quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Prefácio do Livro Ancorar o Amor

Caros amigos,
deixo-vos aqui o prefácio do livro "Ancorar o Amor" de Joaquim Santos, escrito em Janeiro deste ano. Para ele que foi pai no último fim-de-semana, votos de feliciades para toda a família.

Ancorar o Amor


Prefácio



Ancorar o amor é um livro que, acima de tudo, nos transmite uma mundivisão na qual o amor é o centro do universo, que tudo move e tudo comanda. É este sentimento invisível, impalpável e quase indefiníve o leit motiv deste livro. Digo quase indefinível, pois o autor inicia a sua demanda, precisamente, com a tentativa de definição do conceito Amor. Parte de uma personificação – ilha paradisíaca –, caracterizando o amor como difícil de alcançar, valioso mas pouco valorizado, sentido último de vida a dois.

A proposição, no sentido filosófico do termo, «Nascemos para amar e sermos amados», subjaz às três partes constituintes deste texto literário.

Podemos considerar a primeira parte como uma reflexão sobre o conceito Amor. De acordo com o autor, é este sentimento que completa o ser humano, o faz feliz, dá sentido a tudo o que somos e fazemos. O seu carácter abrangente e unificador é-nos transmitido através de uma belíssima imagem: «Ele reside na madrugada dos dias, percorrendo todo o tempo até ao anoitecer».

O fio condutor desta reflexão centra-se, em seguida, nas diferentes formas, intensidades, causas e objectos do amor, com as quais se estabelecem vínculos, encontros e laços essenciais. Exemplifica-se o exposto com o caso histórico do amor de Pedro e Inês, amor que sobreviveu, inclusive, à própria morte. O amor não é entendido como um sentimento isolado, de per si, mas como um ingrediente essencial a outros sentimentos e conceitos, nos quais se incluem a amizade, a paz, a autenticidade, a verdade e o sonho. A morte não é impeditiva da continuidade do amor, pois este estado, aparentemente condicionante, coloca o ser humano perante a razão da existência de cada um. É a morte que tudo coloca em perspectiva. Deus é a Entidade Criadora e os seres humanos são seres limitados no tempo mas não na dádiva incomensurável que consubstancia o sentimento do amor.

Numa segunda sequência deste texto narrativo, o autor envereda pela exploração temática de alguns tópicos que lhe permitem reforçar a convicção de que o amor não é apenas uma teoria «mas antes uma experiência maravilhosa que vivemos». Podemos identificar cinco tópicos de dissertação: Verbo amar desde os primeiros tempos, Amor de areia ou de pedra, Amor à terra, Amor invisível e Sonhar não traz limites ao amor.

No primeiro tópico, o autor elabora uma breve resenha histórica sobre o uso da palavra Amor através dos tempos. Identifica-o como sendo o verbo mais usado gramaticalmente nos textos dos apaixonados, em todos os tempos, conjugações e formas. A noção de Amor é extensível a todas as espécies e contem em si mesmo um leque tão variado de sinergias, que vai desde a atracção primitiva da paixão, em estado animal, até «ao pregão aos bons momentos» e à «esperança da humanidade».

No segundo tópico, encontramo-nos perante um autor menos cerebral e mais arrebatado, escrevendo pela madrugada fora, longe das exigências práticas da labuta diária e diurna. É a coberto da noite que a criação artística irrompe e se comparam castelos de amor de areia ou de pedra. A pedra, dura mater, personifica o processo de construção que abriga, protege e proporciona espaço ao sentimento do amor. É um sentimento em constante progresso que necessita de bases firmes mas também de janelas abertas ao mundo, através das quais possa irromper a luz. Quase podemos adivinhar o eco bíblico.

No terceiro tópico, o autor reflecte sobre o caso dos Índios da Amazónia, aos quais não só roubaram as terras, mas impedem a sua ligação à terra-chão, raiz de todos os seus valores mais preciosos. Ao perder a sua referência de base, estas tribos morrem por dentro, condenadas a sobreviver sem identidade, sem verdade, sem autenticidade. São mortos-vivos, aos quais foi arrancado o seu amor mais precioso: aquele que lhes confere a essência de quem verdadeiramente são.

