domingo, 5 de dezembro de 2010

Lembrança

Foi naquele quarto velho –

Velho, não! – decadente

Que nos amámos muitas vezes.



Entrávamos em silêncio.

Tu desabotoavas-me a timidez

Eu desapertava-te a solidão.



Nas paredes bolorentas

Pendurávamos a tristeza

E na cama estreita deitávamos

Os corpos famintos.



Eu acolhia-te no meu abraço

Tu aconchegavas-me no teu peito

E ambos embalávamos vidas vazias.



Foi naquele quarto velho –

Velho, não! – miserável

Que vivemos nossas loucuras.



As palavras ficavam mudas

Perante a sofreguidão de uma fome

De muito tempo de ausências.



Minha mão na tua nuca alta

Tua mão no meu ventre desnudo

E no ar o cheiro a sexo premente.



Deixava no teu pescoço

Meus dentes marcados

Deixavas nos meios seios

Tua saliva máscula

E nossos corpos exibiam

Sinais de festim.



Como amava aquelas tardes ilegais

Escondidos do mundo

A descoberto de nós

Sem falsos pretextos

Nem moralismos vãos.



O meu corpo rejubilava de gozo

A magreza do teu transfigurava-se altiva

E o quarto agigantava-se.



Relembro odores, gritos, gemidos

Suspiros, rasgos de pele, vagidos

E a felicidade de um raio de sol

A pintar sorrisos nos sorrisos cansados.



Lembras-te daquela paixão muda?

Em que tudo calávamos

E tudo era dito em silêncio?

Gritado dentro de nós

E entendido sem sons?



Falamos tanto agora

E nada dizemos

Murchos vão os corpos

As almas secas

O quarto moderno clareou

O bolor habita agora os nossos corações.



20-11-2010
Ana Paula Mabrouk

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