segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Novo livro - Vivências


Acabada de chegar do Brasil, a nova Antologia Vivências contém uma crónica minha que granjeou o 3º lugar. Aqui fica ela: profunda e intimista.



TESTAMENTO
Dizem que existem pessoas que pressentem o aproximar da morte. Algumas rezam, outras festejam os derradeiros momentos, outras ainda cometem actos extravagantes, para que possam ser lembradas. Sempre pensei que se deve morrer como se viveu em vida. Uma espécie de coerência, levada até às últimas consequências.

Dado que sempre me senti sozinha no mundo, mesmo nos momentos em que estive acompanhada, penso que este é o fim digno para mim. Nunca gostei de aborrecer os outros com os meus problemas, assim como nunca gostei de deixar os meus assuntos por resolver. Não se trata de uma atitude egocêntrica, do tipo “orgulhosamente só”, apenas um registo pessoal. O meu. Simplesmente.

Hoje sinto que esta dor que me atormenta o coração e o braço direito, há já algum tempo, se tem feito sentir de forma particularmente acutilante. Como que a dizer que o meu fim se aproxima a passos largos. Ataques convulsivos de choro irrompem do nada, num assomo que não consigo controlar. Todo o meu corpo fala comigo e me instiga a tomar medidas urgentes. Decidi escutá-lo, pois sei que a sua fragilidade nunca conseguiu acompanhar a teimosia do meu espírito. Demasiado rebelde para ser contido por um corpo de mulher que a idade não deixa esquecer.

Poderia ter ido ao hospital, numa atitude sensata e madura. Poderia ter adiado este fim precoce. Mas para quê? Os médicos mandar-me-iam levar uma vida mais calma, sem tanto trabalho, nem stress. No entanto, a minha realidade não se compadece com prescrições médicas. Então, de que me adianta ir ao hospital adiar o inevitável por mais alguns meses e, acrescentar dores, sofrimento e vergonha ao resto dos meus dias? Nada: mesmo nada. Sejamos práticos, então. Façamos um testamento e deixemos o destino, Deus ou o que for que controla a minha existência, seguir o seu rumo. Naturalmente.

O choro parou as suas vagas sucessivas de irupções de marés vivas, mas a dor aguça-se e é premente avançar neste mar revolto de final de dia.

Gostaria de deixar muitos bens materiais e palavras de conforto para todos, mas essa não sou eu. Lamento. Parece que passei a vida inteira a pedir desculpa por quem sou…Não sou rica, bem-sucedida, bonita, socialmente considerada, nada que valha a pena no Portugal de hoje. Falhei em tudo e fracassei com distinção. Sinto que nada do que fui ou fiz valerá uma linha num periódico ou num jornal nacional, em prime time. Levei uma existência medíocre entre gente pequenina. Ah Lilliput sem Guliver !

Sinto-me impotente para mudar a minha vida e perdi a esperança, de forma definitiva e irreparável. Vagueio nos dias, atormento-me nas noites. Nem coragem suficiente tive para pôr termo a esta angústia. Não quis alguma entidade superior ou apenas reinou a minha incompetência. Parece que este corpo frágil foi cativo, durante muito tempo (tempo demais, quanto a mim) do espírito caprichoso. Qual borboleta, sobreviveu a furacões, tremores de terra e ondas gigantes. Nem ventos agrestes, nem solo conturbado, nem águas profundas. Uma insustentável leveza do ser…

Comprimo o peito com a mão direita e entendo que este corpo está finalmente cansado. Anseia por um repouso sem fim. Reclama a paz a que tem direito. O descanso dos guerreiros, no final de tantas batalhas. A panaceia da alma retalhada e do rosto contorcido pelo agonizar de tanto sangue derramado em vão. Já chega! Cai a máscara, a armadura e a espada enferrujada. As sandálias empoeiradas estão gastas de tanto palmilhar…

Gravo a mensagem, temerosa de que a ceifeira não me dê tempo de terminar o meu legado. Talvez fique a meio caminho, talvez nunca chegue o manuscrito às mãos que saibam reconhecer os caracteres e pictogramas. Talvez fique a meio do desenho de um pássaro ou de um rio. Quem sabe de um molho de trigo em tempo de ceifa? Outono da vida. Final de um painel de estação que fecha um ciclo e não tem tempo de abrir outro.

Em tempos idos sempre acreditei que, se trabalhasse com afinco para conseguir aquilo que queria, um dia haveria de lá chegar. Acreditava, ingenuamente, que o meu futuro apenas dependia de mim e da minha capacidade de luta. A vida encarregou-se de demonstrar a falência da minha crença e de vergar o meu orgulho pueril. Grande parte daquilo que nos acontece na vida, nada tem a haver com a nossa aguerrida batalha diária ou sequer é fruto das nossas escolhas. Acaso, forças cósmicas, fato ou vicissitudes são partes integrantes e imprevisíveis desta nossa passagem terrestre. Não escolhemos doenças, acidentes de automóvel, falências das empresas nas quais empenhámos suor e lágrimas, mortes de familiares, amantes e amigos e fracassos de relações interpessoais. Algumas pessoas continuarão a afirmar que apenas colhemos os frutos das nossas escolhas profissionais, pessoais ou afectivas. Pois eu garanto que não. Pode-se passar uma vida inteira de integridade, responsabilidade civil e ética social e colher apenas amargos de boca. Quanto aos corruptos, exploradores e egocêntricos compulsivos, é vê-los a desfrutar a vida, com direito a tudo aquilo que roubaram aos demais.