No quarto tópico, o autor disserta sobre o Amor a um Deus invisível, exercício do espírito e pedra angular de uma vida construída sobre valores sólidos como a ética, a educação e o convívio. Repudia-se os extremismos religiosos e fanáticos e alerta-se para a necessidade de formar e informar os praticantes. A religião, qualquer que seja, deve tornar cada fiel uma «bússola do bem comum». Só tendo por base e, acima de tudo, bem alojado no coração, o Amor a um Deus benigno e misericordioso se pode contribuir para a «construção directa de um mundo para todos, sem excepção».

No quinto tópico, parte-se de uma máxima comummente aceite: «A vida real traz-nos limitações, dissabores e injustiças». Se por um lado é verdade que não se nasce com idênticas condições ou oportunidades de vida, por outro o ser humano pode sempre lançar mão ao sonho. Ele liberta-nos de realidade opressora e torna-nos igualitários, sem excepção. O sonho confere-nos a sensação de descanso de alma, de libertação das nossas limitações, tendo, por conseguinte, um efeito terapêutico. O sonho é intemporal e atemporal: uma viagem que nos pode transportar ao Amor, pela mão de um visionário. «Ao sonhar, qualquer um consegue estar na linha da justiça, da igualdade, da paz, do amor».



Terminados que estão as dissertações filosóficas sobre o conceito Amor, parece que o autor perde a (e se perde na) estrutura narrativa. De repente, encontramo-nos perante um conto literário, algo ingénuo e idílico, de um amor a dois que não parece talhado para este mundo.

No entanto, por detrás desta aparente falta de unidade, no que respeita à estrutura narrativa, subjaz um tema unificador – o Amor. E não é apenas o conceito temático, mas também a concretização das ideias explanadas no último tópico: o narrador encarna o papel do visionário que, ao sonhar no papel uma história de amor, se liberta e dá asas à vontade de concretizar as suas teorias. É o efeito terapêutico do sonho em todo o seu esplendor.

No conto – Uma história num sonho – o narrador situa a diegese num local geográfico que conhece bem – os Pousos. Cumpre assim uma das regras advogadas por Rilke: começar por escrever pelo que está próximo. Deste modo, a escrita soa a verdade e não a esforço puramente académico.

Como personagem principal temos Mateus – jovem órfão e cujo crescimento e maturidade foram acelerados pela necessidade de cuidar de duas irmãs mais novas. Ao tentar, exemplarmente, cumprir os sonhos que os seus pais haviam sonhado para os filhos, esquecera-se de sonhar e de amar, para além do seu papel de prestador de cuidados e de sustento familiar. A sua demanda interior era a do encontro de um grande Amor, pois segundo ele «Um homem é incompleto sem uma mulher, sem um amor na sua vida».

É numa festa popular que encontra Laura, rapariga de poucas falas, discreta e diferente das outras. Ele sente desde logo uma empatia com ela e acredita que por detrás deste encontro reside uma intervenção divina. Acredita também que nada acontece por acaso.

No terminus da história encontramos um fim redondo, num duplo sentido: redondo porque completo e redondo porque retoma a ideia inicial de que o amor é de facto uma ilha que poucos conseguem alcançar. Autor e narrador convergem na noção de que o Amor a dois quase parece uma miragem. No entanto, existem sempre alguns náufragos, seres afortunados, que conseguem atingir a costa e iniciar uma nova vida numa ilha de difícil localização.



Este livro termina com uma espécie de epílogo chamado «Inspiração Sagrada». A frase «Nós somos o resultado do amor de Deus, o criador profundo e perfeito de todas as coisas na Terra» impõe sobre todos os seres humanos a obrigação de retribuir esse Amor Divino, disseminando-o em todas as acções da nossa vida. Deus conferiu-nos a capacidade de amar, seja o outro, o chão que pisamos ou um sonho de criação artística. Quem não ama, não é um ser completo de verdade.

Joaquim Santos cumpriu nesta obra uma das vertentes desse amor. Cabe-nos a nós, como leitores atentos, corresponder também à dádiva de Deus: abrir o coração para entendermos esta lição de amor.

Coimbra, 7 de Janeiro de 2010

Ana Paula Mabrouk

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