MEUS AMIGOS E MINHAS AMIGAS:
Vamos fazer mais um esforço para tornarmos os Jogos Florais de Avis um grande evento cultural.
O que vos peço é tão simples quanto isto: ENVIEM ESTE MAIL ATODOS OS VOSSOS CONTACTOS PARA QUE ELES, FAZENDO O MESMO, TORNEM POSSÍVEL UMA CORRENTE QUE CHEGUE A TODOS AQUELES QUE POSSAM ESTAR INTERESSADOS EM CONCORRER.
Para que nem precisem de abrir o anexo (que no entanto está lá) aqui vai o dito Regulamento com os agradecimentos da Amigos do Concelho de Aviz - Associação Cultural (http://www.aca.com.sapo.pt/) e do
Fernando Máximo
VIII JOGOS FLORAIS DE AVIS
REGULAMENTO
1 - Os VIII Jogos Florais de Avis são uma iniciativa da AMIGOS DO CONCELHO DE AVIZ - ASSOCIAÇÃO CULTURAL, a que podem concorrer todos os cidadãos portugueses abrangidos pelo que se dispõe no presente regulamento.
2 - Só são admitidos a concurso trabalhos inéditos, redigidos em Português e nas seguintes modalidades:
POESIA
A - QUADRA POPULAR – Tema
“O FUTURO”
Em redondilha maior, de rima ABAB, uma quadra em cada folha.
B - POESIA OBRIGADA A MOTE
Mote
QUEM SÓ VIVE DO PASSADO
E SE VÊ TÃO INSEGURO,
DÁ PRESENTE ENVENENADO
AOS QUE OLHAM O FUTURO
(Aníbal da Silva Fernandes/Avis)
Nota: não descurando outras formas de glosar o mote, daremos especial atenção ao tratamento em décimas.
PROSA
CONTO subordinado ao tema: “ O FUTURO”
(Máximo de 3 páginas, escritas em tamanho 12, a espaço e meio de entrelinhamento).
3 - De cada trabalho serão enviados três exemplares, dactilografados (à máquina ou em computador) em papel formato A4, de um só lado com caracteres de tamanho 12, sendo que apenas no conto o espaço entre linhas deverá ser de espaço e meio. Os trabalhos não poderão ser adornados com moldura ou qualquer outro adorno.
4 - Todos os trabalhos terão que ser subscritos por um pseudónimo, devendo os respectivos autores, enviar anexo a cada trabalho, um envelope fechado com o pseudónimo dactilografado no rosto, e dentro, o nome, morada e número de telefone do Autor.
5 - Cada concorrente poderá apresentar dois trabalhos por modalidade, com excepção da QUADRA onde poderão ser apresentados três trabalhos a concurso, pelo que cada um será subscrito com pseudónimo diferente. Serão desclassificados os trabalhos que não sejam inéditos, isto é, que já tenham sido apresentados noutros concursos.
6 - O prazo de remessa dos originais (data de carimbo dos correios) termina em 09 de ABRIL de 2010 e deverão ser enviados, para:
VIII Jogos Florais de AVIS
Amigos do Concelho de Aviz - Associação Cultural
Praça Serpa Pinto, Nº11
7480 - 122 AVIS
7 - O não cumprimento do estipulado no presente regulamento, anula a apreciação dos trabalhos pelo júri, de cujas decisões não cabe recurso.
8 - As classificações serão tornadas públicas em 3 de Maio de 20I0, sendo todos os concorrentes avisados por escrito.
9 - Haverá três prémios por modalidade, bem como as menções honrosas que o júri entender por bem conceder. Poderá, no entanto, deliberar a não atribuição de qualquer prémio, numa ou mais modalidades, se considerar que a qualidade dos trabalhos apresentados não é consentânea com a projecção que se pretende para esta iniciativa.
10 - A entrega de prémios aos galardoados terá lugar no dia 22 de Maio de 2010, em Avis, no Auditório Municipal Ary dos Santos, pelas 14H30’.
11 - Estes Jogos Florais ficam interditos aos elementos do Júri e demais pessoas envolvidas na organização dos mesmos.
12 - Ao Júri cabe a resolução de qualquer ocorrência que não seja abrangida pelo presente regulamento.
Nota: regulamento aprovado em reunião de Direcção da ACA-AC em 22 de Dezembro de 2009.
