sábado, 26 de dezembro de 2009

Fui a Baiona a uma funeral


Fui a Baiona a um funeral.
Tinha um vivo para enterrar
Não sabia se na praias, no areal
Ou nas profundezas do fundo do mar.

Fui a Baiona a um funeral.
Mirei canas sem isco, sós
Revi banhos de riso sem mal
E o prazer que morreu em nós.

Fui a Baiona a um funeral.
As águas permanecem calmas
Os rochedos escondem mel e sal
E os namorados trocam de almas.

Fui a Baiona a um funeral.
Senti na minha pele de mulher
As carícias da brisa matinal
E arpões que o tempo nela fere.

Fui a Baiona a um funeral.
Vagas de sentimentos revoltos
Assaltaram-me como um temporal
Em nuvens de agonia envoltos.

Fui a Baiona a um funeral.
As conchas trazidas pela maré
Vinham vazias, vítimas de vendaval
Mergulhei e senti-me sem pé.

Fui a Baiona a um funeral.
Nas redes antigas fiquei enredada
E mariscos não encontrei, afinal
Só minha barca da vida, afundada.

Fui a Baiona a um funeral.
De lá saíam algas em turbilhão
E lágrimas de vermelho coral
Soltavam-se tristes da embarcação.

Fui a Baiona a um funeral.
Fui de propósito enterrar o passado
Na memória pôr um ponto final
E esquecer aquele navio afundado.

Fui a Baiona a um funeral.
Enterrei a âncora bem fundo
Teci uma coroa de flores artesanal
E despedi-me de um amor profundo.

Fui a Baiona a um funeral.
Mergulhei a pique e por pouco morri
No sofrimento que quase me foi fatal
Limpei as lapas e de novo nasci.

Fui a Baiona a um funeral.
No mar alto, carpi últimas mágoas
Ilusões, resquícios de vida plural
E emergi purificada daquelas águas.

Fui a Baiona a um funeral.
Enterrei o meu vivo. Até que enfim!
Cometi, quiçá, um pecado capital
Mas a força do mar vive agora em mim.
Poema nº 32 da futura Antologia Em Carne Viva
Foto da escritora

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