domingo, 21 de julho de 2013

Prefácio completo de Paixão em 5 Atos

Caros amigos e leitores,
deixo-vos aqui o prefácio completo do meu último livro Paixão em 5 Atos. Está fabuloso! Honra seja feita ao autor do mesmo, o Professor Doutor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Rogério Paulo Madeira.





Ana Paula Mabrouk: paixão em cinco atos

Prefácio

Erotica Lusitana ou o drama da paixão

A publicação da obra paixão em cinco atos de Ana Paula Mabrouk, distinguida em outubro de 2012 com uma Menção Honrosa no XXI Prémio Nacional de Poesia da Vila de Fânzeres, além de sublinhar o reconhecimento de um novo ciclo de poesia da autora e de o tornar, evidentemente, acessível a um público leitor mais vasto, constitui, sem dúvida, um marco significativo numa carreira literária que se deseja ainda longa e profícua, baseada como é na interação estética com a vida. Não só por transportar, para o campo da sua poesia lírica, alguns aspetos da condição da mulher na atualidade, vetor temático predominante na sua obra de estreia, a coletânea de contos (e alguns poemas narrativos) intitulada Alfabeto no Feminino (2005), na qual assomam, por vezes, de par com a crítica social de feição feminista, os primeiros sinais de irreverência sexual. Não só por transpor, uma vez mais, para a sua praxis poética, temas, motivos e preceitos estético-literários que afloram no volume de Crónicas da Arte e da Vida (2011), o qual mantém um fecundo diálogo intertextual com o poeta de língua alemã Rainer Maria Rilke. Mas também por retomar e desenvolver, de modo exuberante e audacioso, os temas do amor, do erotismo e da paixão que percorrem já várias das páginas lancinantes do primeiro ciclo de poesia da autora Em Carne Viva (2010), bem como alguns outros de entre os múltiplos poemas dispersos por diversas antologias poéticas e/ou divulgados através do blogue literário Escrevinhando: Riscos e Rabiscos (http://anamabrouk.blogspot.com).
É sobretudo esta última vertente temática que confere ao novo livro de Ana Paula Mabrouk relevância e singularidade acrescidas, permitindo-lhe inscrever-se, inclusive, na longa tradição da poesia erótica que remonta à Antiguidade Clássica — onde avultam os nomes de Safo, a poetisa grega, e do triunvirato romano Catulo, Propércio e Tibulo — e, ao longo dos séculos, se estende, com ousadia crescente desafiando a moral religiosa vigente, até à contemporaneidade. O corpus deste subgénero lírico é demasiado vasto e não me permite sequer nomear aqui alguns dos expoentes máximos da literatura, incluindo a portuguesa, que foram tentados a desviar-se dos terrenos mais amplos e mais castos da lírica amorosa para se embrenharem nas áreas mais indecorosas do erotismo. Enquanto germanista de formação, não resisto porém a citar, a título exemplificativo, o caso de Johann Wolfgang Goethe. Deliciado com a descoberta de um novo amor em Weimar, logo após o regresso da revigorante viagem a Itália, o poeta não resistiu à tentação de compor as Elegias Romanas, cuja publicação, em 1795, causou enorme escândalo no meio sociocultural da pequena corte alemã, devido à forma arrojada como retratava as vivências amorosas, apesar de ter prescindido do título originalmente previsto: Erotica Romana. Trata-se de um testemunho poético da veneração goethiana pelo “chão clássico” e, simultaneamente, da sua paixão avassaladora (presume-se) pela amada Christiane Vulpius, até porque, de acordo com o célebre dístico final da primeira elegia: “És um mundo em verdade, ó Roma; mas sem o Amor / O mundo não era mundo, e Roma não era Roma.” (J. W. Goethe, Poemas. Antologia, versão portuguesa, notas e comentários de Paulo Quintela, p. 117; itálicos meus).
Paixão em cinco atos, obra repleta tanto de emoção e sentimento amoroso como de sensualidade e erotismo, não pode senão ser também fruto de “uma necessidade imperiosa” que Ana Paula Mabrouk considera como conditio sine qua non daquilo a que, numa reflexão sobre a origem da criação estética, chama “uma boa obra de arte” (cf. Crónicas da Arte e da Vida, p. 33). Em meu entender, o presente livro é mais do que isso — é a obra-prima da autora. E está hoje, em pleno século XXI, livre de provocar qualquer escândalo no ambiente moralmente bem mais tolerante e desempoeirado da cultura portuguesa, mesmo que acolha no título deste prefácio a designação Erotica Lusitana.
Com efeito, embora não seja nomeado, é o espírito de Eros que parece pairar, invisível, sobre cada página do belíssimo volume de poemas, para se comprazer em perturbar o coração do eu lírico feminino, como que inflamado pela tocha e trespassado pelas flechas do deus grego do amor. Não se pense, todavia, que é no sempre atrativo conteúdo erótico que reside o fascínio exclusivo deste livro provido de grande coesão, quer temática, quer estrutural, traço este que lhe incute considerável originalidade. Efetivamente, se é certo que o título — paixão em cinco atos — enuncia a centralidade temática da paixão, ou seja, do sentimento ou do amor intenso, obsessivo e irreprimível pela razão, denuncia igualmente a estrutura caraterística do drama tradicional, tal como foi teorizada por Gustav Freytag (A Técnica do Drama, 1863). Assim, ao sublinhar o dramatismo da paixão e ao postular a hibridez estético-formal da obra, a poetisa cria a expetativa de uma leitura acrescida de tensão e emoção que, de resto, não demora a ser comprovada.