Com o apoio de:
Câmara Municipal de Avis
Junta de Freguesia de Avis
Este blogue pretende dar a conhecer a actividade literária da escritora Ana Paula Mabrouk e conversar sobre literatura
domingo, 28 de março de 2010
sexta-feira, 26 de março de 2010
Outro conto rural
UMBELINA
Ti Umbelina era uma dessas pobres mulheres do campo: calada" abnegada" conformada com o seu destino. Toda a vida havia trabalhado nas terras. Primeiro fora criada de servir ( mas de fora) em casa de gente rica. De lá saíra para casar com um criado, também de servir, da quinta vizinha. Nunca tinha conhecido homem antes, nem sequer tinha consentido num beijo roubado. Era mulher séria, pois então. Viveu o dia do seu casamento com aflição, sempre a pensar nos estragos que a noite lhe iria fazer. Aguentou sem um gemido, rezando a Deus para que "aquilo" não demorasse muito tempo.
Empranhou e deu à luz sete vezes, que o seu António era homem afoito. Chorou em altos prantos a morte de dois filhos recém-nascidos. Foi a única vez que a ouviram lastimar a sua má sorte. No dia seguinte aos enterros amanhou uma terra inteira que a vida continua e não se compadece com a dor de ninguém. Passou fome quando o rio galgou as margem e lhe afogou as culturas da terra que a tanto custo conseguira comprar. Pediu caldo às vizinhas para os filhos e recebeu envergonhada o dinheiro de um peditório da missa que o Sr. Padre Góis fizera em seu nome. Em segredo, que o seu António não queria esmolas de ninguém, mas não dispensava o mata-bicho logo de manhã na loja da Ti Almerinda. Para dar forças, dizia ele.
Viu partir um filho para o Ultramar e de lá regressar amargo e de mal com a vida. Viu partir outro para as Américas e por lá ficar. As três raparigas foram também à sua vida: umas melhores, outra pior. Enfim, sempre fora um pouco cabeça no ar. A mãe bem lhe dera bons conselhos, mas quê o diabo está sempre atrás da porta.
Calou os maus tratos do seu homem, pois uma mulher quando casa é para sempre. Aguentou as bebedeiras e a loiça partida e o jantar espalhado quantas vezes pela horta. Aconchegou o estômago vazio nos lençóis puídos e sonhou que era outra vez menina de servir na casa dos senhores doutores. Sonhou com o metro de meio linho que recebia sempre pelos anos para o seu enxoval. E com os belhoses de abóbora pelo Natal.
Acordou um dia de muito frio e foi esquentar o café e torrar o pão. Estranhou o seu António não se levantar e foi dar com ele mais frio do que o dia na cama de ambos. Lavou-o, vestiu-o e chamou o Chico da agência funerária. As vizinhas telefonaram aos filhos. Eles e elas vieram, beijaram a mãe, olharam o pai com desinteresse, acompanharam o enterro. E partiram. Só o Zé ficou: queria levá-la para as Américas. Credo Cruz Canhoto! ! ! Pr’ás Américas nesta idade! ...Nem pensar! Deixar a sua casinha, as suas terras, as suas coisas e partir para um país lá tão longe onde as pessoas falam de uma maneira que ela não entende!...Não, nem pensar. Queria morrer ali onde sempre tinha vivido, onde o padeiro lhe levava o pão a casa, onde a Ti Almerinda lhe fiava o mês, onde as vizinhas a socorriam numa aflição.
Nunca se dera em casa dos filhos: muitos banhos que lhe davam cabo da pele, muita roupa para vestir e despir (sem necessidade nenhuma, que ela nem cheirava mal, nem nada!...), muita ferramenta à mesa. Gostava do seu canto, do seu borralho e da sua panela de ferro. Gostava de ir à missa ao Domingo e de assar uma galinha pela Festa de Nossa Senhora da Encarnação. Gostava de assistir às fogaças e de provar um copo de água-pé pelo São Martinho.
Um dia a Senhora Doutora veio ver a Celestina ali ao lado, acamada há que tempos. Coitada ! Deu de caras com ela à saída e perguntou-lhe pela saúde. «Vai-se andando. De vez em quando uma dor por baixo da barriga.» «Passe lá pelo posto médico amanhã para eu ver isso.» Lá foi, mais para não fazer desfeita à Senhora Doutora, do que pelas dores de barriga. Foi consultada, a Senhora Doutora torceu o nariz e mandou-lhe fazer umas análises. Um. dia recebeu o recado para ir ao posto médico. Foi aflita, pois para mandá-la chamar assim, coisa boa não era. A Senhora Doutora tinha recebido o resultado das análises e havia um problemazito. Era melhor ela ser vista por um doutor das senhoras. Ela tinha qualquer coisa no útero e essa não era a especialidade dela.
