quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Última mensagem do mês

Neste primeiro mês do blogue, tentei publicar tantas mensagens quantos dias do mês. Sei que no futuro tal não me será possível, quer por falta de tempo, quer, quiçá, por falta de inspiração. Espero ter estado à altura do desafio que me foi lançado.
Gostaria de terminar o mês, fazendo uma homenagem a uma amiga escritora, Regina . Trata-se de um poema que ela fez em homenagem à cidade de Aveiro e à sua Padroeira, Santa Joana.

E Santa serás Joana

Morreu com a idade intacta
tanto pela virulenta peste
como por soberana ordem nefasta

Agrilhoada foi sua alma e vocação

noiva do céu
Noviça do sonho e do mar
Tantas histórias por aí perdidas
Tantas lágrimas ainda por rezar

Do trono desceu Princesa
para abrir suas mãos a toda a fome
Mil flores cobriram o seu nome

Regina

Uma das minhas fotos preferidas

E ao ver, também me revejo.

Poemas premiados no Brasil

Prosa e poesia

A prosa é a esfera das coisas já ditas
Da política, das guerras, da TV dos jornais
A prosa é a esfera das coisas banais.
É dia de sol na estação que se adivinha
É porto seguro na maré da tardinha
É conta corrente, é moeda fluente
É lucro no riso das coisas desfeitas
A prosa é a esfera das coisas já feitas.
Sólida construção sem rasura nem história
B-á bá que o tempo aprisionou na memória.

A poesia é a esfera das coisas por dizer
Das que entrevêem e se entreleem
Que se sonham e mal se vêem.
Dos segredos aflorados,
Dos mistérios não desvendados
A poesia é a esfera das coisas dos magos
É sopro de vento, areia entre os dedos
Flauta d’Orfeu, serei encantada
Musa de Apolo, do mar os medos
Loucuras esquecidas, missa cantada.
A poesia é a esfera das coisas por inventar.
A brisa que sopra, as luas por achar.


Estes poemas foram premiados na antologia Rosa dos Ventos, das Edições AG e o livro chegará no próximo mês a Portugal


Rosa dos ventos


Tenho saudades
Do que nunca fui
Saudades do que jamais serei.
Tenho saudades simplesmente!
Ah, como tenho saudades…

Saudades da chuva prometida
Da terra de leite e mel.
Do Mar Vermelho da aventura
Das tábuas da lei eterna
Cordeiro pascal da vida.

Saudades do cheiro a canela
Das Índias distantes da conquista
Rotas da seda do Oriente
Das brumas da selva escondida
De Vieira, dos peixes amigo.

Saudades da locomotiva a vapor
Aquecendo longos dias de trabalho
Ideias brilhantes, sons por um fio
Mulheres ao volante buzinando
De Ford, Irmãos Wright ao vento.

Saudades de Casablanca
Sedutores de chapéu e de enigmas
Planos gorados, amores passados
Ecrãs a branco e negro
De divas de olhos d´água.

Saudades da chuva da infância
Que lavava as dores do corpo
E enxaguava as mágoas do sentir
Dos dias longos de Inverno
Da lareira na alma a crepitar.

Saudades das viagens espaciais
Do planeta azul ao longe
Das nuvens de algodão doce
Da velocidade da luz interestelar
E da miragem de novos mundos.

Saudades de ser Cleópatra e geisha
Curie cintilante, Hepburn hesitante
Saudades da criança esperançada
Que sonhava outras vidas
E viveu sempre acordada.

Poema do dia

Já não há poetas

Já não há poetas.
Já ninguém escreve poesia.
Ninguém mais diz
O que lhe vai na alma
Em versos doridos.
Ninguém verte uma lágrima
Ao escrevê-los.
Nem sequer rabiscos
Nos guardanapos do café
Ou nos papéis amarrotados.
Nem mesmo às escondidas
Nas contracapas dos livros escolares.
Ninguém mais sonha
Com tinta no branco das folhas,
Nas margens dos jornais.


