como já devem ter reparado este ano ainda não me tinha estreado. Muitos afazeres profissionais e alguns contratempos familiares e de saúde não me têm permitido dedicar-me como gostaria ao blogue. Vou tentar voltar às lides com mais frequência.
Cansada de ver o José Sócrates, do alto da sua cadeira, comentar tudo e todos, como se parte da responsabilidade do estado do país não lhe coubesse em medida, lembrei-me de um conto que já escrevi há alguns anos, mas que nunca publiquei. Espero que se divirtam tanto a lê-lo como eu me diverti a escrevê-lo.
No Reino de Portugal e dos Allgarves
Era uma vez um reino muito
distante, em forma de pequeno rectângulo, engolido por todos os lados, menos
por um,: um outro retângulo maior e bem mais vistoso. No final da geometria,
era um rectângulo sem importância de monta.
Como rei todo-poderoso,
era monarca deste reino Sua Majestade El-Rei Pinócrates I. Era um rei algo
bizarro que havia conquistado o trono quando todos os seus súbditos se
encontram distraídos num torneio medieval de Pé-na-Bola. Forjou discretamente um
édito real e, com artes de Circe, autoelegeu-se soberano. Pasmem os céus e a
Terra!
O rei tinha qualidades
mil: desenhava palácios inusitados a até falava a língua de Shakespeare, na
versão técnica, curso intensivo tirado num fim-de-semana, entre uma inspecção
aos poços do reino e uma caçada aos gambozinos. Havia apenas um senão: ninguém
no reino da rainha Nunca-mais-Morres entendia um só vocábulo de tão original
linguarejar… Ofendido com tamanha iliteracia da ralé, vociferava que se
consultassem os doutos pergaminhos. E enquanto isso o seu nariz crescia.
O monarca travava guerras
sangrentas com éditos mil contra a burocracia vigente e decretou, sem mais
delongas, uma carta magna, pomposamente apelidada de Simplex. Havia apenas um
problema: insignificante, é claro. Quem pretendia jogar por esta cartilha,
deparava-se com manuscritos tais que todos decidiram mudar-lhe o nome para
Complex. E o nariz ia crescendo.
Era um suserano ambicioso
que tinha em mente incentivar as artes e ofícios do seu território. Na Rua dos
Onzeneiros, orgulhava-se de desfilar com o seu séquito real. As aias e as
meretrizes bem diziam que o rei ia nu, mas os espelhos do reino haviam sido
todos estilhaçados. Ordem de Sua Alteza Real, Pinócrates I. Lembrava-se bem da
história da Branca de Neve e da sua tenebrosa madrasta. Não, nem pensar! Este
rei não queria cá desses feitiços. Pozinhos mágicos, só os seus, que mandava
ali era ele, pois então! A ralé bem mendigava uma esmolita, clamando, de quando
em vez, numa voz ténue e medrosa, por justiça. Injuriavam os Mouros, os
Castelhanos e os Ianques, culpavam o Tesoureriro-mor, mas lá continuavam,
obedientemente a laborar nos terrenos do reino. O rei, do alto da sua tribuna,
vociferava: era um incompreendido! Se gastasse o erário régio a ajudar os
pobres dos Onzeneiros, como poderia ele acudir aos necessitados? Ele tinha uma
corte para sustentar. Uma «fora-de-praia» aqui, outra «fora-de-praia» acoli,
numa ilha de qualquer rei sapiente, qualquer rei, que se preze, tem que ter! E
lá ia mandando os escribas registar exactamente o contrário. E o nariz sempre a
crescer.
Sua Alteza Real habitava num
faustoso palácio, conquistado com ardis mercantices e sábio uso dos impostos do
Terceiro Estado. Sonhava ser Robim dos Bosques e acabara sendo Xerife de Nottingham!
Com os dobrões de ouro, sonegados a fio de espada, vivia rodeado de convivas do
reino da Rainha Nunca-mais-Morres. Eram Bretões expeditos, nobremente convidados
para explorar os domínios dos outrora fielmente aliados. Havia portos livres de
impostos e livre circulação de pessoas e carruagens. Os comparsas deste rei
eram todos detentores de magníficos castelos, cheios de sacos azuis do vil
metal. Escondiam-nos tão bem escondidos que nem o Rei Pinócrates I sabia bem o
quanto os cofres reais eram saqueados.