Isto nem é sequer um lamento ou uma recriminação pessoal. Já há muito que me deixei disso. São apenas divagações de quem já não tem mais nada a perder. A não ser a própria vida. No vazio crescente do meu cérebro, instalou-se uma lucidez temerária. Um tratado de luz e acidez…

Não sei se ainda tenho tempo, mas queria partir com clareza e sem equívocos. Não estou a desempenhar um acto egoísta de auto-comiseração. Vejo com absoluta transparência o meu percurso de vida e reconheço que nasci para a mediocridade. Não me destaquei em nada, nunca fui excelente em coisa nenhuma, nem sequer sobressaí em campo algum. Um nome e um número num BI, sem história que valha a pena contar. Mulher, mãe, esposa, profissional anónima, como tantas outras neste país. Um rosto banal numa vida banal. Uma vida de estórias sem História para recordar. Há quem nasça para a luz e quem nunca consiga sair da obscuridade. Predestinação? Sei lá eu…

A dor instalou-se na cabeça também e uma sensação de náusea invade este feixe de nervos sem aço. Sinto que vou morrer sozinha e, pela primeira vez, tenho pena. Não sinto medo, nem tão pouco terror do que se aproxima. Apenas pesar. Ninguém deveria morrer sem companhia, mesmo que se morra sozinho. Mesmo que a morte seja uma experiência solitária. Mesmo que ninguém possa morrer connosco ou por nós. Todos os seres humanos deveriam ter direito a morrer com alguém a segurar a sua mão. Um calor de afecto na frieza que trepa corpo acima.

Despeço-me pois de todos aqueles que amei e que me amaram de volta, de todos os lugares nos quais tive lampejos de felicidade, de todos os objectos que me acompanharam nos bons e maus momentos, do meu cão que me lambeu feridas no sentido literal e me sarou mazelas na solidão das minhas horas, de mim mesma, sem recriminações nem azedume. Sempre fui o melhor que consegui ser, apesar do pouco que consegui almejar.

Parto de alma lavada e espírito liberto, consciente de que tudo deve ter um fim, embora, às vezes, ele pareça chegar cedo demais. Não consegui vislumbrar o sentido da minha existência, mas, provavelmente, a existência não pressupõe sentido algum. Nós é que temos a fatídica tentação de atribuir um sentido oculto a tudo. Provavelmente a nossa existência corresponde a um minúsculo pó cósmico de um movimento constante de fluir. Princípio e morte de constelações, planetas e pessoas. Estrelas cadentes. Meteoros incandescentes. Crateras que testemunham vidas intergalácticas.

Sinto um entorpecimento geral e um esquecimento sem riso a pedir o fecho de considerações. Chegou o momento de escrever fim no final do filme. De deixar quem assiste decidir se valeu a pena hora e meia de desfilar e desfiar de confissões e inconfidências. No meu caso, a única espectadora deste enredo, levanto-me devagar e decido correr as cortinas. Apago as luzes e saio de cena, discreta e anónima. Caminho ao encontro daquilo que me espera. Tranquila, sem lágrimas nem dores. Em paz com o mundo, mas sobretudo em paz comigo própria. Absolvida, sem o castigo do acto de contrição. Extrema bênção da sacerdotisa que finaliza em mim.





11 de Outubro de 2008

Ana Paula Mabrouk

domingo, 5 de dezembro de 2010

Lembrança

Foi naquele quarto velho –

Velho, não! – decadente

Que nos amámos muitas vezes.



Entrávamos em silêncio.

Tu desabotoavas-me a timidez

Eu desapertava-te a solidão.



Nas paredes bolorentas

Pendurávamos a tristeza

E na cama estreita deitávamos

Os corpos famintos.



Eu acolhia-te no meu abraço

Tu aconchegavas-me no teu peito

E ambos embalávamos vidas vazias.



Foi naquele quarto velho –

Velho, não! – miserável

Que vivemos nossas loucuras.



As palavras ficavam mudas

Perante a sofreguidão de uma fome

De muito tempo de ausências.



Minha mão na tua nuca alta

Tua mão no meu ventre desnudo

E no ar o cheiro a sexo premente.



Deixava no teu pescoço

Meus dentes marcados

Deixavas nos meios seios

Tua saliva máscula

E nossos corpos exibiam

Sinais de festim.



Como amava aquelas tardes ilegais

Escondidos do mundo

A descoberto de nós

Sem falsos pretextos

Nem moralismos vãos.



O meu corpo rejubilava de gozo

A magreza do teu transfigurava-se altiva

E o quarto agigantava-se.



Relembro odores, gritos, gemidos

Suspiros, rasgos de pele, vagidos

E a felicidade de um raio de sol

A pintar sorrisos nos sorrisos cansados.



Lembras-te daquela paixão muda?

Em que tudo calávamos

E tudo era dito em silêncio?

Gritado dentro de nós

E entendido sem sons?



Falamos tanto agora

E nada dizemos

Murchos vão os corpos

As almas secas

O quarto moderno clareou

O bolor habita agora os nossos corações.



20-11-2010
Ana Paula Mabrouk

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Coquette

Coquette




Olho-me no espelho

E vejo a diva de outrora.



Os lábios eram de carmim

Carnudos e ávidos de provocações.



Os olhos chispavam de riso

E labaredavam segredos inconfessáveis.



As maças de rosto empoeiradas e rosadas

Ofereciam-se para ser trincadas a gosto.



A testa alta ostentava cabelos rebeldes

Que deslizavam na pele aveludada.



O nariz empinado de quem tudo comanda

Perfilava-se atrevido, desafiando em redor.



O colo desnudo espreitava do decote ousado

E convidava a mil devaneios.