– Um doutor das senhoras? Daqueles que mandam tirar a roupa? A Senhora Doutora devia estar a brincar! ...
– Ó Senhora Umbelina, posso arranjar - lhe uma médica, não precisa ser um médico.
– Ah, mesmo assim!...nesta vida só a parteira Aurora a tinha visto como Deus a deitou ao mundo. Nem o seu António para lhe fazer os filhos!... Só às escuras, como agrada a Deus.
– Mas a senhora precisa ser vista, precisa de se tratar. O Senhora Doutora, eu só sinto umas dorzitas de vez em quando...
– Por isso mesmo, ainda vai a tempo de se tratar.
A Ti Umbelina não regateou mais para não faltar ao respeito à Senhora Doutora. Mas foi para casa de credencial na mão e decisão firme de jamais abrir as pernas para quem quer que fosse. Ela era uma mulher séria!!! Calou- se bem calada e evitou daí para diante encontrar-se com a Senhora Doutora. Por respeito. Nunca mais foi ao posto médico e morreu aos 86 anos de idade na mesma cama do seu António no dia da Ascenção de Nossa Senhora ao Céu.
Conto incluído no livro Alfabeto no feminino, Mar da Palavra, 2005
Ti Umbelina era uma dessas pobres mulheres do campo: calada" abnegada" conformada com o seu destino. Toda a vida havia trabalhado nas terras. Primeiro fora criada de servir ( mas de fora) em casa de gente rica. De lá saíra para casar com um criado, também de servir, da quinta vizinha. Nunca tinha conhecido homem antes, nem sequer tinha consentido num beijo roubado. Era mulher séria, pois então. Viveu o dia do seu casamento com aflição, sempre a pensar nos estragos que a noite lhe iria fazer. Aguentou sem um gemido, rezando a Deus para que "aquilo" não demorasse muito tempo.
Empranhou e deu à luz sete vezes, que o seu António era homem afoito. Chorou em altos prantos a morte de dois filhos recém-nascidos. Foi a única vez que a ouviram lastimar a sua má sorte. No dia seguinte aos enterros amanhou uma terra inteira que a vida continua e não se compadece com a dor de ninguém. Passou fome quando o rio galgou as margem e lhe afogou as culturas da terra que a tanto custo conseguira comprar. Pediu caldo às vizinhas para os filhos e recebeu envergonhada o dinheiro de um peditório da missa que o Sr. Padre Góis fizera em seu nome. Em segredo, que o seu António não queria esmolas de ninguém, mas não dispensava o mata-bicho logo de manhã na loja da Ti Almerinda. Para dar forças, dizia ele.
Viu partir um filho para o Ultramar e de lá regressar amargo e de mal com a vida. Viu partir outro para as Américas e por lá ficar. As três raparigas foram também à sua vida: umas melhores, outra pior. Enfim, sempre fora um pouco cabeça no ar. A mãe bem lhe dera bons conselhos, mas quê o diabo está sempre atrás da porta.
Calou os maus tratos do seu homem, pois uma mulher quando casa é para sempre. Aguentou as bebedeiras e a loiça partida e o jantar espalhado quantas vezes pela horta. Aconchegou o estômago vazio nos lençóis puídos e sonhou que era outra vez menina de servir na casa dos senhores doutores. Sonhou com o metro de meio linho que recebia sempre pelos anos para o seu enxoval. E com os belhoses de abóbora pelo Natal.
Acordou um dia de muito frio e foi esquentar o café e torrar o pão. Estranhou o seu António não se levantar e foi dar com ele mais frio do que o dia na cama de ambos. Lavou-o, vestiu-o e chamou o Chico da agência funerária. As vizinhas telefonaram aos filhos. Eles e elas vieram, beijaram a mãe, olharam o pai com desinteresse, acompanharam o enterro. E partiram. Só o Zé ficou: queria levá-la para as Américas. Credo Cruz Canhoto! ! ! Pr’ás Américas nesta idade! ...Nem pensar! Deixar a sua casinha, as suas terras, as suas coisas e partir para um país lá tão longe onde as pessoas falam de uma maneira que ela não entende!...Não, nem pensar. Queria morrer ali onde sempre tinha vivido, onde o padeiro lhe levava o pão a casa, onde a Ti Almerinda lhe fiava o mês, onde as vizinhas a socorriam numa aflição.
