quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Poema 20 de Pablo Neruda

Enviado por um amigo, é um de muitos que podemos ouvir no Youtube: as novas tecnologias ao serviço da poesia.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

No vento

Ultimamente tenho tido pouco tempo para escrever mas em Agosto alternei entre a poesia e a crónica, numa dança de equilíbrios fugazes, entre o arrebatamento e a lucidez. Deixo-vos hoje um momento de arrebatamento. Espero que gostem. Fui muito feliz neste poema.



Voa, veloz no vento

Solta, singular e singela

Minh’alma de andorinha

Quase paira, quase pousa

No beiral do teu telhado

No ninho da tua vida.



21/06/2010
Ana Paula Mabrouk



sábado, 11 de setembro de 2010

Crónica IV - Ser artista (futuro livro)

Ser artista
“ Ser artista é não contar, é crescer como a árvore que não apressa a sua seiva, que resiste, confiante, aos grandes ventos da Primavera, sem temer que o Verão possa não vir. O Verão vem.”
Rainer Maria Rilke

Por vezes conto os anos – os meus anos – e penso que já vai sendo tarde para singrar neste mundo das letras. Há tanta gente mais nova do que eu com nome na praça e um palmarés invejável de publicações. Há tanta gente que alcançou a fama e é reconhecida e admirada e cuja carreira literária parece correr de vento em popa. Há tanta gente…

Invejo-os, é verdade. Não cobiço a sua fama, a sua projecção mediática, a sua riqueza monetária. Invejo as páginas que chegam a milhares de leitores, as ideias que se gravam na memória de quem as lê, os pensamentos que encontram eco em mentes similares, os acordes quase perfeitos da sinfonia das almas. Invejo a harmonia dos desconcertos e os encontros de ocasião que fazem todo o sentido. Gostaria de ultrapassar as barreiras do tempo e da frigidez da rotina que faz vénia ao bom senso. Odeio o bem comum, o politicamente correcto e o bom-tom dos que não escrevem literatura. Tenho pena de quem vive acomodado e nunca soube o quanto dói um grande amor. Nem viveu em êxtase ao menos um só dia!

Ser artista não é ser ditado pelos outros: nem sequer é uma escolha. Há trepadeiras de palavras e cascatas de conotações, que ora se enrolam em espiral nos nervos do ser, ora se despenham em lagos profundos de pensamentos azuis. Enraizados e inafundáveis.

Escrevo porque não sei viver sem os meus gatafunhos em desalinho a dar sentido às horas da vida, ao relógio da mortalidade. São os ponteiros as palavras; o mostrador a alvura manchada do papel. Papel cuja origem provém de alguma árvore centenária: anéis do tempo, seiva espumando vitalidade. Seiva que brota da árvore que sou e que resiste, dia após dia, aos grandes ventos da Primavera. Resiste às promessas em flor, enlameadas, muitas vezes, pelos aguaceiros de Abril. Resiste na estação dos sonhos concretizados dos outros. Resiste no anonimato de quem escreve e há muito deixou de se interrogar porquê e para quê. Resiste porque a seiva é sadia e forte e brota do fundo da árvore, sempre verde da esperança. Mesmo quando desespera e desanima.

Seiva verde de pensamentos azuis. No branco de todas as possibilidades. Sinestesias de olhos e mãos abertos ao mundo. Vejo e sinto com a pele dos meus dedos em movimentos. Frenéticos, felinos e fantásticos. Deixo fluir o Verão que me espera e que antecipo no prazer da certeza, de que um dia outros virão folhear as páginas da árvore da minha teimosia. Frondosa, nos ramos dispersos com os quais cobrirei de frescura os dias tumultuosos. O Verão virá. O Verão não deixará de vir. O Verão sempre vem.

E eu o esperarei sem contar os dias, os anos, as vidas passadas. Meus olhos serão raios de sol e meu rosto tisnado a certeza de que o artista permanece. O artista foi é e será. Aqui; no céu estrelado; em todo o lado.