Morreram os sonhadores.
No Outono do fim da vida
Já não se apanham folhas caídas:
São varridas para baixo da garagem real
Do quotidiano e esquecidas.
Folhas mortas da árvore da vida.

sábado, 26 de setembro de 2009

A fotografia é uma das minhas paixões



Baiona, Agosto 2009
Santiago de Compostela, Agosto de 2009


Mais um poema

Biógafa dos meus dias

Eu sou - e sempre serei -
A biógrafa dos meus dias.
Passei a vida a escrever retalhos
De uma vida que não vivi.
Assentei tudo até ao ínfimo pormenor
Do que o futuro tinha guardado para mim.
Anotei todas as aventuras
Que irei viver um dia.
Rascunhei os episódios alegres
Do devir, na ânsia de os viver.
Rasurei os momentos tristes,
Que sob minha pena,
Nunca hão-de existir.
Emendei a trajectória dos males vindouros.
Corrigi os erros dos amanhãs.
Risquei os agouros premonitórios
E as falhas previsíveis.
A minha vida será – e sempre será –
O que escrever agora.

Este poema faz parte de um livro de poesia que tenho escrito, intitulado Em Carne Viva, constituído por 33 poemas, à espera de um editor que o queira publicar.

Escritora galega Asun Estevez

Tive a honra e o prazer de me tornar amiga da escritora galega Asun Estevez. Publicou em galego, em 2008, o seu primeiro livro de poesia que esgotou em Espanha em três meses. Está a preparar 3 novos livros de diferentes tipos de literatura.Tem um programa de rádio e é a Presidente da ADICAM - Asociación de Diagnosticadas de Cranco da Mama.É membro do Grupo poético de Aveiro.

Vale a pena conhecer esta escritora, acreditem.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Vá lá

Conta-me coisas. Vá lá!
Era uma vez um rei. Sei lá…
Um reino distante bem lá
Longe. Uma flauta: mi, lá
Um sonho acordado. Uma lá
grima interrompida. Um la
ço no tempo ou um milá
gre. Um feitiço. Sei lá!
Um segredo só nosso. Vá lá.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Aos dias tranquilos



Estrada longa
Ventos nos cabelos
Liberdade

02-08-2009


terça-feira, 22 de setembro de 2009

Mais uma homenagem merecida

Convido todos a visitar o blogue de uma amiga e escritora de fibra, que só no último mês editou três livros. É obra!

http://lurdesbreda.wordpress.com

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

10 anos do jornal Notícias de Colmeias

Caros amigos,
estive ontem presente na comemoração dos 10 anos do jornal Notícias de Colmeias, que culminou com o lançamento de um belíssimo livro sobre o mesmo. Parabéns ao Joaquim Santos e a toda a sua equipa.