Nunca se dera em casa dos filhos: muitos banhos que lhe davam cabo da pele, muita roupa para vestir e despir (sem necessidade nenhuma, que ela nem cheirava mal, nem nada!...), muita ferramenta à mesa. Gostava do seu canto, do seu borralho e da sua panela de ferro. Gostava de ir à missa ao Domingo e de assar uma galinha pela Festa de Nossa Senhora da Encarnação. Gostava de assistir às fogaças e de provar um copo de água-pé pelo São Martinho.
Um dia a Senhora Doutora veio ver a Celestina ali ao lado, acamada há que tempos. Coitada ! Deu de caras com ela à saída e perguntou-lhe pela saúde. «Vai-se andando. De vez em quando uma dor por baixo da barriga.» «Passe lá pelo posto médico amanhã para eu ver isso.» Lá foi, mais para não fazer desfeita à Senhora Doutora, do que pelas dores de barriga. Foi consultada, a Senhora Doutora torceu o nariz e mandou-lhe fazer umas análises. Um. dia recebeu o recado para ir ao posto médico. Foi aflita, pois para mandá-la chamar assim, coisa boa não era. A Senhora Doutora tinha recebido o resultado das análises e havia um problemazito. Era melhor ela ser vista por um doutor das senhoras. Ela tinha qualquer coisa no útero e essa não era a especialidade dela.
– Um doutor das senhoras? Daqueles que mandam tirar a roupa? A Senhora Doutora devia estar a brincar! ...
– Ó Senhora Umbelina, posso arranjar - lhe uma médica, não precisa ser um médico.
– Ah, mesmo assim!...nesta vida só a parteira Aurora a tinha visto como Deus a deitou ao mundo. Nem o seu António para lhe fazer os filhos!... Só às escuras, como agrada a Deus.
– Mas a senhora precisa ser vista, precisa de se tratar. O Senhora Doutora, eu só sinto umas dorzitas de vez em quando...
– Por isso mesmo, ainda vai a tempo de se tratar.
A Ti Umbelina não regateou mais para não faltar ao respeito à Senhora Doutora. Mas foi para casa de credencial na mão e decisão firme de jamais abrir as pernas para quem quer que fosse. Ela era uma mulher séria!!! Calou- se bem calada e evitou daí para diante encontrar-se com a Senhora Doutora. Por respeito. Nunca mais foi ao posto médico e morreu aos 86 anos de idade na mesma cama do seu António no dia da Ascenção de Nossa Senhora ao Céu.
Conto incluído no livro Alfabeto no feminino, Mar da Palavra, 2005
quinta-feira, 25 de março de 2010
Menina dos cabelos ruivos
Tinha cabelos cor-de-fogo
Laço a condizer co’a alegria
Pulava, saltava e corria.
Tinha vestido de menina-bem
Laço na cintura, cantava
Pulava, corria e saltava
Tinha botas altas modernas
Bonecos nas meias, folia
Saltava, pulava e corria
Tinha bolsinha a tiracolo
Ar de quem em casa mandava
Saltava, corria e pulava
Tinha laço, vestido e bolsinha
Botas altas, meias em perna esguia
E corria, corria, corria…
24-01-2010
terça-feira, 23 de março de 2010
Alda Espírito Santo
Morreu Alda Espírito Santo
Dado o agravamento do seu estado de saúde, fora há dias transferida para Angola, onde lhe amputaram uma perna para conter a gangrena provocada por má circulação sanguínea; mas entretanto entrara em coma.
Nascida em 1926, frequentou a Universidade de Lisboa e na Casa dos Estudantes do Império, foco do nacionalismo das antigas colónias africanas, conviveu com Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade e Marcelino dos Santos.
Deixou os livros de poemas "O Jogral das Ilhas", de 1976, e "É nosso o solo sagrado da terra", de 1978.
