Álbum de recordações
Está trancado num caixote robusto, selado com fita adesiva, extra-forte. Acorrentei-o para ele não fugir, de repente. Foi fechado com cadeado à prova de evasão. Escondi-o num sótão velho, empoeirado. Está afastado da luz do dia, num recanto escuro. Mergulhei-o no esquecimento dos dias atarefados. Está aferrolhado a sete chaves, com código numérico. Lacrei-o com cera vermelha, sangue do meu sofrimento.
Na capa tem inscrito «O Meu Álbum de Recordações». São memórias dos momentos felizes ou pseudo-felizes. Felizes, certamente, na ignorância do futuro incerto. Felizes na ânsia de agarrar os instantes nos quais sorria, mesmo quando chorava por dentro.
Vou deixar que as aranhas tecem as suas teias; sinal da passagem do tempo. Esperar que o cartão envelheça lentamente, como eu, mas longe de mim. Adivinhar as páginas amarelecidas e não folheadas. Pressupor a humidade a colar instantâneos e a arruinar o colorido das estampas. Deixar morrer em mim memórias que sagram e que não deixam cicatrizar feridas antigas.
Vou deixá-lo lá, bem apartado de mim e da tentação de o abrir. Longe do masoquismo de rememorar outros tempos, outros cenários. Vou lavar da memória contornos e traços fixados de um rosto que conhecia, ao pormenor do tacto e dos afectos. Vou arrancar do peito, a ferros, as mágoas profundas de não ter conseguido expurgar do corpo e da alma e da vontade aquele que continua a insinuar-se nos sonos mal dormidos.
Vou dormir sobre o assunto, uma eternidade se preciso for, e tentar acordar noutra vida, amnésica e abençoada pelo vazio do passado. E à noite, antes de dormir, orar Àquele-que-tudo-sabe para que apague, definitivamente, todas as recordações gravadas nas veias.
Esquecer, apagar, olvidar. Falo de mim e para mim, é claro!
Ana Paula Mabrouk
04-07-2001
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