http://ncolmeias.blogspot.com/2009/08/noticias-de-colmeias-assinala-10-anos.html

sábado, 19 de setembro de 2009

A propósito de soberanos

No Reino de Portugal e dos Allgarves

Era uma vez um reino muito distante, em forma de pequeno rectângulo, engolido por todos os lados, menos por um, por outro rectângulo maior e bem mais vistoso. No final da geometria, era um rectângulo sem importância de monta.
Como rei todo-poderoso, era monarca deste reino Sua Majestade El-Rei Pinócrates I. Era um rei algo bizarro que havia conquistado o trono quando todos os seus súbditos se encontram distraídos num torneio medieval de Pé-na-bola. Forjou discretamente um édito real e, com artes de Circe, auto-elegeu-se soberano. Pasmem os céus e a Terra!
O rei tinha qualidades mil: desenhava palácios inusitados a até falava a língua de Shakespeare, na versão técnica, curso intensivo tirado num fim-de-semana, entre uma inspecção aos poços do reino e uma caçada aos gambozinos. Havia apenas um senão: ninguém no reino da rainha Nunca-mais-morres entendia um só vocábulo de tão original linguarejar… Ofendido com tamanha iliteracia da ralé, vociferava que se consultassem os doutos pergaminhos. E enquanto isso o seu nariz crescia.
O monarca travava guerras sangrentas com éditos mil contra a burocracia vigente e decretou, sem mais delongas, uma carta magna, pomposamente apelidada de Simplex. Havia apenas um problema: insignificante, é claro. Quem pretendia jogar por esta cartilha, deparava-se com manuscritos tais que todos decidiram mudar-lhe o nome para Complex. E o nariz ia crescendo.
Era um suzerano ambicioso que tinha em mente incentivar as artes e ofícios do seu território. Na Rua dos Onzeneiros, orgulhava-se de desfilar com o seu séquito real. As aias e as meretrizes bem diziam que o rei ia nu, mas os espelhos do reino haviam sido todos estilhaçados. Ordem de Sua Alteza Real, Pinócrates I. Lembrava-se bem da história da Branca de Neve e da sua tenebrosa madrasta. Não, nem pensar! Este rei não queria cá desses feitiços. Pozinhos mágicos, só os seus, que mandava ali era ele, pois então! A ralé bem mendigava uma esmolita, clamando, de quando em vez, numa voz ténue e medrosa, por justiça. Injuriavam os Mouros, os Castelhanos e os Ianques; culpavam o Tesoureriro-mor, mas lá continuavam, obedientemente a laborar nos terrenos do reino. O rei, do alto da sua tribuna, vociferava: era um incompreendido! Se gastava o erário régio a ajudar os pobres dos Onzeneiros, como poderia ele acudir aos necessitados? Ele tinha uma corte para sustentar. Uma «fora-de-praia» aqui, outra «fora-de-praia» acoli, numa ilha de qualquer rei sapiente, qualquer rei, que se preze, tem que ter! E lá ia mandando os escribas registar exactamente o contrário. E o nariz sempre a crescer.
Sua Alteza Real habitava num faustoso palácio, conquistado com ardis mercantices e sábio uso dos impostos do Terceiro Estado. Sonhava ser Robim dos Bosques e acabara sendo Xerife de Nottingham! Com os dobrões de ouro, sonegados a fio de espada, vivia rodeado de convivas do reino da Rainha Nunca-mais-morres. Eram Bretões expeditos, nobremente convidados para explorar os domínios dos outrora fielmente aliados. Havia portos livres de impostos e livre circulação de pessoas e carruagens. Os comparsas deste rei eram todos detentores de magníficos castelos, cheios de sacos azuis do vil metal. Escondiam-nos tão bem escondidos, que nem o Rei Pinócrates I sabia bem o quanto os cofres reais eram saqueados.
Mas sempre ia vociferando que era preciso apertar o cinto, e o Zé Povinho, que já nem cinto tinha, agarrava-se aos andrajos que trazia, rotos e puídos, não vislumbrava pão com que dar forma aos ossos proeminentes. E o nariz do rei continuava a crescer…
