quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Comentário pessoal ao livro Auto dos Danados

Antunes, António Lobo, Auto dos Danados, Publicações D. Quixote, Lisboa, 1985


Livro do desencanto, no qual a degradação das pessoas, das coisas e dos preceitos é o tema principal. È através da história de uma família de Monsaraz que esta degradação nos é dada. Existem vários narradores, membros da família ou com ela relacionados, que nos contam, cada qual, uma parte da história. Reunindo todas essas partes temos a história completa. O ritmo e a sequência lógica dos pensamentos dos narradores são constantemente interrompidos pela realidade quotidiana, ela própria fruto de uma análise subjectiva. Podemos dizer que o livro é de facto psicológico. O fluxo narrativo não é cronológico, pois existem constantes divagações e intercessões no ritmo narrativo. As prolepses relativas ou totais, assim como as analepses, são muito frequentes, dificultando a apreensão do conteúdo e do fluir da história. O próprio decadentismo está patente na linguagem (calão). A linguagem tem associações muito originais e inesperadas, que dão um tom característico ao livro. Predomina o discurso indirecto, embora geralmente não assinalado
As personagens são todas elas apresentadas como monstros, com os seus lados negativos salientados. Uma família onde reina a ganância sem limitações, à espera da morte do avô, para se apoderar da herança. Na realidade, não existe herança nenhuma, pois o avô derreteu-a em casinos, mulheres e na tentativa de cura de dois dos seus filhos doentes (deficientes mentais). É por esta acumulação de dívidas que todos tentam roubar todos, na esperança de se tornarem os únicos herdeiros. O único elo de ligação que parece existir é-nos dado pelo tio, que dormiu com todas as mulheres da família. A perversão sexual e a exploração deste tema atravessam e são uma constante em todo o livro. Tudo e todos são profanados: o avô moribundo, a mongolóide… Os poucos apontamentos positivos emanam de algumas personagens femininas, como a prima do Outeiro, Lurdes. Elas parecem representar uma pequena parcela da mulher portuguesa típica: as mulheres indefesas e solitárias que aprenderam a contar só consigo próprias, num estoicismo algo perpendicular. Elas representam o matriarcado que caracteriza Portugal.


26-08-2008

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