Os anos passaram mas a chama ainda se aviva

Quando entras sem avisar

E me surpreendes pelas costas

Com um beijo húmido

E um abraço apertado.



Estremece o corpo pequeno

Ateio o desejo adormecido

E agarro a gravata descaída

Com dedos de gazela treinada

Atraindo-te para o meu covil

Fêmea com cio atiçado

Macho para a cópula preparado.



20-11-2010

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O Piolho Zarolho de Lurdes Breda

“Canção do Piolho”, baseada no livro “O Piolho Zarolho e o Arco-Íris da Amizade”, uma obra escrita a pensar nas crianças com Necessidade Educativas Especiais (NEE), da autoria de Lurdes Breda. Este livro bilingue utiliza o sistema de Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA), Símbolos para a Literacia da Widgit, copyright, em Portugal, de Cnotinfor, Lda.


Letra: Lurdes Breda;

Música: Lina Carregã, da Unidade Funcional de Montemo-o-Velho, da APPACDM de Coimbra;

Arranjo instrumental: Nuno Mouronho, da Unidade Funcional de Arganil, da APPACDM de Coimbra;

Ilustrações: Carla Figueiredo, do livro "O Piolho Zarolho e o Arco-íris da Amizade", Editora Temas Originais;

Montagem: Manuela Andrade, Cnotinfor – Imagina, Coimbra.
 

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Conheçam Asun Estévez Estévez

Asun Estevez nasceu em Bueu, Pontevedra, a 18 de Novembro de 1966. É membro da Associação de Escritores e Artistas Espanhóis e secretária da ADICAM (Associação de Diagnosticadas de Cancro da Mama). Em 2008, publicou, através da Ir Indo Edicións, o seu livro de poesia “Pel de muller”, o qual está a ter um enorme êxito na Galiza, encontrando-se em segunda edição. Participou em colóquios, recitais poéticos e também escreve artigos para revistas culturais. Recebeu o 3º premio do “11º Certame de Cartas de Amor”, comemorado pela Concellería de Xuventude do Concello de Cangas. Em 2009, esteve presente no “1º Encontro Internacional de Poesia”, em Aveiro. Ainda no mesmo ano paticipou na “Noite de Poesia e Fados”, evento integrado na 8ª Feira de Doçaria Conventual de Tentúgal. Foi a primeira mulher a fazer o Pregón da Festa Do Viño Tinta Femia de Cela (Bueu). Apresenta e coordena um programa semanal de radio “Cita coa vida”, onde são tratados temas da cultura e do quotidiano. Recentemente publicou os livros "Bicos de sol" (conto) e "Noites, Amanceres ... E algo máis" (poesia).


quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Prefácio do Livro Ancorar o Amor

Caros amigos,
deixo-vos aqui o prefácio do livro "Ancorar o Amor" de Joaquim Santos, escrito em Janeiro deste ano. Para ele que foi pai no último fim-de-semana, votos de feliciades para toda a família.

Ancorar o Amor


Prefácio



Ancorar o amor é um livro que, acima de tudo, nos transmite uma mundivisão na qual o amor é o centro do universo, que tudo move e tudo comanda. É este sentimento invisível, impalpável e quase indefiníve o leit motiv deste livro. Digo quase indefinível, pois o autor inicia a sua demanda, precisamente, com a tentativa de definição do conceito Amor. Parte de uma personificação – ilha paradisíaca –, caracterizando o amor como difícil de alcançar, valioso mas pouco valorizado, sentido último de vida a dois.

A proposição, no sentido filosófico do termo, «Nascemos para amar e sermos amados», subjaz às três partes constituintes deste texto literário.

Podemos considerar a primeira parte como uma reflexão sobre o conceito Amor. De acordo com o autor, é este sentimento que completa o ser humano, o faz feliz, dá sentido a tudo o que somos e fazemos. O seu carácter abrangente e unificador é-nos transmitido através de uma belíssima imagem: «Ele reside na madrugada dos dias, percorrendo todo o tempo até ao anoitecer».

O fio condutor desta reflexão centra-se, em seguida, nas diferentes formas, intensidades, causas e objectos do amor, com as quais se estabelecem vínculos, encontros e laços essenciais. Exemplifica-se o exposto com o caso histórico do amor de Pedro e Inês, amor que sobreviveu, inclusive, à própria morte. O amor não é entendido como um sentimento isolado, de per si, mas como um ingrediente essencial a outros sentimentos e conceitos, nos quais se incluem a amizade, a paz, a autenticidade, a verdade e o sonho. A morte não é impeditiva da continuidade do amor, pois este estado, aparentemente condicionante, coloca o ser humano perante a razão da existência de cada um. É a morte que tudo coloca em perspectiva. Deus é a Entidade Criadora e os seres humanos são seres limitados no tempo mas não na dádiva incomensurável que consubstancia o sentimento do amor.

Numa segunda sequência deste texto narrativo, o autor envereda pela exploração temática de alguns tópicos que lhe permitem reforçar a convicção de que o amor não é apenas uma teoria «mas antes uma experiência maravilhosa que vivemos». Podemos identificar cinco tópicos de dissertação: Verbo amar desde os primeiros tempos, Amor de areia ou de pedra, Amor à terra, Amor invisível e Sonhar não traz limites ao amor.

No primeiro tópico, o autor elabora uma breve resenha histórica sobre o uso da palavra Amor através dos tempos. Identifica-o como sendo o verbo mais usado gramaticalmente nos textos dos apaixonados, em todos os tempos, conjugações e formas. A noção de Amor é extensível a todas as espécies e contem em si mesmo um leque tão variado de sinergias, que vai desde a atracção primitiva da paixão, em estado animal, até «ao pregão aos bons momentos» e à «esperança da humanidade».