Em conformidade com tais premissas, Ana Paula Mabrouk opta por uma macroestrutura piramidal em que os 57 poemas se encontram criteriosamente distribuídos — quais cenas de um drama amoroso — pelos cinco atos que compõem o ciclo cuja essência genológica é assegurada tanto pela ausência de diálogo como pelo uso da linguagem e de outros recursos expressivos caraterísticos da poesia lírica. A trama amorosa é encenada por meio das unidades poético-dramáticas, invariavelmente, filtradas pela voz feminina do sujeito poético que, abdicando largamente da rima em prol de ritmos e versos livres de grande harmonia e recorrendo a metáforas e imagens de enorme beleza e poder de atração — não raro imbuídas de um erotismo desassombrado —, nos confronta com os seus sentimentos mais íntimos na busca incessante da felicidade através da concretização plena do amor-paixão.
O amor, a paixão, se preferirmos, constitui justamente o longo fio condutor da ação que progride, em crescendo até ao terceiro ato, para seguir em curva descendente até ao desenlace no quinto ato. O ato inicial, feito de poemas graciosos que ilustram os jogos de sedução (p. 4s.) e encantalento (p. 9) — um dos títulos e dos encontros mais sublimes da obra —, abre com a abordagem (p. 3) de um sedutor “felino feito para amar” e fecha com a certeza da paixão, simbolizada pela cor vermelha dos lábios e da rosa (p. 13). A cortina do ato seguinte abre-se com aquela que aparenta ser a primeira relação sexual protagonizada pelo eu lírico feminino e o homem mais tarde identificado, num outro poema escaldante, como picante africano (p. 28). O poema naquele momento (p. 15) configura, por conseguinte, o primeiro dos numerosos “momento excitantes” que compõem a tragicomédia da paixão, a partir do segundo ato, incendiando os sentidos com a intensificação gradual do desejo carnal e dos contornos eróticos das cenas, como lua cheia (p. 20), quero-te (p. 23) e tentação (p. 24), p. ex., intercaladas com momentos poéticos de maior ternura em madrugada de estrelas (p. 18) ou aurora (p. 21).
É no centro do livro, situado no terceiro ato, que a expressão poética do erotismo atinge o momento mais alto, vigoroso e explícito, coincidindo com o clímax da paixão em cinco atos e, naturalmente, também com o ponto supremo do prazer sexual. De facto, antecedido de um poema esplêndido com o título no chuveiro (p. 27), surge, centrado num neologismo, a descrição poética do estado de excitação máxima de qualquer ato amoroso: orgasmar, orgasmei e de novo… (p. 29ss.) constitui uma trilogia de poemas que parece reverberar, por meio da linguagem poética, o múltiplo orgasmo feminino. A sensação de plenitude descrita no poema subsequente vem confirmar a realização sexual imprescindível ao sentimento de felicidade da mulher (p. 32) que entra agora numa fase idílica marcada pela vida sexual ativa e pela coabitação harmoniosa com o homem amado, revelando, numa sequência de poemas admiráveis, a confiança audaciosa de uma mulher madura. Veja-se, p. ex., mergulho (p. 36), coquette (p. 39) ou felina (p. 41), poema no qual o eu lírico veste a pele de uma devoradora “gata selvagem / ciosa do que é seu”, fazendo ronronar na memória do leitor a imagem do gato sedutor do texto de abertura (cf. p. 3).
No quarto ato, começa a desenhar-se a curva descendente da ação, acompanhada do acentuado decréscimo do conteúdo erótico que faz resvalar os textos para temas e motivos próprios da lírica amorosa. É então que despontam os primeiros sinais dissonantes da relação amorosa, ditados pelas ausências frequentes e cada vez mais prolongadas do amado, assaltando a mulher apaixonada com sentimentos díspares, entre a euforia de quando chegas (p. 47) e a tristeza, a saudade, a solidão de no silêncio da tua ausência (p. 50), telefonema (p. 51s.) e noites (p. 53), p. ex., ou a dolorosa constatação da importância indispensável da presença física do companheiro, pois só o amor não basta (p. 54). O ato final, onde o erotismo praticamente já só ressurge através da memória nostálgica (decadência, p. 63ss.), é marcado pelos dolorosos sentimentos de perda e de desgaste (sonho, p. 59s., turbilhão de sentimentos, p. 62) e pelo fim efetivo da relação que culmina na solidão e tristeza humanas (amor impossível, p. 67 e finalmente só, p. 69), mas, de igual modo, pela incerteza quanto ao desfecho (dúvida, p. 61). Aliás, os poemas finais (vício, p. 71s. e retoma, p. 73), nos quais o sujeito poético feminino deixa perceber que o seu amor persiste, revestem alguma ambiguidade e permitem entrever uma nesga de esperança na recuperação da felicidade e do amor perdidos.
No entanto, não é somente o desenlace deste drama da paixão que permanece em aberto. Dado que estamos perante um livro de poesia, ou seja, uma obra cujas propriedades distintivas consistem justamente na elevada ambiguidade, ou polissemia, e na subjetividade, não pretendo, de modo algum, coartar ou condicionar a liberdade interpretativa do leitor. De resto, fazendo fé nas palavras da própria poetisa (distanciada de tendências mais abstracionistas e herméticas de alguma lírica coeva), é o texto, a obra de arte poética que contém o gérmen potenciador de leituras várias: “um poema não cogita / frutifica”, conclui, num poema autorreflexivo divulgado no seu blogue sob o título Um poema não se explica.
Assim, estas considerações prévias não visam senão sugerir alguns caminhos possíveis para a leitura deste livro inédito. Assiste a cada leitor do ciclo paixão em cinco atos, bem como de cada um dos seus poemas, o direito de seguir ou de ignorar tais sugestões, claro está. Até porque, em última análise, a poesia, em particular, e a literatura, em geral, acaba por ficar inteiramente entregue ao saber e ao sabor de cada leitor. Como refere Ana Paula Mabrouk, na supracitada crónica sobre a Obra de arte: “A obra surge e diz: eis-me aqui. Sou real, concreta e duradoura. Vim para ficar. Julgar? Julgue quem possa, quem saiba ou quem sinta em quantidade e qualidade suficiente para me entender.” (Crónicas da Arte e da Vida, p. 33).