Mas sempre ia vociferando
que era preciso apertar o cinto, e o Zé Povinho, que já nem cinto tinha,
agarrava-se aos andrajos que trazia, rotos e puídos, não vislumbrava pão com
que dar forma aos ossos proeminentes. E o nariz do rei continuava a crescer…
Do alto
do seu palácio de Belém, qual redentor do mundo, mirava sobranceiro o seu
reino, a perder de vista. O rei usava lupa de aumentar em segredo, mas isso,
ninguém sabia. Havia apenas um pequeno território insular que o preocupava pois
constava que um súbdito seu se arrogava o título de Rei do Entrudo.
Descaramento só punível com cem chicotadas. Castigo eternamente adiado, pois os
algozes eram anões ao pé do gigante Adamastor, que vomitava fogo ao mínimo
sinal de que o seu território estava ameaçado. E fazia sinais de fumo numa
língua admirável e ainda mais incompreensível do que aquela que o rei falava.
O altivo
monarca era fervoroso adepto dos reis de antigamente. Ai que saudades de uns
bons açoites e de uma fogueira em praça pública! Mandaria todos os almocreves
piolhosos e maldizentes ao castigo da carne. Mas os conselheiros do reino, sempre
cautelosos e ciosos de não perder a cadeira, num reino no qual já houvera reis
que dela caíram, com consequências nefastas, receitavam mezinhas para acalmar
os ânimos.
Como
ainda não tinha descoberto a fórmula certa para promulgar as leis que lhe
permitissem assegurar um reinado eterno, contratava trovadores e bobos para
entreterem a corte e as multidões amotinadas. Nos serões de cantigas de
escárnio e maldizer, convidava reis absolutos e monarcas absolutistas para ter
personalidades à altura dos seus ambiciosos projetos e personalidade
irradiante. O seu mais fiel aliado, cavalgava amiúde por vales e montanhas, no
seu alazão negro, de nome El Condor Pasa. Esse sim, era um rei como mandava a
lei, a ordem e os bons costumes. Um reino com uma corte leal e submissa,
agradecida ao grande monarca iluminado, que até cantava e dançava enquanto
distribuía palhotas. Um dia, ai um dia, ainda havia de fazer o mesmo no reino
da Pinocolândia! E enquanto matutava nesta estratégia, ia oferecendo ardósias
com nome de um grande navegador, anunciando justiça e prosperidade para todos.
Enquanto a arraia-miúda se distraía com as gravuras multicolores, o nariz do
seu rei crescia e crescia.
Sua
majestade não tolerava a contestação e tencionava mandar eternamente para as
masmorras os inimigos do reino. Os maiores amotinados era um grupo de escribas
desobedientes, que teimavam resistir, agora e sempre, ao inimigo. Era uma
verdadeira praga o punhado de ratazanas que sabia ler e escrever. Difundiam
campanhas negras e difamatórias de um rei que apenas tinha por missão servir!
Ao exílio! Para a selva do rei aliado! Lá nunca mais abririam a boca nem pegariam
na pena. Só se fosse na pena de morte. E parlamentava com os escribas, tentando
convencê-los a assinar éditos reais que os condenassem ad eterno. Mas o
problema era que os escribas sabiam mesmo ler e não caíam, facilmente, nos
ardis de tal Pinóquio. E o seu nariz não parava de crescer!
Eis
então que um dia, na província dos Allgarves, território de grandes riquezas, o
maior grupo de estrangeirados, se rebelou de repente. Eram saxões fortes,
arrogantes e de barba rija. Já estavam fartos que um rei desnudo ousasse
comandar os seus destinos e julgar as suas acções. Mandaram chamar um enviado
secreto da rainha Nunca-mais-Morres que, em menos de nada, organizou uma
revolução elitista que derrubou o Rei Pinócrates I, que nem teve tempo de abrir
a boca. Foi uma revolução pacífica, pois neste reino de povo que ladra mas
nunca morde, o único obstáculo era mesmo o nariz do altivo monarca. Eis então
que os bárbaros do norte tiveram uma brilhante ideia: convocaram lenhadores de
todos os cantos do reino e, à força de valentes machadadas, deceparam o famoso
apêndice. Com a madeira obtida, fizeram uma jangada de pau oco e enviaram os
habitantes do reino para o mar alto, em busca de um novo reino, sem soberanos,
nem súbditos. Consta que até hoje essa jangada anda à deriva, sem rei, nem lei.
Quanto
ao Rei Pinócrates I, exilou-se no país do Grande Irmão e vive à grande e à
americana, na sua hacienda,
fortemente guardada pelos clones que teimaram em não descolar da sua sombra.
Fábula
da fábula: nunca invoques Némesis em nome da governação.
Ana
Paula Mabrouk
08-03-2009
Sem comentários:
Enviar um comentário