No segundo tópico, encontramo-nos perante um autor menos cerebral e mais arrebatado, escrevendo pela madrugada fora, longe das exigências práticas da labuta diária e diurna. É a coberto da noite que a criação artística irrompe e se comparam castelos de amor de areia ou de pedra. A pedra, dura mater, personifica o processo de construção que abriga, protege e proporciona espaço ao sentimento do amor. É um sentimento em constante progresso que necessita de bases firmes mas também de janelas abertas ao mundo, através das quais possa irromper a luz. Quase podemos adivinhar o eco bíblico.

No terceiro tópico, o autor reflecte sobre o caso dos Índios da Amazónia, aos quais não só roubaram as terras, mas impedem a sua ligação à terra-chão, raiz de todos os seus valores mais preciosos. Ao perder a sua referência de base, estas tribos morrem por dentro, condenadas a sobreviver sem identidade, sem verdade, sem autenticidade. São mortos-vivos, aos quais foi arrancado o seu amor mais precioso: aquele que lhes confere a essência de quem verdadeiramente são.

No quarto tópico, o autor disserta sobre o Amor a um Deus invisível, exercício do espírito e pedra angular de uma vida construída sobre valores sólidos como a ética, a educação e o convívio. Repudia-se os extremismos religiosos e fanáticos e alerta-se para a necessidade de formar e informar os praticantes. A religião, qualquer que seja, deve tornar cada fiel uma «bússola do bem comum». Só tendo por base e, acima de tudo, bem alojado no coração, o Amor a um Deus benigno e misericordioso se pode contribuir para a «construção directa de um mundo para todos, sem excepção».

No quinto tópico, parte-se de uma máxima comummente aceite: «A vida real traz-nos limitações, dissabores e injustiças». Se por um lado é verdade que não se nasce com idênticas condições ou oportunidades de vida, por outro o ser humano pode sempre lançar mão ao sonho. Ele liberta-nos de realidade opressora e torna-nos igualitários, sem excepção. O sonho confere-nos a sensação de descanso de alma, de libertação das nossas limitações, tendo, por conseguinte, um efeito terapêutico. O sonho é intemporal e atemporal: uma viagem que nos pode transportar ao Amor, pela mão de um visionário. «Ao sonhar, qualquer um consegue estar na linha da justiça, da igualdade, da paz, do amor».



Terminados que estão as dissertações filosóficas sobre o conceito Amor, parece que o autor perde a (e se perde na) estrutura narrativa. De repente, encontramo-nos perante um conto literário, algo ingénuo e idílico, de um amor a dois que não parece talhado para este mundo.

No entanto, por detrás desta aparente falta de unidade, no que respeita à estrutura narrativa, subjaz um tema unificador – o Amor. E não é apenas o conceito temático, mas também a concretização das ideias explanadas no último tópico: o narrador encarna o papel do visionário que, ao sonhar no papel uma história de amor, se liberta e dá asas à vontade de concretizar as suas teorias. É o efeito terapêutico do sonho em todo o seu esplendor.

No conto – Uma história num sonho – o narrador situa a diegese num local geográfico que conhece bem – os Pousos. Cumpre assim uma das regras advogadas por Rilke: começar por escrever pelo que está próximo. Deste modo, a escrita soa a verdade e não a esforço puramente académico.

Como personagem principal temos Mateus – jovem órfão e cujo crescimento e maturidade foram acelerados pela necessidade de cuidar de duas irmãs mais novas. Ao tentar, exemplarmente, cumprir os sonhos que os seus pais haviam sonhado para os filhos, esquecera-se de sonhar e de amar, para além do seu papel de prestador de cuidados e de sustento familiar. A sua demanda interior era a do encontro de um grande Amor, pois segundo ele «Um homem é incompleto sem uma mulher, sem um amor na sua vida».

É numa festa popular que encontra Laura, rapariga de poucas falas, discreta e diferente das outras. Ele sente desde logo uma empatia com ela e acredita que por detrás deste encontro reside uma intervenção divina. Acredita também que nada acontece por acaso.

No terminus da história encontramos um fim redondo, num duplo sentido: redondo porque completo e redondo porque retoma a ideia inicial de que o amor é de facto uma ilha que poucos conseguem alcançar. Autor e narrador convergem na noção de que o Amor a dois quase parece uma miragem. No entanto, existem sempre alguns náufragos, seres afortunados, que conseguem atingir a costa e iniciar uma nova vida numa ilha de difícil localização.



Este livro termina com uma espécie de epílogo chamado «Inspiração Sagrada». A frase «Nós somos o resultado do amor de Deus, o criador profundo e perfeito de todas as coisas na Terra» impõe sobre todos os seres humanos a obrigação de retribuir esse Amor Divino, disseminando-o em todas as acções da nossa vida. Deus conferiu-nos a capacidade de amar, seja o outro, o chão que pisamos ou um sonho de criação artística. Quem não ama, não é um ser completo de verdade.

Joaquim Santos cumpriu nesta obra uma das vertentes desse amor. Cabe-nos a nós, como leitores atentos, corresponder também à dádiva de Deus: abrir o coração para entendermos esta lição de amor.

Coimbra, 7 de Janeiro de 2010

Ana Paula Mabrouk

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A língua é um elo de união

Soneto
Tema - Um dos versos do poema Língua Maternal



A língua é um elo de união

Nos quatros continentes espraiada

Nos versos do poeta-mor cantada

História viva de uma nação.



Leva saudade de pai para irmão

Da família, amigos contada

Choro ou alegria desfiada

Parte ou sara logo um coração.