Rogério Paulo Madeira

Coimbra, 10 de maio de 2013

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Sessão de apresentação em Coimbra - Paixão em 5 Atos

Caros amigos e leitores,
convido-vos para a sessão de apresentação do meu livro Paixão em 5 Atos em Coimbra.






Casa Municipal da Cultura / COIMBRA | Sexta-feira, 13 Julho, 21.00 horas
Paixão em 5 Atos, Ana Paula Mabrouk | www.versbrava.pt


 "A publicação da obra paixão em cinco atos de Ana Paula Mabrouk, distinguida em outubro de 2012 com uma Menção Honrosa no XXI Prémio Nacional de Poesia da Vila de Fânzeres, além de sublinhar o reconhecimento de um novo ciclo de poesia da autora e de o tornar, evidentemente, acessível a um público leitor mais vasto, constitui, sem dúvida, um marco significativo numa carreira literária que se deseja ainda longa e profícua, baseada como é na interação estética com a vida. Não só por transportar, para o campo da sua poesia lírica, alguns aspetos da condição da mulher na atualidade, vetor temático predominante na sua obra de estreia, a coletânea de contos (e alguns poemas narrativos) intitulada Alfabeto no Feminino (2005), na qual assomam, por vezes, de par com a crítica social de feição feminista, os primeiros sinais de irreverência sexual. Não só por transpor, uma vez mais, para a sua praxis poética, temas, motivos e preceitos estético-literários que afloram no volume de Crónicas da Arte e da Vida (2011), o qual mantém um fecundo diálogo intertextual com o poeta de língua alemã Rainer Maria Rilke. Mas também por retomar e desenvolver, de modo exuberante e audacioso, os temas do amor, do erotismo e da paixão que percorrem já várias das páginas lancinantes do primeiro ciclo de poesia da autora Em Carne Viva (2010), bem como alguns outros de entre os múltiplos poemas dispersos por diversas antologias poéticas e/ou divulgados através do blogue literário Escrevinhando: Riscos e Rabiscos (http://anamabrouk.blogspot.com)."

Prefácio - Erotica Lusitana ou o drama da paixão
de Rogério Paulo Madeira, Professor Doutor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Noite quente

noite quente


havia estrelas e suor
brilho no manto nocturno
luzia teu sorriso
abrigo no meu peito
tombaste a cabeça
entre montanhas conquistadas
e constelações de dedos
entrelaçaram-se quentes
persianas de cílios
declaram a noite
e sopros cálidos
varreram o areal
ancorado no tempo
um mar sem ondas
afagou nossos pés
refrescando esperanças
temperadas com fé
nas cousas sonhadas

um astro cadente
rasgou o firmamento
escrevendo na noite
nossos nomes de sal


Ana Paula Mabrouk
in Paixão em 5 Atos
(Ato II)