sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Poeta maldito

Poeta Maldito

«Há só um caminho: entre em si próprio e procure a necessidade que o faz escrever. Veja se essa necessidade tem raízes no mais profundo do seu coração. […] …então construa a sua vida segundo esta necessidade.»

Rainer Maria Rilke in Cartas a um Poeta


Gostava de ser um poeta como os demais. Falar do mar, das estrelas, dos verdes campos. Saber usar palavras doces e metáforas gentis. Ser de fácil leitura e de pouca polémica. Gostava de «ser de companhia» e fazer serão a senhoras imaculadas, rodeadas de chá e cavalheiros espirituosos. Gostava de circular nos salões de sociedade e nas tertúlias literárias. Ser consensual e de brandos costumes.
Mas arde em mim uma sarça perene que clama em altos brados, que atroa nos meus ouvidos e que martela nos meus neurónios. Há uma chama que exige paixão e dor e martírio. Põe nos meus lábios vocábulos que incomodam e nos meus dedos segredos ímpios que se revelam sem pudor. Não sou de salão, nem de chá de camomila e, se calhar, nem poeta.
Sou tubérculo retorcido de gengibre, chá preto da Índia pobre e jingdung africano. Toco e pico como uma urtiga que não se esquece. E no rubor da pele deixo minha marca rubra, sem anestesia. Sou rainha-mãe dos zangões e pico como ninguém. Ninguém esquece minha ferroada.
Procurei por todo o lado o mel para a minha alma inquieta. Percorri estradas e tentei seguir as placas e obedecer às indicações. Viajei, busquei e regressei ao ponto de partida, tão insatisfeita como quando parti. Nem na lonjura do mar, nem no conforto do lar me senti viva e plena.
Interroguei as pedras dos caminhos, os silvados de amoras negras e os riachos sussurrantes. Esperei em vão respostas de outros, do Alto, do Além. E na plenitude da escuridão de um céu sem estrelas, descobri que o vazio em excesso e que o bálsamo em falta, residiam ambos comigo. Sempre tinham habitado e coexistido, lado a lado.
Não sou poeta como os outros, nem o gostava de ser afinal! Sou assim: poeta maldito, mal-amado, malfadado. Mas sou inteira: duas faces de uma mesma moeda. Sou doença e cura, moléstia e remédio. Escrevo em prosa e em verso este meu ser de alfabeto. Sou t de tudo e u de única. Princípio e fim; alfa e ómega. E neste caos das palavras nasço e morro mil vezes qual Fénix deslumbrante nas suas asas multicolores num monocromático céu azul.
Escrevo e vivo ao sabor da pena.


24 de Agosto de 2009
Ana Paula Mabrouk

Sem comentários:

Enviar um comentário