Casais do Campo

6 de Agosto de 2010

23h 21m

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Croácia

Maria Bethânia outra vez.... e sempre

Esta é a canção que serviu de base ao título do meu último livro - Em carne viva (http://www.bubok.pt/), de Chico Buarque mas cuja melhor versão, para mim, pertence a Maria Bethânia.

 Tatuagem


Maria Bethânia

Composição: Chico Buarque/Ruy Guerra

Quero ficar no teu corpo feito tatuagem

Que é pra te dar coragem

Pra seguir viagem

Quando a noite vem

E também pra me perpetuar em tua escrava

Que você pega, esfrega, nega

Mas não lava



Quero dançar no teu corpo feito bailarina

Que logo te alucina

Salta e te ilumina

Quando a noite vem

E nos músculos exaustos do teu braço

Repousar frouxa, murcha, farta

Morta de cansaço



Quero pesar feito cruz nas tuas coisas

Que te retalhar em postas

Mas no fundo gostas

Quando a noite vem

Quer ser a cicatriz risonha e corrosiva

Marcada a frio, a ferro e fogo

Em carne viva



Corações de mãe

Arpões, sereias e serpentes

Que te rabiscam o corpo todo

Mas não sentes




Tatuagem


Maria Bethânia

Composição: Chico Buarque/Ruy Guerra

Quero ficar no teu corpo feito tatuagem

Que é pra te dar coragem

Pra seguir viagem

Quando a noite vem

E também pra me perpetuar em tua escrava

Que você pega, esfrega, nega

Mas não lava



Quero dançar no teu corpo feito bailarina

Que logo te alucina

Salta e te ilumina

Quando a noite vem

E nos músculos exaustos do teu braço

Repousar frouxa, murcha, farta

Morta de cansaço



Quero pesar feito cruz nas tuas coisas

Que te retalhar em postas

Mas no fundo gostas

Quando a noite vem

Quer ser a cicatriz risonha e corrosiva

Marcada a frio, a ferro e fogo

Em carne viva



Corações de mãe

Arpões, sereias e serpentes

Que te rabiscam o corpo todo

Mas não sentes


sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Encantalento

Encantalento




No princípio um largo sorriso

Uma alva porta entreaberta

Convite para mil devaneios

Malícia na língua rosada

Lábios sibilinos de desejo

E um hálito a maresia.



Depois o riso aberto

Rua do sul escancarada

Sopro ardente do deserto

A queimar o oásis da pele

Promessa agora cumprida

No pôr-do-sol, lago de sal.



No final a gargalhada

Impulso da alma sarada

Templo sagrado d’alegria

Oração da madrugada

No eco azul de uma janela

Na nora saciante da tua boca.



31 de Maio 2010
Ana Paula Mabrouk

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Tristezas - crónica do futuro livro "Crónicas da arte e da vida"

Estou a escrever um conjunto de 10 crónicas com base em máximas de Rainer Maria Rilke, retiradas do livro Cartas a um poeta. Algumas já foram escitas o ano passado e publicadas neste blogue; outras estão a ser escritas este ano e são ainda virgens em termos de publicação online. Falta-me apenas escrever a última; o que conto fazer até ao final do mês.
Publico hoje uma das ´mais recentes que escrevi. Espero que gostem.

Crónica IX

Tristezas

“As tristezas são alvoradas novas em que o desconhecido nos visita.”

Já fui feliz um dia. Tão feliz que agradeci a Deus e prontifiquei-me para morrer. Vaidade pueril: como se nós tivéssemos o direito de decidir o que quer que fosse… Encaro esses momentos de felicidade como uma partilha suprema e um dever posterior para com os outros e sobretudo comigo própria.

