segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A idade da sabedoria

A idade da sabedoria

«Nem tudo se pode aprender ou dizer, como nos querem fazer acreditar.»

Rainer Maria Rilke in Cartas a um Poeta

Existe um mito de que todos podem aprender tudo, sendo a motivação e a determinação os únicos motores necessários à aprendizagem. A estas certezas ingénuas da juventude advêm, com o tempo, as duras penas da frustração. Chegará um dia em que nos havemos de considerar maus estudantes da vida, ou pior ainda, seres desprovidos de capacidade de aprender o que nos querem fazer aprender.
Existem vários motivos para este fracasso. Talvez o principal se prenda com as palavras. Elas são, por um lado, as nossas maiores armas e, por outro lado, os piores instrumentos de aprendizagem. Com elas lançamos mão da capacidade de diálogo, discussão, descodificação do mundo. Através delas entendemos outros idiomas, lemos obras de autores dos antípodas, aprendemos, todos os dias, a História em perpétua mutação das várias nações que compõem o puzzle deste mundo. Moderno e supostamente civilizado.
Elas trazem até nós, bem perto, às vezes por dentro dos ossos e dos nervos, as tragédias, as barbáries, as guerras sempre necessárias a uns e devastadoras para outros. Todos os dias somos invadidos pela esmagadora sensação de que viver pesa, custa e paga-se a sangue e lágrimas.
Há dias, porém, que a água salgada que nos baila nos olhos provém de um acontecimento feliz: o salvamento de uma criança ou de uma baleia. Um ser minúsculo que se agiganta na alegria que nos provoca ou um ser gigantesco que nos comove até ao mais íntimo do nosso ser.
E tudo isto é obra resultante de sons articulados, denominados palavras! Não há dúvida, nem pode haver: elas abrem-nos o mundo e nos abrem ao mundo.
No entanto, com o avançar da idade, vamos aprendendo que, contas feitas, nem sempre todas as palavras se podem dizer. As mais doces agrilhoam-nos, às vezes, para sempre, contra nós próprios e contra a nossa vontade de crescer e de mudar de opinião. Uma vez proferidas, contratuam a nossa vida e impedem-nos de avançar na procura daquilo que é melhor para nós no turbilhão da vida moderna. Os grilhões voluntários são o pior tipo de algemas com as quais nos podemos amarrar. Não nos ferem os pulsos: ferem-nos a alma nos recantos mais obscuros do nosso ser imperfeito e inconstante.
As palavras duras e ácidas corroem relações de uma vida e destroem, para sempre, a hipótese de um novo recomeço. A possibilidade de um arrependimento. Elas provocam mais vítimas a nível planetário do que qualquer guerra internacional. São mais mortais do que as armas de destruição maciça, pois a destruição que provocam almeja o âmago dos sentimentos que consideramos mais sagrados. O seu estrago é imperdoável e a possibilidade de reconstrução fica fora de qualquer cogitação.
Perante estas observações, fruto da passagem dos anos e da devastação que foi ficando pelo caminho, passamos a olhar as palavras com reverência. Cada uma pode marcar o início ou o fim de uma vida.
Quanto à aprendizagem, ela não pode passar apenas pelo mundo do pensamento ou da verbalização. A aprendizagem, processo doloroso e nunca acabado, passa essencialmente pelas experiências vivenciadas. São elas que nos proporcionam as mais valiosas lições de vida. Uma experiência marcante eleva-se acima de um discurso de mil palavras sábias. A sua descarga atinge-nos como um raio inesperado, em pleno dia de céu azul. A impressão causada permanece muito para além da ferida da árvore atingida. É essencial viver muito para se saber muito. A aprendizagem suprema resulta da súmula de vivências que conscientemente procurámos ou que acidentalmente se nos depararam pelo caminho.
Por estas razões, um sábio nunca poderá ser jovem mas um velho, muitas vezes, não atinge a idade da sabedoria.

Café Paul, Place Puget, Toulon
21/08/2009

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