Instrumento, partilha fraternal

Cidadã do mundo, sem passaporte

Derruba barreiras, sem ter igual.



Falo português e tenho mui sorte

Língua-mundi, num mapa global

A bússola que nunca perde o norte.


Ana Paula Mabrouk
10 de Agosto 2010

Poema concorrente ao

XIII Concurso Literário Algarve/Brasil 2010

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Apresentação do Livro "Ancorar o Amor" de Joaquim Santos

Ancorar o Amor



Joaquim Santos



Apresentação - Instituto Politécnico de Leiria


29 de Outubro 2010


Este livro de Joaquim Santos é como uma viagem, quase uma demanda, num mundo cada vez mais materialista e individualista.

Quando penso neste livro em termos alegóricos, vejo um navio sulcando mares conturbados em busca de uma ilha paradisíaca, difícil de alcançar, mas que todos sabem estar situada no centro do universo. Nessa ilha habita um sentimento paradoxal e quase indefinível – o Amor.

O conceito gera, normalmente, debates conflituosos, posições antagónicas e, quiçá, sorrisos trocistas. É a razão dos séculos pós-iluministas sobre o romantismo das aventuras medievais. O racionalismo encarniçado contra o sentimento quase envergonhado.

No entanto, não estamos perante o conceito romanesco do termo, nem o autor se revê num cavaleiro andante, de armadura luzidia e espada em riste. Quando muito, vislumbro no papel de timoneiro um capitão de pele curtida e olhar perscrutante.

A ilha que procura é revestida de vegetação abrangente, rodeada de muitas baías e ancoradouros nos quais se recolhem, das tempestades exteriores, a Amizade, a Paz, a Autenticidade, a Verdade e o Sonho. Nem a Morte que atira para as areias, constantemente batidas pelas vagas alterosas, os despojos do mar – leia-se Vida – consegue impedir a continuidade do Amor, pois é ela que tudo coloca em perspectiva. É a escolha que cada naufrago faz dos escolhos trazidos pela maré baixa que irá condicionar toda a sua (sobre)vivência.

A viagem inicia-se por entre a bruma que envolve toda a qualquer demanda espiritual. Os contornos da ilha são obscuros e os picos das suas montanhas pouco perceptíveis à distância. O navio avança lentamente e ao leme o capitão firma as mãos.

O primeiro pico a ser avistado é o da montanha do Amor através dos tempos – um misto de paixão carnal e razões do espírito. É uma montanha envolta em lianas de sentidos e clareiras azuis de esperança.

No outro extremo da ilha, descobrimos um ancoradouro de uma praia de areia e pedra. Nas suas margens, ruínas de pedra de abrigos inacabados com tectos de relento e janelas abertas ao mundo.

Passado o recorte de um promontório, avistamos o pico da montanha do Amor à terra, na qual se ouvem os sussurros dos indígenas na brisa que sopra por entre as copas das árvores ancestrais. Nas conchas do mar, podem-se escutar lendas de tragédias e de naufrágios que despovoaram terras e mares e deixaram um povo à deriva.

O navio evita cuidadosamente os recifes de corais aguçados e prossegue viagem.

Em breve, se avista o pico mais alto: o da montanha do Amor a um Deus invisível mas benigno e misericordioso. É um pico grandioso feito para ser avistado bem ao longe, no coração de cada navegante. É uma “bússola do bem comum” que nos orienta nas tormentas.

Mesmo ao lado, temos o pico da montanha do Sonho, envolto em mistério e neblina. As suas baías são balsâmicas, providenciando descanso para as agruras da viagem e para as mãos calejadas do capitão do navio.

Eis que aqui chegado, o capitão-visionário lança âncora ao mar e prepara-se para explorar o interior da ilha.

Após o retempero do corpo, segue-se a (a)ventura de se entranhar na densa floresta em busca do seu cerne, da sua clareira centralizadora.

O comandante contista narra, em diário de bordo, as aventuras e desventuras inerentes ao desbravar selvas de palavras e encontrar um amor de carne e osso, com o qual compartilhar o resto dos seus dias. Após uma vida de naufrágios, dois seres afortunados, conseguem finalmente iniciar uma vida numa ilha paradisíaca, difícil de alcançar, mas que todos sabem estar situada no centro do universo.

A viagem, o navio e a ilha só valem a pena se o capitão souber retribuir, na medida certa, toda a aprendizagem na sua circum-navegação, desde o nascer até ao pôr-do-sol.



Gostaria determinar com a frase que considero a mais bela metáfora desta obra:

“Ele [o Amor] reside na madrugada dos dias, percorrendo todo o tempo até ao anoitecer.”


Ana Paula Mabrouk


27 de Outubro 2010

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Ancorar o Amor de Joaquim Santos

CONVITE




O Presidente do Instituto Politécnico de Leiria (IPL) e a Folheto Edições têm a honra de convidar V. Ex.ª e família para a apresentação do livro "Ancorar o Amor" de Joaquim Santos, que terá lugar no dia 29 de Outubro de 2010, pelas 21:30 horas, na Biblioteca José Saramago, dos Serviços de Documentação (Campus 2) do IPL, em Leiria.

Nota: vou ser eu a apresentar o livro. Apareçam!


domingo, 10 de outubro de 2010

2ª Edição "Escritos e Escritores", em Avis

De 15 a 17 de Setembro irá ter lugar em Avis a 2ª edição de Escritos e Escritores, na qual terei uma participação modesta como apresentadora e moderadora da mesa 2, relativa ao lançamento do livro O Alfabeto Trapalhão de Lurdes Breda e Rute Reimão. É com muito gosto que acedi a este convite e que irei estar presente pelo segundo ano consecutivo. Deixo aqui o Cartaz do encontro, assim como o respectivo programa. Se estiverem por perto não deixem de assistir a este encontro.