PÚBLICO
http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/africa/2010/2/10/Faleceu-Alda-Espirito-Santo,22162368-de57-46f8-869c-75378e9cbf4c.html
Lá no água grande
Lá no "Água Grande" a caminho da roça
negritas batem que batem co'a roupa na pedra.
Batem e cantam modinhas da terra.
Cantam e riem em riso de mofa
histórias contadas, arrastadas pelo vento.
Riem alto de rijo, com a roupa na pedra
e põem de branco a roupa lavada.
As crianças brincam e a água canta.
Brincam na água felizes...
Velam no capim um negrito pequenino.
E os gemidos cantados das negritas lá do rio
ficam mudos lá na hora do regresso...
Jazem quedos no regresso para a roça.
A política e poeta Alda Espírito Santo, que lutou pela independência de São Tomé e Príncipe, morreu hoje numa clínica de Luanda.
Alda Espírito Santo era presidente da União Nacional dos Escritores e Artistas São-Tomenses e já fora presidente da Assembleia Nacional, bem como ministra da Educação, da Cultura e da Informação.
Dado o agravamento do seu estado de saúde, fora há dias transferida para Angola, onde lhe amputaram uma perna para conter a gangrena provocada por má circulação sanguínea; mas entretanto entrara em coma.
Nascida em 1926, frequentou a Universidade de Lisboa e na Casa dos Estudantes do Império, foco do nacionalismo das antigas colónias africanas, conviveu com Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade e Marcelino dos Santos.
Deixou os livros de poemas "O Jogral das Ilhas", de 1976, e "É nosso o solo sagrado da terra", de 1978.
PÚBLICO
http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/africa/2010/2/10/Faleceu-Alda-Espirito-Santo,22162368-de57-46f8-869c-75378e9cbf4c.html
Lá no água grande
Lá no "Água Grande" a caminho da roça
negritas batem que batem co'a roupa na pedra.
Batem e cantam modinhas da terra.
Cantam e riem em riso de mofa
histórias contadas, arrastadas pelo vento.
Riem alto de rijo, com a roupa na pedra
e põem de branco a roupa lavada.
As crianças brincam e a água canta.
Brincam na água felizes...
Velam no capim um negrito pequenino.
E os gemidos cantados das negritas lá do rio
ficam mudos lá na hora do regresso...
Jazem quedos no regresso para a roça.
segunda-feira, 22 de março de 2010
Lá fora
Hoje fui lá fora ver a vida.
Encadear-me com o riso dos petizes
Escutar o brilho das águas-prata
Saborear o sol alto de inverno
Tactear o afecto dos demais
Inalar o vento nos canaviais.
A vida lá fora olhou para mim
Inspeccionou-me a alma fria
Perscutou-me o abandono da pele
Ouviu a tristeza muda e solitária
Cheirou-me o rosto decadente
Afagou-me a lucidez carente.
24-01-2010
Encadear-me com o riso dos petizes
Escutar o brilho das águas-prata
Saborear o sol alto de inverno
Tactear o afecto dos demais
Inalar o vento nos canaviais.
A vida lá fora olhou para mim
Inspeccionou-me a alma fria
Perscutou-me o abandono da pele
Ouviu a tristeza muda e solitária
Cheirou-me o rosto decadente
Afagou-me a lucidez carente.