Do alto do seu palácio de Belém, qual redentor do mundo, mirava sobranceiro o seu reino, a perder de vista. O rei usava lupa de aumentar em segredo, mas isso ninguém sabia. Havia apenas um pequeno território insular que o preocupava pois constava que um súbdito seu se arrogava o título de Rei do Entrudo. Descaramento só punível com cem chicotadas. Castigo eternamente adiado, pois os algozes eram anões ao pé do gigante Adamastor, que vomitava fogo ao mínimo sinal de que o seu território estava ameaçado. E fazia sinais de fumo numa língua admirável e ainda mais incompreensível do que aquela que o rei falava.
O altivo monarca era fervoroso adepto dos reis de antigamente. Ai que saudades de uns bons açoites e de uma fogueira em praça pública! Mandaria todos os almocreves piolhosos e mal-dizentes ao castigo da carne. Mas os conselheiros do reino, sempre cautelosos e ciosos de não perder a cadeira, num reino no qual já houvera reis que dela caíram, com consequências nefastas, receitavam mezinhas para acalmar os ânimos.
Como ainda não tinha descoberto a fórmula certa para promulgar as leis que lhe permitissem assegurar um reinado eterno, contratava trovadores e bobos para entreterem a corte e as multidões amotinadas. Nos serões de cantigas de escárnio e maldizer, convidava reis absolutos e monarcas absolutistas para ter personalidades à altura dos seus ambiciosos projectos e personalidade irradiante. O seu mais fiel aliado, cavalgava amiúde por vales e montanhas, no seu alazão negro, de nome El Condor Pasa. Esse sim, era um rei como mandava a lei, a ordem e os bons costumes. Um reino com uma corte leal e submissa, agradecida ao grande monarca iluminado, que até cantava e dançava enquanto distribuía palhotas. Um dia, ai um dia, ainda havia de fazer o mesmo no reino da Pinocolândia! E enquanto matutava nesta estratégia, ia oferecendo ardósias com nome de um grande navegador, anunciando justiça e prosperidade para todos. Enquanto a arraia-miúda se distraía com as gravuras multicolores, o nariz do seu rei crescia e crescia.
Sua majestade não tolerava a contestação e tencionava mandar eternamente para as masmorras os inimigos do reino. Os maiores amotinados era um grupo de escribas desobedientes, que teimavam resistir, agora e sempre, ao inimigo. Era uma verdadeira praga aquele punhado de ratazanas que sabia ler e escrever. Difundiam campanhas negras e difamatórias de um rei que apenas tinha por missão servir! Ao exílio! Para a selva do rei aliado! Lá nunca mais abririam a boca nem pegavam na pena. Só se fosse na pena de morte. E parlamentava com os escribas, tentando convencê-los a assinar éditos reais que os condenassem ad eterno. Mas o problema era que os escribas sabiam mesmo ler e não caíam, facilmente, nos ardis de tal Pinóquio. E o seu nariz não parava de crescer!
Eis então que um dia, na província dos Allgarves, território de grandes riquezas, o maior grupo de estrangeirados, se rebelou de repente. Eram saxões fortes, arrogantes e de barba rija. Já estavam fartos que um rei desnudo ousasse comandar os seus destinos e julgar as suas acções. Mandaram chamar um enviado secreto da rainha Nunca-mais-morres que, em menos de nada, organizou uma revolução elitista que derrubou o Rei Pinócrates, que nem teve tempo de abrir a boca. Foi uma revolução pacífica, pois neste reino de povo que ladra mas nunca morde, o único obstáculo era mesmo o nariz do altivo monarca. Eis então que os bárbaros do norte tiveram uma brilhante ideia: convocaram lenhadores de todos os cantos do reino e, à força de valentes machadadas, deceparam o famoso apêndice. Com a madeira obtida, fizeram uma jangada de pau oco e enviaram os habitantes do reino para o mar alto, em busca de um novo reino, sem soberanos, nem súbditos. Consta que até hoje essa jangada anda à deriva, sem rei, nem lei.
Quanto ao Rei Pinócrates I, exilou-se no país do Grande Irmão e vive à grande e à americana, na sua hacienda, fortemente guardada pelos clones que teimaram em não descolar da sua sombra.
Fábula da fábula: nunca invoques Némesis em nome da governação.

