«Diga as suas tristezas e os seus desejos, os pensamentos que o afloram, a sua fé na beleza. Diga tudo isto com uma sinceridade íntima, calma e humilde. Utilize, para se exprimir, as coisas que o rodeiam, as imagens dos seus sonhos, os objectos das suas recordações.»
Rainer Maria Rilke in Cartas a um Poeta
«Poeta é o nome do meu próprio nascimento», já dizia Miguel Torga. Ninguém é poeta por vontade própria: é-se por uma imposição interior, ao mesmo tempo divina e maldita. È uma bênção e uma maldição, à qual não se pode fugir.
Há quem procure artificialmente construir poesia com labor, técnica e meditação apurada. Talvez consiga, mas a sua poesia soará sempre a falso. Não que estes condimentos sejam descartáveis. É preciso trabalhar a palavra, limá-la até ela corresponder ao mais íntimo do nosso sentir. Sim, porque há vezes em que ela irrompe bruta, intempestiva e desabrida. Aforam à página em branco rios de sentimentos e pensamentos em torrentes. É preciso depois esperar que escoe na praia a espuma cinza da onda para poder enxergar a transparência da água que só surge depois.
Todavia, brotam no verdadeiro poeta, vindas das profundezas dos seus sonhos, vivências e recordações palavras inesperadas, trinando a sinceridade. Evocando Camões «Transforma o amador na cousa amada». As palavras são a prova de quem já muito viveu e essa longevidade nada tem a ver com a idade biológica. As vivências íntimas assumem no poeta uma transmutação, uma sublimação, quase uma apoteose de quem no recato do seu escritório sentiu na pele e na alma a necessidade imperiosa de extravasar a sua interioridade. Com uma sinceridade intimista e humilde, o verdadeiro poeta colhe em si mesmo lexemas e fonemas que transforma em sinfonias orquestradas pela mão e pela mente. È compositor e maestro, no fosso da orquestra. E o público, por detrás das melodias, quase adivinha os estados de alma que deram origem àquelas notas conjugadas. Digo quase, pois o poeta é um fingidor, no sentido pessoano do termo. É dor que verdadeiramente sente.
Ser poeta é estar umbilicalmente ligado às palavras; delas se alimentar, sem nunca delas se poder desprender. É uma simbiose de uma vida que se iniciou mal ocorreu o nascimento. Um novo ser surgiu e com ele, gravado no ser o seu nome: poeta.
5 de Outubro de 2009
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