PROGRAMA DA 2ª EDIÇÃO “ESCRITOS & ESCRITORES” 2010, EM AVIS




15 de Outubro (Sexta-Feira)



ESCRITOS E ESCRITORES NA ESCOLA

Agrupamento de Escolas de Avis

14:00 - Bruno Matos – Literatura Fantástica (alunos 7º, 8º e 9º anos)

Escola Profissional Abreu Callado

14:00 – Bruno Martins Soares – Literatura Fantástica (10º, 11º e 12º anos)

Auditório Municipal Ary dos Santos

21:00 – Espectáculo de Música Popular – Grupo de Cantares de Évora



16 de Outubro (Sábado)



10:00 – Sessão de Abertura – Sede da Amigos do Concelho de Aviz

Representantes dos Órgãos Sociais da ACA-AC

Convidados

Patrocinadores



10:30 – Mesa 1

Bruno Matos e Bruno Martins Soares

Apresentação/Moderação – Anabela Canela

Presenças de Professora Águeda Agudo e Professor António Sebastião



12: 00 – Inauguração da Exposição de Fotografia



15:00 – Mesa 2

Lurdes Breda e Rute Reimão

Apresentação/Moderação – Ana Paula Amaro

Lançamento do livro “O ALFABETO TRAPALHÃO”


16:00 – Mesa 3

Maria Antónia Pires Almeida e António Carrapato

Apresentação/Moderação – José Ramiro Caldeira

Lançamento do livro “MEMÓRIAS ALENTEJANAS DO SÉCULO XX”

Apresentação do livro “LUGARES ALENTEJANOS NA LITERATURA PORTUGUESA”



17:00 – Mesa 4

Ana Vidal e António Manuel Venda

Apresentação/Moderação – Fernandino Lopes



18:00 – Mesa 5

Jacinto Lucas Pires e Asun Estévez

Apresentação/Moderação – Fernandino Lopes e Lurdes Breda



21:00 – Mesa 6

Lançamento do livro “VERSEJANDO” – Antologia de Poesia Popular do Concelho de Avis – Prefácio de Rui Cardoso Martins,

Comemorativo do 10º Aniversário da Águia

Auditório Municipal Ary dos Santos

Apresentação/Moderação – Fernando Máximo, Fernandino Lopes, Anabela Canela.



DECLAMAÇÃO DE POESIA

Grupo de Teatro FAZIGUAL

Asun Estévez



17de Outubro (Domingo)
10:30 – Avis Inspira

Visita guiada ao Centro Histórico de Avis

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Poema 20 de Pablo Neruda

Enviado por um amigo, é um de muitos que podemos ouvir no Youtube: as novas tecnologias ao serviço da poesia.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

No vento

Ultimamente tenho tido pouco tempo para escrever mas em Agosto alternei entre a poesia e a crónica, numa dança de equilíbrios fugazes, entre o arrebatamento e a lucidez. Deixo-vos hoje um momento de arrebatamento. Espero que gostem. Fui muito feliz neste poema.



Voa, veloz no vento

Solta, singular e singela

Minh’alma de andorinha

Quase paira, quase pousa

No beiral do teu telhado

No ninho da tua vida.



21/06/2010
Ana Paula Mabrouk



sábado, 11 de setembro de 2010

Crónica IV - Ser artista (futuro livro)

Ser artista
“ Ser artista é não contar, é crescer como a árvore que não apressa a sua seiva, que resiste, confiante, aos grandes ventos da Primavera, sem temer que o Verão possa não vir. O Verão vem.”
Rainer Maria Rilke

Por vezes conto os anos – os meus anos – e penso que já vai sendo tarde para singrar neste mundo das letras. Há tanta gente mais nova do que eu com nome na praça e um palmarés invejável de publicações. Há tanta gente que alcançou a fama e é reconhecida e admirada e cuja carreira literária parece correr de vento em popa. Há tanta gente…

Invejo-os, é verdade. Não cobiço a sua fama, a sua projecção mediática, a sua riqueza monetária. Invejo as páginas que chegam a milhares de leitores, as ideias que se gravam na memória de quem as lê, os pensamentos que encontram eco em mentes similares, os acordes quase perfeitos da sinfonia das almas. Invejo a harmonia dos desconcertos e os encontros de ocasião que fazem todo o sentido. Gostaria de ultrapassar as barreiras do tempo e da frigidez da rotina que faz vénia ao bom senso. Odeio o bem comum, o politicamente correcto e o bom-tom dos que não escrevem literatura. Tenho pena de quem vive acomodado e nunca soube o quanto dói um grande amor. Nem viveu em êxtase ao menos um só dia!

Ser artista não é ser ditado pelos outros: nem sequer é uma escolha. Há trepadeiras de palavras e cascatas de conotações, que ora se enrolam em espiral nos nervos do ser, ora se despenham em lagos profundos de pensamentos azuis. Enraizados e inafundáveis.

Escrevo porque não sei viver sem os meus gatafunhos em desalinho a dar sentido às horas da vida, ao relógio da mortalidade. São os ponteiros as palavras; o mostrador a alvura manchada do papel. Papel cuja origem provém de alguma árvore centenária: anéis do tempo, seiva espumando vitalidade. Seiva que brota da árvore que sou e que resiste, dia após dia, aos grandes ventos da Primavera. Resiste às promessas em flor, enlameadas, muitas vezes, pelos aguaceiros de Abril. Resiste na estação dos sonhos concretizados dos outros. Resiste no anonimato de quem escreve e há muito deixou de se interrogar porquê e para quê. Resiste porque a seiva é sadia e forte e brota do fundo da árvore, sempre verde da esperança. Mesmo quando desespera e desanima.