Ana Paula Mabrouk
08-03-2009

Intraduzível

Se o sofrimento
Se pudesse traduzir por palavras,
Seria autora de um livro maior
Do que a Bíblia Sagrada.
Mas como o sofrimento é sagrado,
Fica a bíblia intraduzível no meu peito.

19-11-2001

Mais uma dica

Jorge de Sena voltou a casa. Vale a pena rever a obra.

Que o corpo repouse em paz e os escritos dessassosseguem os confortos instalados.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Escritores que valem a pena

Caros parceiros bloguistas,

não se esqueçam que se comemora este ano, entre outros, 100 anos da morte de Fernando Pessoa e 80 do nascimento de Zeca Afonso. As comemorações são muitas: desde as pomposas às singelas. prefiro as últimas, é claro. Não deixem de se associar a uma destas. Bem hajam!

Ana Paula Mabrouk

domingo, 13 de setembro de 2009

http://www.youtube.com/watch?v=tw5AHSfsxmQ&NR=1

no ano das comemorações de Zeca Afonso, aqui vai uma sugestão.

Ana Paula Mabrouk

sábado, 12 de setembro de 2009

Descanso da guerreira


Há dias nos quais só apetece recostar num sofá e descansar, ao som de boa música, de uma boa bebida e, com sorte, de boa companhia.
A caneta fica na pasta e o laptop a carregar baterias....
Até a criatividade necessita de férias de vez em quando.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Classificado

Classificado

Aluga-se coração
Em estado de urgente
Reparação.
Espaçoso,
por mobilar.
Prédio antigo
Mas de sólida construção.
Casa devoluta.
Ocupação imediata.
Caução obrigatória.

02-08-2009

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Apontamento

Pudera um sonho vencer
Pudera uma vida viver...

Pensamento do dia

Búzios expulsos


Não somos mais do que búzios
Expulsos do mar
Morrendo lentamente
Na rebentação da madrugada
Véspera do dia.

domingo, 6 de setembro de 2009

Poemas com água

Azul

Do mar do sul
Do céu tranquilo
Das casas pintadas
Dos olhos dos turistas
Das bandeiras dos iates
Da tinta do poema
Da paz do meu sentir.

02-08-2009

sábado, 5 de setembro de 2009

Galeria de fotos

Poesia na Ria - leitura de poemas de Fernando Pessoa Aveiro (Julho 2009)
Lançamento da revista Folhas-Letras & Outros Ofícios, nº 12 Aveiro (Junho 2009)




Ligações Poéticas

Poemas da Antologia Entre o Sono e o Sonho



«Não, não quero nada.
Deixem-me dormir.»

Deixem-me fechar os olhos calmamente
Ao som da chuva que cai
E perder-me naquela dimensão sem tempo
Naquele sono sem perguntas
Naquele silêncio cheio de paz
Ouvir a solidão q’é só minha
Um último gemido interior
Um lento descer de pálpebras
Uma lágrima que não deslizará
Um vazio de sentimentos
Regresso ao cosmos inicial
Partícula ínfima do espaço sideral



Sou sozinha
E sempre fui sozinha.
Nas noites que não vieste
E nas horas vãs da espera
Sozinha no silêncio que não quebraste
E no vazio que se agiganta neste quarto
Sozinha na casa vazia pela qual vaguei
E nos lençóis níveos que ficaram por manchar.

Ninguém me veio ver
Ninguém me disse nada
A solidão instalou-se e a noite caiu.
Fechei os olhos e não dormi.




Poemas publicados no jornal Notícias de Colmeias

Jornal das colmeias


Noite Mondego

Neblina escuridão em preto aquoso
Bruxulenta lua esbranquiçada. Saudoso
Rumor d’águas em quieto estagnado…
Ilhas d’areia cinza em parado
Negro reflexamente brilhante
Lembrança mistério d’Atlante…
Noite sem fim, muda noite!
Restos de Sherazade, Alibábá…Noite
Mondego em verde-escuro apagado
Sem luz….a vida num brado
Silêncio entornado. Desencanto
Choroso em lamentoso pranto.

Outono
Eis aqui agora a Hora
Tristeza lenta da solidão
Chove lágrimas que em vão…
Ai agora soluça, não chora!
Sofrimento atroz, dor que dilacera
Sonhos rasgados deitados ao vento
Angústia lenta sim, sofrimento.
Felicidade, palavra d’outra era.

