recebo palmadas nas costas e sessões de autógrafos. Sou a protagonista da minha vida e assino o meu primeiro nome. Sabe bem descansar depois.

Um choro sobressaltado chama-me à realidade da noite fria e canto canções de embalar, de menino ao colo e S. José ausente. Na sala a gambiarra acende e apaga cadenciadamente, reflectindo luzinhas de cores na parede do quarto. O menino adormeceu enfim. É noite na cama de grades e o ar sereno tudo faz esquecer e pensar que talvez valha a pena ser Natal todos os dias.

Não sei porquê duas lágrimas grossas desaguam rosto abaixo.

1ª conto do livro Alfabeto no feminino,Mar da Palavra, 2005


sábado, 13 de fevereiro de 2010

Wanda

Como chuva quente teus beijos me molham e escorrem, sôfrega de ti, ávida de tempestades. Um arrepio entre mãos quentes e nervosas, um revoltear de negros fios sedosos sobre os ombros nus e um deslizar premente, um sorriso liberto. Movimentos carentes, uma busca de mais, do Além, riso e esquecimento. Um arquear de costas, um ainda gentil morder de lábios, um cerrar de olhos. Um fluir de afluentes e rios e mares. Novas marés. Um revolto ar de formas, gemidos de prazer, palavras sussurradas. Orvalhos cintilantes. Montanhas coroadas, espetadas, desafiadoras e tão doces de escalar. E vales escuros, resguardados, com leitos secretos. Aqui um regato; aí uma vara nua, orgulhosa, a pique. Pronta a frutificar. Um descer de montanha, uma brisa escaldante. O sol a pico. Maré alta, maré baixa; maré alta, maré baixa. Marés vivas. Ondas que se enrolam num contínuo movimento, sem princípio, nem fim. Trovoadas e relâmpagos e o céu acastelado de nuvens sopradas com pressa. Vendaval de emoções. Mãos crispadas, nervos retesados. Alta tensão. E eis então uma descarga de voltagem colossal, um desaguar de vaga alterosa, um cometa morrendo nos céus. Assombroso, magnífico, imponente!... e impotente perante a sua morte. Descida vertiginosa ao abismo. Última faísca de vida. Um estremecer de estrela cadente! Um último olhar...E um milhão de outras estrelas, novas promessas no firmamento. Um suave e suado olhar aos olhos da lua minguante, que mente ao crescer .

Conto retirado do livro Alfabeto no Feminino, Mar da Palavra, 2005 e um dos meus favoritos
Ana Paula Mabrouk

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Mini foto-reportagem do Jantar Comemorativo do GPA

Caros amigos,
conforme prometido, aqui segue a mini foto-reportagem do Jantar Comemorativo do 1º Aniversário do blogue do GPA. Divirtam-se!

Presidente Orlando Figueiredo e Manuel Janicas


Orlando, Manuel, Rita, Madalena e José



Rita Capucho, Isabel Rosete, António Luís e Naia Sardo












 

Naia Sardo e António Luís


Rita Capucho e Isabel Rosete




Isabel Rosete e Ana Paula Mabrouk declamando



Manuel Janicas declamando

Ana Paula Mabrouk

Rita, Ana Paula e Madalena Oliveira

Jantar Comemorativo do GPA

Caros leitores e amigos,

no último sábado, dia 6, teve lugar no Restaurante O Buraco, em Aveiro, o jantar comemorativo do1º aniversário do blogue do Grupo Poético de Aveiro (GPA), do qual eu faço parte. O Endereço é: http://poesiaaveiro.blogspot.com/.
Nesse blogue são lançados trabalhos poéticos dos vários elementos, sujeitos a um tema semanal - desafio lançado pela Rita Capucho, dinamizadora deste blogue, após consulta/sugestão de todos os elementos. Para além disso, muita fica de fora, na troca quase frenética no Google Groups entre todos os participantes: poemas próprios, textos poéticos de outros autores, divulgação de eventos, sugestões de leitura, apontadores para sites de interesse, ...
Uns elementos são muito mais profícuos do que outros (eu sou das menos), consoante a disponibilidade mental, temperamento e tempo de cada um. No entanto, o que verdadeiramente interessa é a troca de experiências e a estimulação constante da alma poética de todos.

Quanto ao jantar, com direito a declamação de poemas, correu optimamente: bom ambiente, comida, disposição e poesia. Foi apenas pena o ruído de fundo das outras mesas... O espaço era público e não havia direito a exclusividade do seu uso. Contudo, conseguimos contar com a "orelha" espetada de alguns comensais das mesas alheias... E assim se espalha a palavra!

P.S.: No próximo post publicarei a mini-foto-reportagem.

Até breve!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Explicação breve

Caros leitores e amigos,

ultimamente procedi a algumas alterações no blogue: primeiro em termos da língua no perfil, depois na formatação do blogue.

Explicações: 1ª estou a fazer uma acção de formação profissional que me obrigou à criação de um outro blogue no âmbito da língua inglesa (English4U);
                     2ª ao criar o segundo blogue e, dado que tinha o mesmo endereço, o meu perfil neste blogue foi alterado automaticamente;
                     3ª irei alterar brevemente o perfil para português, embora não mantenha exactamente as mesmas palavras, dado que colegas e alunos irão ter acesso a esse mesmo perfil;
                    4ª A formatação é para ficar, pois a anterior estava muito "desmaiada".

Espero que gostem da nova cara do blogue e perdoem-me estas mudanças de última hora, mas um blogue está sempre em constante evolução.

Saudações afectuosas,
A escritora Ana Paula Mabrouk

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Foto poema



Do profundo da minha alma gelada

Abro a janela para o mundo

E vejo claro, sem flocos de neve

Céu azul, horizonte profundo.



Foto e poema de Ana Paula Mabrouk

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Ofélia

Este é mais um conto do meu livro Alfabeto no Feminino e foi o primeiro a ser escrito no longíquo ano de 1985 para ser publicado vinte mais tarde. É o exemplo de que nunca se deve dizer nunca


OFÉLIA

AO FERNANDO

«Todas as cartas de amor são ridículas.»

E como são ridículas !....

Ridículas porque nos mostram Íbis frágil

do distante Egipto que chora perto.



De repente surge a Pessoa

O Nininho carente, sozinho e sem máscaras.

Onde as puseste?

Ah! Fechaste-as à chave no armário da intelectualidade.

Pouca sorte. O maroto do Álvaro de Campos fugiu pelo buraco da fechadura.

Devias ter-lhe dado umas palmadas.

Sim, porque isso não se faz!



Onde vais? À Boca do Inferno ?

Mas ela continua impossivelmente na mesma: direita.

Não vás para o manicómio! Não quero que vás!

Olha a Ofélia. Anda vá, dá-lhe um chocolate.

Tu sabes que ela gosta.



Passeia, engraxa os sapatos e faz comentários ao teu talassismo.

Que falte a luz e beijos apaixonados, muitos

Rompam do teu chapéu preto como passos de mágica

Transformando a intelectualidade num coelho

que se esqueceu no fundo da cartola.



Por que rejeitas o amor que não quiseste ?

Esqueceste aquele vão de escada ?

Já não vês a janela do sonho ?

E a Mensagem vazia, por que lha enviaste?

Por que queres ser sozinho?



Toda a vida a Ofélia esperou.

Tu ultrapassaste finalmente a barreira do real .

A sua espera já não tem sentido.

E dessa história ficou uma janela vazia

Já sem sonhos.