Seiva verde de pensamentos azuis. No branco de todas as possibilidades. Sinestesias de olhos e mãos abertos ao mundo. Vejo e sinto com a pele dos meus dedos em movimentos. Frenéticos, felinos e fantásticos. Deixo fluir o Verão que me espera e que antecipo no prazer da certeza, de que um dia outros virão folhear as páginas da árvore da minha teimosia. Frondosa, nos ramos dispersos com os quais cobrirei de frescura os dias tumultuosos. O Verão virá. O Verão não deixará de vir. O Verão sempre vem.

E eu o esperarei sem contar os dias, os anos, as vidas passadas. Meus olhos serão raios de sol e meu rosto tisnado a certeza de que o artista permanece. O artista foi é e será. Aqui; no céu estrelado; em todo o lado.


Casais do Campo

6 de Agosto de 2010

23h 21m

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Croácia

Maria Bethânia outra vez.... e sempre

Esta é a canção que serviu de base ao título do meu último livro - Em carne viva (http://www.bubok.pt/), de Chico Buarque mas cuja melhor versão, para mim, pertence a Maria Bethânia.

 Tatuagem


Maria Bethânia

Composição: Chico Buarque/Ruy Guerra

Quero ficar no teu corpo feito tatuagem

Que é pra te dar coragem

Pra seguir viagem

Quando a noite vem

E também pra me perpetuar em tua escrava

Que você pega, esfrega, nega

Mas não lava



Quero dançar no teu corpo feito bailarina

Que logo te alucina

Salta e te ilumina

Quando a noite vem

E nos músculos exaustos do teu braço

Repousar frouxa, murcha, farta

Morta de cansaço



Quero pesar feito cruz nas tuas coisas

Que te retalhar em postas

Mas no fundo gostas

Quando a noite vem

Quer ser a cicatriz risonha e corrosiva

Marcada a frio, a ferro e fogo

Em carne viva



Corações de mãe

Arpões, sereias e serpentes

Que te rabiscam o corpo todo

Mas não sentes




Tatuagem


Maria Bethânia

Composição: Chico Buarque/Ruy Guerra

Quero ficar no teu corpo feito tatuagem

Que é pra te dar coragem

Pra seguir viagem

Quando a noite vem

E também pra me perpetuar em tua escrava

Que você pega, esfrega, nega

Mas não lava



Quero dançar no teu corpo feito bailarina

Que logo te alucina

Salta e te ilumina

Quando a noite vem

E nos músculos exaustos do teu braço

Repousar frouxa, murcha, farta

Morta de cansaço



Quero pesar feito cruz nas tuas coisas

Que te retalhar em postas

Mas no fundo gostas

Quando a noite vem

Quer ser a cicatriz risonha e corrosiva

Marcada a frio, a ferro e fogo

Em carne viva



Corações de mãe

Arpões, sereias e serpentes

Que te rabiscam o corpo todo

Mas não sentes


sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Encantalento

Encantalento




No princípio um largo sorriso

Uma alva porta entreaberta

Convite para mil devaneios

Malícia na língua rosada

Lábios sibilinos de desejo

E um hálito a maresia.



Depois o riso aberto

Rua do sul escancarada

Sopro ardente do deserto

A queimar o oásis da pele

Promessa agora cumprida

No pôr-do-sol, lago de sal.



No final a gargalhada

Impulso da alma sarada

Templo sagrado d’alegria

Oração da madrugada

No eco azul de uma janela

Na nora saciante da tua boca.



31 de Maio 2010
Ana Paula Mabrouk

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Tristezas - crónica do futuro livro "Crónicas da arte e da vida"

Estou a escrever um conjunto de 10 crónicas com base em máximas de Rainer Maria Rilke, retiradas do livro Cartas a um poeta. Algumas já foram escitas o ano passado e publicadas neste blogue; outras estão a ser escritas este ano e são ainda virgens em termos de publicação online. Falta-me apenas escrever a última; o que conto fazer até ao final do mês.
Publico hoje uma das ´mais recentes que escrevi. Espero que gostem.

Crónica IX

Tristezas

“As tristezas são alvoradas novas em que o desconhecido nos visita.”

Já fui feliz um dia. Tão feliz que agradeci a Deus e prontifiquei-me para morrer. Vaidade pueril: como se nós tivéssemos o direito de decidir o que quer que fosse… Encaro esses momentos de felicidade como uma partilha suprema e um dever posterior para com os outros e sobretudo comigo própria.

Há pessoas que são seres abençoados. Seres raros a quem o conhecimento supremo foi oferecido para lá do óbvio. Não sei porquê. Nem sequer sei se são merecedores de tal distinção. Mencionaria o acaso mas não acredito na futilidade dos acasos ou das coincidências. Sei apenas que alcançam muito além do visível e sentem multiplicados por muitos. Lembram tudo e perdoam quase todos. Um dia, quem sabe, atingirão o nirvana.

Nos momentos de dor nunca rezei a sério; nos momentos de felicidade sempre orei ao Altíssimo. Serei ingrata, para muitos que acreditam que é nos momentos de tristeza que se deve pedir ajuda e aconselhamento. Talvez seja demasiado orgulhosa para o fazer. Ou talvez fosse a dor imensa que me esmagava a garganta e sufocava as palavras, até as mentais. Até as que se dizem com a alma. Cheguei a pensar que era a descrença num Deus que velava por mim que me emudecia. Sei agora que estava errada.