No presente da desgastante espera
Só ficou o gemido dum lamento
Na paisagem árida ao vento
No Outono outrora Primavera.
É o cinza negro q’aqui mora
No verde que cobria o chão
Folha caída dum ancestral Verão
Que morreu antes de chegada a Hora.


Pedras soltas

Há pedra soltas
Na poeira dos caminhos.
Jogadas, pontapeadas, largadas.
Soltas pedras
Entre árvores intercaladas
Resistindo ao tempo
Mas ninguém olha.

Há sonhos soltos
Na encruzilhada da vida.
Jogados, pontapeados, largados.
Sonhos soltos
Entre mágoas intercalados
Resistindo ao medo.
Mas ninguém olha.

Há pedras-sonhos soltos
Na poeira da vida.
Jogados, pontapeados, largados.
Soltos sonhos-pedras
Entre árvores e mágoas intercaladas
Resistindo ao tempo
Resistindo ao medo.
Mas ninguém olha.


Castelos de sonhos

Castelos de cartas erguem-se leves ao alto
Castelos de ases, reis e rainhas
Castelos de sorte
Castelos de duques, quinas e senas
Castelos de azar
Castelos da vida tombando a um toque de mão.

Castelos d’areia erguem-se soltos ao alto
Castelos de fina areia, branca e dispersa
Castelos de conchas, algas e espuma
Castelos de vida esboroando-se
Silenciosos
Altivos, na rebentação do dia.

Castelos de sonhos erguem-se loucos ao alto
Castelos no ar, de sol e luar
Castelos de nuvens com pó de estrelas
Castelos de vida, escoando maresia
Desaguando
Na brisa diáfana do nascer matinal.


(edição nº 115 de 5 de Julho de 2009)

http://www.noticiasdecolmeias.com/

Estrela Cintilante

Lançamento do livro Estrela Cintilante



http://estrelinhasdoceu.blogspot.com/2009/06/estrela-cintilante-encheu-de-luz-o.html

Noite dos Estetas

Noite dos Estetas


Tema:
Enquanto a noite dorme nascem rosas


Enquanto a noite dorme nascem rosas
Perfumados seios ao amanhecer
No silêncio do peito de mulher
Espinhos cessam emergindo prosas.
São pétalas macias que florescem
Dos lábios donde irrompe o canto
Os versos com os quais t’encanto
Nomeando jardins que em mim crescem.
Imito a vida e adoço meus dias
Dou cor aos sentidos e aroma às dores
Personifico agruras e liberto amores
Flores, ramalhetes de alegrias.
O manto estrelado acoberta poetas
De pena em riste, fruto proibido
São mãos, olhos e lábios, mel colhido
Ramos de rosas: é noite dos estetas.

Esteta em flor

Menção Honrosa nos 39º Jogos Florais Internacionais de nossa Senhora do Carmo Fuseta (Algarve) - 18 de Julho de 2009

