terça-feira, 3 de novembro de 2009

Prefácio d' A Descoberta

«Cada um sobrevive consoante a qualidade e a quantidade
de energia unificadora que traz consigo»

António Alçada Baptista


Esta pequena peça desenrola-se num banco de jardim à beira do rio Lis. De um lado, temos Sebastião, um mendigo que se considera um «velho abandonado, sem ninguém», que há muito desistiu de lutar, vencido pelos infortúnios da vida, desiludido com os valores da sociedade urbana. Do outro, Eduarda, uma criança curiosa e terna, que simboliza a promessa da própria vida e a aliança com o futuro. Entre os dois, estabelece-se um diálogo que versa tópicos como o tempo, o esquecimento, a sorte, a vida e a felicidade.
Sebastião, por detrás dos seus sessenta e quatro anos, exibe a sapiência que a idade, a experiência e as agruras da vida lhe conferiram. Relembra o tempo de infância, recorda vivências de amor e de cumplicidade da vida conjugal dos seus pais e responde às perguntas da menina, numa relação de mentor-discípula. Quem foi outrora «mestre de saberes», nunca conseguirá deixar de o ser.
Eduarda, numa atitude semi-atenta, semi-absorta, funciona como motor de arranque para um diálogo que mais não é do que um monólogo alargado. Ela é um pretexto para uma reflexão sobre a encruzilhada na qual se encontra Sebastião. O ser humano, independentemente da idade, sexo, estatuto social ou convicções pessoais, necessita de paragens ao longo do seu percurso vivencial para decidir caminhos e tomar decisões cruciais. São tempos de auto-análise, durante os quais se questionam as grandes temáticas que subjazem à existência humana: o sentido da vida, o conceito de felicidade, o significado que temos para os outros seres que nos rodeiam, o nosso papel na sociedade contemporânea.
Sebastião exibe uma atitude de auto-comiseração, de lamento permanente sobre o esquecimento dos demais, de acomodação à sua situação de excluído. Para ele «as pessoas esqueceram-se rapidamente» e ele não passa de um «retrato de um ensaio do esquecimento humano». Com consequência, perdeu a «vontade e a capacidade de lutar».

Eduarda, no entanto, é o retrato vivo do momento durante o qual dois seres humanos se encontraram e, por intermédio do amor, lhe deram o dom da vida. Ela permanece ao seu lado, impedindo-o de cair no vazio da auto-contemplação. Ela é a presentificação da felicidade que, em tempos, também ele foi para alguém. Esta voz, terna e ingénua, vem recordar-lhe que na vida «não existe meio termo, meio choro, meia lamentação, metade de um medo». Enquanto existir alguém, que se sente num banco de jardim, junto de nós, e nos aperte a mão com afecto, o abismo do fim ficará, para sempre, adiado.
Sebastião já sabe que «é difícil encontrar a felicidade plena. Nenhum homem poderá afirmar que foi em todos os momentos de existência completamente feliz». Entre o cume da montanha e o seu «baixio», existem muitas cambiantes de cor. Há jardins floridos e noites cinzentas. Há batalhas sangrentas de vermelho-vivo e águas tranquilas de azul-calmaria.
As Eduardas, reais ou imaginárias, estão sempre ao nosso lado, para nos relembrar que é preciso «espalhar os ensinamentos e dar em dobro o amor» que nós já recebemos anteriormente. Após algumas pausas de desalento e de quase desistência, é urgente olhar as estrelas, sentir o calor da «luz do coração» e escutar as palavras sábias da mãe do Sebastião: «Não podes apenas desejar… Precisas de fazer as coisas acontecerem na tua vida!» Essa é a Descoberta última de quem procura o sentido da vida.

Ana Paula Mabrouk
16 de Agosto de 2008
Parque Mondego, Coimbra

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