Nas minhas horas de tristezas – e meu Deus foram tantas! – o desconhecido visitou-me. E como tudo o que é desconhecido gera temor e incompreensão, fechei-me num casulo. Coloquei as mãos sobre os ouvidos, as pernas em posição fetal de defesa e selei o coração à bondade dos demais. Tememos continuamente tudo o que não entendemos. É uma atitude primitiva de seres monoplanetários. Abrimos os olhos de espanto enquanto o ânimo bate descompassado no peito. Abandonamos o real e diante da nossa ínfima pequenez. Somos seres tão minúsculos que não abarcamos as forças cósmicas que nos envolvem. Não alcançamos os labirintos da vida nem os seus patamares de sabedoria. Temos medo do escuro, das portas fechadas, do rangido dos degraus do tempo. Receamos os túneis alongados e a luz no seu fundo. Preferimos os salões iluminados e os móveis que conhecemos de cor. Receamos tudo o que se encontra fora da nossa zona de conforto: temos medo do medo.

Conheço muita gente que viveu sempre do lado solar. Levou uma existência tranquila, sem sobressaltos. Nunca tiveram tristezas conhecidas nem sobressaltos imprevistos. Toda a sua vida foi planeada e executada se um único desvio. São invejados, cobiçados e alvos da admiração. E contudo nunca foram felizes a ponto de poder morrer…

Aprendi pela vida fora, e com ela, que as tristezas antecedem os e procedem dos momentos de felicidade. É nesses momentos que uma força inexplicável nos invade e nos testa. Trabalhos de Hércules; montanhas de Atlas; Sísifo e Dédalo. Trabalhos árduos em montanhas áridas, onde sopram tempestades de areia. E nós, grãos de areia, ou somos esmagados pelas duras pedras que rolam encosta abaixo, ou deixamo-nos guiar pelo vento até lugares longínquos. Até oásis nos quais mergulhamos a boca sequiosa nas águas frescas da sabedoria. De joelhos no solo gretado, sorvemos, com as mãos em forma de concha mundana, o bálsamo para as dores do corpo e da alma. Esse lago medicinal mais não é do que o repositório das lágrimas salgadas que chorámos um dia. Todas elas sábias guardiãs do devir.

Descobrimos então que o tempo, esse ladrão dos segredos, roubou toda a salinidade e deixou as águas límpidas de algas e depuradas de rancor. Miramo-nos nelas e como num espelho mágico, vemos o nosso ser, sem artefactos, ali no espelho de água. E nesse momento, em que um outro Eu nos fixa do fundo de nós, podemos saber se passámos o teste ou se sobroçámos noutro lago salgado, a quilómetros de nós.

O desconhecido traz-nos a escolha: morrer de tristeza ou preparar o nosso coração para um dia, outro dia, poder vir a morrer de felicidade. Pode-se nascer muitas vezes numa só vida e morrer outras tantas de felicidade plena. Só precisamos de deixar a porta aberta a novas alvoradas. Sem ter medo do medo.


Casais do Campo
5 de Junho 2010
1h 20 a.m.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Quando chegas

Quando chegas




Abro a saudade

Entrando teu abraço

Pousas o teu cansaço

Do lado de cá da vida

Eu, enleio o pescoço

Com mãos que cuidam

Das sofridas ausências

Como se de amor se tratasse

Estaco de alegria

Instantâneo de emoção

E fecho o mundo lá fora

Levo-te pela minha mão



Chegaste.

De repente

Tudo faz sentido.



21/06/2010

Condeixa-a-Nova

15h 50m

domingo, 8 de agosto de 2010

If today was your last day

A música também é literatura com a vantagem de ter suporte sonoro. ADORO esta canção, por isso gostaria de a partilhar com todos.


sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Em homenagem a António Feio

Caros leitores e amigos,
estive de férias bem merecidas e, apesar de longe de Portugal, tive conhecimento da morte de António Feio. Embora esperada, é sempre uma notícia triste, especialmente quando se segue a carreira deste actor/escritor/encenador e muito mais... Ainda há pouco tempo atrás fui assisitir ao espectáculo Vai-se Andando, com José Pedro Gomes. Humor inteligente e uma sarcástica e cáustica análise do Portugal Contemporâneo. Para rir por fora e pensar por dentro...
Uma amiga enviou-me este poema a propósito desta morte. Aplica-se na perfeição.

Exausto




Eu quero uma licença de dormir,

perdão pra descansar horas a fio,

sem ao menos sonhar

a leve palha de um pequeno sonho.

Quero o que antes da vida

foi o sono profundo das espécies,

a graça de um estado.

Semente.

Muito mais que raízes.

Adélia Prado, in "Bagagem" São Paulo: Ed.Siciliano, 1993

Para além do poema, gostaria de partilhar convosco as palavras de António Feio sobre o filme Contraluz. vcale a pena ir ver o filme e meditar nele.
 

 
"Seize the day!" -aproveitem a vida.
Ana Paula Mabrouk

sábado, 24 de julho de 2010

Meus livros e participações literárias

Súplica


Súplica




Volta no Verão

Quando colho

Cerejas encarnadas

Na concha da mão



Volta no Verão

Quando arejo

Minha casa velha

E entra o vento suão



Volta no Verão

Quando moreno

Minha pele sadia

No mar da emoção



Volta no Verão

Quando miro estrelas

E suplico ao luar

Ser constelação



Volta no Verão

Quando gaivoto

No céu celeste

E procuro meu chão.



21/06/2010
Condeixa-a-Nova
16h 15m


Ana Paula Mabrouk