Conto- Dona Lucindinha

Conto
Tema: Idade não é velhice

Dona Lucindinha

Levantei-me cedo como é meu apanágio. Quem já muito viveu, dorme tranquilo no fim do caminho. Já fiz as pazes com a vida. Mares e tempestades o meu batel enfrentou. Está ancorado agora no areal da praia, voltado para o infinito. A pintura está desbotada, mas a estrutura ainda enfrenta, orgulhosa, as noites invernosas e as tardes de estio. Sou prova viva de décadas de resistência em vagas alterosas e baixios traiçoeiros. Os meus remos repousam em terra, mas o meu espírito paira no mar.
Esgueirei-me da cama, desperta e tranquila. Faço hoje oitenta anos. Olhei-me ao espelho do toucador e não vi os papos nem as rugas, nem as sardas das mãos ossudas. Vi apenas aqueles olhos de menina reguila a troçarem de mim, do outro lado da vida. Eram os mesmos olhos que sorriam matreiros quando pregava partidas às minhas irmãs. Os mesmos que catrapiscavam os moços nas festas da aldeia. Ainda aqueles que casaram contra a vontade dos pais austeros. Sempre aqueles que percorreram mundo em busca de mais e nunca deixaram que o mundo lhe roubasse o brilho de menina inconformada. Meus olhos são os de gaiata sem idade. Por detrás dos anos do corpo, permanecem estes espelhos da alma que nunca perderam a mocidade. Pisquei um olho atrevido à imagem reflectida que me devolveu um olhar trocista. Era uma boa forma de começar este dia.
Como era hábito, a minha primeira atenção foi para o Dom Bigodes, o meu siamês. Companheiro de uma vida, deu-me uns bons dias melosos, roçando as minhas pernas desnudas. Falei-lhe com afecto, daquele que só se partilha com quem habita os nossos dias. E ele, que tudo ouvia e entendia, retribuiu-me a conversa com um miado prolongado, como quem entoa um Parabéns a Você, adequado à solenidade da ocasião. Afaguei-lhe o pêlo em sinal de agradecimento e reforcei a sua dose diária.
Entrei na casa-de-banho, lavei o corpo franzino e passei em seguida para o quarto. Vesti-me, penteei-me sem pressa e maquilhei-me a rigor. Uma senhora será sempre uma senhora. Depois de convenientemente arranjada, fui cumprimentar a família e os amigos.
Peguei na foto do Coronel, levei-a suavemente aos lábios carmim, dizendo-lhe alegremente «Bom dia, meu querido!» Ele, impecável, no seu uniforme aprumado, devolveu-me o olhar ternurento. Em seguida, o retrato dos meus pais, tirado em dia de festa. Os dois, lado a lado, sempre unidos em todas as ocasiões. Passei a mão com carinho pela foto amarelecida, agradecendo a vida e a sabedoria que me haviam dado. Apesar dos conflitos, a espinha dorsal do que era verdadeiramente importante nunca se perdera. O retrato da minha irmã Rosa, que partira há cinco anos, sorria ainda mais do que o habitual, neste dia auspicioso. «Bom dia, também para ti, minha doce consciência». A minha amiga Maria do Carmo, rodeada pelas amigas do chá das cinco do Café Central, cumprimentou-me efusivamente do retrato colorido. Quase podia ouvir a sua gargalhada sadia a acompanhar a frase que sempre me repetia: «Olá, miúda! Como vão esses ossos?» «Vão bem, irmã do coração!» Como gosto de conversar com ela! Como me divirto com a sua tagarelice animada!
Depois dos cumprimentos matinais, pus a mesa na varanda soalheira e tomei o pequeno-almoço vagarosamente. Privilégio de pessoa madura. Estava um dia radiante e cúmplice. Deixei os raios de sol afagarem o meu rosto tisnado de avó obstinada em continuar a viver na sua casa. Senhora do seu nariz. Resistira às investidas do filho e das assistentes sociais. Enquanto tiver vida e saúde, hei-de ser a comandante do barquito da minha vida. Não me sinto velha! Nunca me senti. Tenho tanta coisa boa a lembrar, tanta coisa importante para fazer, tantos amigos que gostam de mim. Como poderia algum dia perder a mocidade?
No Centro de Dia, há filhas das minhas amigas, mais velhas do que eu…Carregam nas costas uma vida de imposições e de obrigações que nunca quiseram e que lhes acentua os anos. Não têm nos olhos o brilho daquela imagem que vejo reflectida no espelho do toucador…
Depois de tudo arrumado, dirigi-me finalmente ao Centro e passei uma manhã de conversa animada com os outros utentes. A minha família de eleição. Falámos das memórias, mas também das novidades da televisão, da política nacional, do namoro do Sr. António com a Dona Gertrudes e do casamento da neta do Sr. Engenheiro. Foi cá uma algaraviada!
Da família biológica, também não faltaram os mimos. Primeiro foi o telefonema do Brasil, do meu filho João. Deu-me os parabéns, mandou beijos do resto da família e perguntou se eu tinha gostado do vestido rosa bebé que me enviara a semana passada. Disse-lhe que o tinha vestido. Mesmo antes do almoço, a Dona Teresinha, uma das enfermeiras, chamou-me ao computador da sala para me mostrar o meu neto Filipe. Todo bronzeado, lá do outro lado da Austrália, com uma moça de olhos azuis ao lado, a dar-me os parabéns em inglês. É um belo rapaz, este meu neto. Conversámos como de costume, como se a distância fosse apenas um mero pormenor sem qualquer importância. Não importa o local onde estamos; o que importa de verdade são os corações que habitamos. Essa é a nossa história que vale a pena ser escrita.
O pessoal do Centro foi inexcedível. Fizeram um almoço especial e um bolo gigantesco com duas velas, com um oito e um zero dourados. A minha irmã Adozinda apareceu na altura certa e foi uma alegria! Houve cantoria, algazarra sénior à mesa e direito a prendas. Não me ofereceram meias de lã, nem camisas de noite, nem xailes de tricot. Ofereceram-me um livro de poemas, um batom hidratante e um CD de êxitos dos anos quarenta. Ouvimo-lo logo em seguida, cantámos e dançámos até as forças permitirem. Foi um dia alegre e divertido.
Depois do jantar, despedi-me da minha irmã, dos amigos de todos os dias e fui para casa de alma lavada e coração pleno. O Sr. Director fez questão de me levar a casa no seu carro elegante. Senti-me uma verdadeira princesa no meu vestido rosa bebé, com um bouquet de tulipas a condizer, oferecidas gentilmente por ele. O Sr. Director, cavalheiro até ao fim, acompanhou-me até à porta do meu apartamento aconchegado e despediu-se com um piropo «Quem disse que idade é velhice, Dona Lucindinha?» «Pois é, Sr. Director, quem disse?»
Nesse dia dormi como um anjo e sonhei com todas as coisas que queria fazer até ao dia de celebrar oitenta e um anos de vida.


