quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Rei Mouro




Num país à beira-mar plantado
Começa uma história banal
No centro de uma grande cidade
Em plena época de Natal.

Trata-se de um presépio vivo
De três pessoas composto
De um pequeno rei negro
Concebido bem a gosto.

Mares e oceanos cruzaram
Engoliram fome e fel
Montando finalmente tenda
Em terras de leite e mel.

O pai, carpinteiro de profissão,
Ou não estivéssemos no Natal
Cedo encontrou nesta Babilónia
Torre na qual trabalhar.

Era um futuro centro comercial
Onde gambiarras de mil cores
Prometiam a felicidade eterna
Aos potenciais compradores.

Nem sequer imaginavam
Que a viga de madeira sustenta
O fruto do trabalho árduo
Que a loja de marca ostenta.

A Mãe, de seu nome Maria
Vive num palácio urbano decorado
De zinco, plástico e tijolo
Juntinha do seu bem amado.

Apenas as seringas espalhadas
Em volta do seu exíguo estendal
Entre linguajares desconhecidos
Lhe lembram a face do mal.


Vive entre o medo de regressar
E a esperança secreta de permanecer
Da terra natal as saudades
Os sonhos na terra do renascer.

É rainha mãe de um monarca
Promessa de um futuro melhor
Não é Jesus de Belém
Mas noutro deixará sua cor.

É já final de dia invernoso
Quando o sol abraça o mar
À porta assoma a mãe aflita
Em plenos pulmões a gritar.

É a cultura crioula que afirma
Que só há um modo de parir
Das veias de sangue quente
Voz alta terá que se ouvir.

Uma vizinha em socorro acode
Depressa um carro ao hospital!
Não posso, chora a pobre Maria
Aqui não sou mãe: sou ilegal!

Mulher, deixa lá isso agora
Teu filho merece o melhor
Vais dar o nome de Aurora
Mulher de meu irmão Belchior.

Lá foram as duas vizinhas
Num chasso velho a gemer.
Não sei quem gemia mais alto:
Se o carro ou se a mulher...

Pela primeira vez na vida
Maria está deveras assustada
Não tem ninguém a seu lado
Nem mãe, marido ou cunhada.

Petrov Kaspar, ao seu serviço
Vamos lá tirar esse rapaz
Há-de ser um homem forte
Saudável, inteligente e sagaz.

Entre gritos lancinantes
De qualquer um arrepiar
Sem folha de bananeira
Faz ela um último esgar.

Já cá fora o garoto
São e escorreito, garante
O médico russo a sorrir
À cabo-verdiana diletante.

Avisem o Sr. Baltasar
Patrão do Zé carpinteiro
Que este já cá tem um filho
Com carapinha e sem dinheiro.

Cabelos louros não tem
Nem mirra, incenso ou ouro
Mas tenho a certeza que vem
Ao mundo em versão de rei mouro.

Não sei se fábula será
Esta minha história banal
Só sei que aconteceu um dia
Quase em vésperas de Natal.

Versão em verso do conto Nasce Jesus
Ana Paula Mabrouk

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