Há pessoas que são seres abençoados. Seres raros a quem o conhecimento supremo foi oferecido para lá do óbvio. Não sei porquê. Nem sequer sei se são merecedores de tal distinção. Mencionaria o acaso mas não acredito na futilidade dos acasos ou das coincidências. Sei apenas que alcançam muito além do visível e sentem multiplicados por muitos. Lembram tudo e perdoam quase todos. Um dia, quem sabe, atingirão o nirvana.

Nos momentos de dor nunca rezei a sério; nos momentos de felicidade sempre orei ao Altíssimo. Serei ingrata, para muitos que acreditam que é nos momentos de tristeza que se deve pedir ajuda e aconselhamento. Talvez seja demasiado orgulhosa para o fazer. Ou talvez fosse a dor imensa que me esmagava a garganta e sufocava as palavras, até as mentais. Até as que se dizem com a alma. Cheguei a pensar que era a descrença num Deus que velava por mim que me emudecia. Sei agora que estava errada.

Nas minhas horas de tristezas – e meu Deus foram tantas! – o desconhecido visitou-me. E como tudo o que é desconhecido gera temor e incompreensão, fechei-me num casulo. Coloquei as mãos sobre os ouvidos, as pernas em posição fetal de defesa e selei o coração à bondade dos demais. Tememos continuamente tudo o que não entendemos. É uma atitude primitiva de seres monoplanetários. Abrimos os olhos de espanto enquanto o ânimo bate descompassado no peito. Abandonamos o real e diante da nossa ínfima pequenez. Somos seres tão minúsculos que não abarcamos as forças cósmicas que nos envolvem. Não alcançamos os labirintos da vida nem os seus patamares de sabedoria. Temos medo do escuro, das portas fechadas, do rangido dos degraus do tempo. Receamos os túneis alongados e a luz no seu fundo. Preferimos os salões iluminados e os móveis que conhecemos de cor. Receamos tudo o que se encontra fora da nossa zona de conforto: temos medo do medo.

Conheço muita gente que viveu sempre do lado solar. Levou uma existência tranquila, sem sobressaltos. Nunca tiveram tristezas conhecidas nem sobressaltos imprevistos. Toda a sua vida foi planeada e executada se um único desvio. São invejados, cobiçados e alvos da admiração. E contudo nunca foram felizes a ponto de poder morrer…

Aprendi pela vida fora, e com ela, que as tristezas antecedem os e procedem dos momentos de felicidade. É nesses momentos que uma força inexplicável nos invade e nos testa. Trabalhos de Hércules; montanhas de Atlas; Sísifo e Dédalo. Trabalhos árduos em montanhas áridas, onde sopram tempestades de areia. E nós, grãos de areia, ou somos esmagados pelas duras pedras que rolam encosta abaixo, ou deixamo-nos guiar pelo vento até lugares longínquos. Até oásis nos quais mergulhamos a boca sequiosa nas águas frescas da sabedoria. De joelhos no solo gretado, sorvemos, com as mãos em forma de concha mundana, o bálsamo para as dores do corpo e da alma. Esse lago medicinal mais não é do que o repositório das lágrimas salgadas que chorámos um dia. Todas elas sábias guardiãs do devir.

Descobrimos então que o tempo, esse ladrão dos segredos, roubou toda a salinidade e deixou as águas límpidas de algas e depuradas de rancor. Miramo-nos nelas e como num espelho mágico, vemos o nosso ser, sem artefactos, ali no espelho de água. E nesse momento, em que um outro Eu nos fixa do fundo de nós, podemos saber se passámos o teste ou se sobroçámos noutro lago salgado, a quilómetros de nós.

O desconhecido traz-nos a escolha: morrer de tristeza ou preparar o nosso coração para um dia, outro dia, poder vir a morrer de felicidade. Pode-se nascer muitas vezes numa só vida e morrer outras tantas de felicidade plena. Só precisamos de deixar a porta aberta a novas alvoradas. Sem ter medo do medo.


Casais do Campo
5 de Junho 2010
1h 20 a.m.