Menina e moça

3º Prémio na categoria de conto nos VII Jogos Florais Avis 2009

Grupo Poético de Aveiro -Folhas - Letras & outros ofícios nº 12

SEM TIMONEIRO

Assomei à janela do tempo e recordei a barca do teu olhar.
Sorvi na maresia das águas profundas as meias luas de promessas
E nas tuas redes vítreas rememorei cardumes de esperanças
Quando no verde da tua íris perdia o pé e me enredava na tua espuma
Quantas ondas, quantas marés, quantos maremotos naveguei!
Marinheira de água doce, com mestre de embarcação…

No barco ancorado do teu corpo aportei sem sobressalto
E voguei ao sabor dos dias e das noites com sabor a estrelas.
Flor de sal, alegre salpico de vida e de mar…
Veleiro enfunado de brancas velas de vitória
Regatas prazeirosas, sulcando doces vagas
Ventos de búzios entoando cantos de sereia.

Mas eis que uma tormenta assolou meu batel ao largo
Arrastado pela corrente deu à costa canal acima
E foi soçobrando numa ria de moliço
Que enlaçou meus remos e esverdeou meu casco
Cobrindo de perenidade e de algas minha proa altiva
Descerrando minha bandeira de afoita navegante.

Minha embarcação perecível naufragou nas águas salubres
E ancorou, sine die, no estreito quieto e aquoso
Na margem da vida, estibordo da saudosa partida
As cores de festa esmoreceram na ausência das viagens de mar alto
Entristeci nas águas paradas, no lodo do cais.
Sou moliceiro de Aveiro: não tenho moliço, nem timoneiro.

Ana Paula Mabrouk