24-01-2010
Poema e foto de Ana Paula Mabrouk
sexta-feira, 19 de março de 2010
Florbela ou um conto rural bem humorado
FLORBELA
«Quem tinha umas mãos de fada erá minha Florbela!» Esta era uma das suas frases preferidas. Segundo ela a sua Florbela era um modelo de virtudes. Não havia ninguém que lhe chegasse aos calcanhares. «Num era cum'essas badanecas d'oje que não sabem fazer nada. As cachopas d'oje querem é andar de cabeça no ar c'os rapazes. Uns badamerdas que nem trabalhar querem. Antigamente sim, isso é qu' eram homes. Homes ali d' enxada na mão, que sabiam fazer tudo, cumó meu falecido, que Deus o tenha. Roçaba ali uma carrada de mato enquanto o Diabo esfregaba um olho. Hoje ninguém quer trabalhar. Encostam-se ali no café a jogar a sueca e a beber cerbêja o dia interinho. Ah, mas a minha Florbela não bai na cantiga. É o bais!... O rapaz dela há-de ser gente boa. Gente boa e trabalhadeira. Não há-de ser cum' esses quinda por cima bibem à custa das mulheres.É só pôr os olhos no menino Joãozinho e na menina Zabelinha!...Até corta o coração da gente ber assim uma menina noba no 'stado qu'ela 'stá!...E atão sem precisão! Aquele menino Joãozinho é um judéu disfarçado. Inté capaz de dizer que Deus não é Deus! ! ! Inda onte telefonou à menina a pedir mais dinheiro. Mais dinheiro, a bezinha beja bem!... Só s'ela o roibar! Cum duas crianças piquenas pra gobernar e só d'ordenado dela...Sim, porqu'aquela não bê o cheiro do dinheiro dele há um ror de tempo. Diz ele qu'o dinheiro que lhe roibaram no assalto- a gente sabe bem qu' assalto, era lá do serviço e qu' ele agora tem que o pôr do bolso dele. Quant'a mim, é mais do bolso dela. Lérias, é o que é. Ah mas a minha Florbela não bai nessas cantigas. Não qu'eu 'stou d'olho. Não bou deixar um fedelho qualquer meter as mãos na minha menina. Há-de ter milhor sorte se Deus quiser e eu não morrer antes. »
Mãe coruja, continuou a sê-lo mesmo depois da cria ter batido asas e voado. A sua Florbela não era mais do que uma rapariguita enfezada que andava sempre descalça e se assoava à manga descosida da camisola. Incitada constantemente pela mãe a compor-se, lá escovava os cabelos oleosos de vez em quando e tirava a ramela dos olhos perpetuamente ensonados. Tirara a quarta classe com dificuldade, deixando-se depois ficar em casa.
Quando se faziam as grandes limpezas da Primavera em nossa casa, a ti Maria trazia-a sempre atrelada. «Sempre dá uma ajudazita» - dizia em jeito de explicação. E que grande ajuda! Encostava-se às paredes de olhos parados e mãos caídas. «Ó rapariga mexe-me esses ossos", ralhava-lhe a mãe. "Passa-me aí o esfregão, arregaça-me essas mangas!» Mas de nada serviam os ralhetes da mãe.
Um dia começou a rondar a casa um rapaz mal encarado, permanentemente despenteado, guiando uma motorizada cansada que fazia uma barulheira infernal. A mãe acautelou-a :« Ó rapariga, s'aquele biralatas pensa qu'eu criei uma filha pró bico dele, 'stá muito enganadinho. Pode já indo tirando o cabalo da chuva..» A sua Florbela parecia não ter ouvido, pois todos os dias à tardinha lá estava ela à janela esperando o seu motoqueiro andante.
Um dia ao passar por ela notei qualquer coisa de diferente. O cabelo continuava oleoso, o pé descalço, os olhos com ramela, mas havia alguma coisa. ..E de repente fez- se luz: a Florbela tinha engordado! Mas seria o que eu estava a pensar?
Um dia entra a ti Maria disparada pela casa adentro, de mãos à cabeça e «ai bezinha » na boca.
– Ai bezinha, que desgraça a minha!...", gritava sem parar.
– Que foi mulher! , perguntou a minha mãe assustada.
– Ai ó bezinha o qu 'é qu 'há-de ser de mim! ? ‘ Stou perdida , e arrepelava os cabelos.
– Aconteceu alguma desgraça?, tornou a minha mãe de olhos aflitos.
– Ai a minha Florbela!...Antes tivesse morrido.., gemia.
– Desembuche, mulher. Pelo amor de Deus!
– ‘stou sem pinga de sangue. Benho agorinha mesmo do posto médeco saber os resultados dumas análeses qu ' a minha Florbela fez, a bezinha sabe, por causa daqueles gómitos qu'ela tem tido, e aqueles desmaios qu'a a têm posto amarelinha de há uns tempos a esta parte, e bai o médeco e não me diz qu'ela 'stá prenha! ! ! Ai ó mulher o qu'é que há-de ser da minha bida!...
– A sua Florbela! ! !
– A minha Florbela.! A minha menina!...Eu tamém lhe disse qu'ele 'stava doido da moleirinha, qu'a minha Florbala não era dessas, qu'as análeses 'stavam trocadas .
– E ele ?
– E ele, aquele mal educadão, disse-me nesta cara qu'a terra há-de comer qu'era tão certo a minha Florbela 'star grábeda cumo ele não 'star!... E que me fosse preparando que daqui a 6 meses já habia de ser abó.
– E quem é o pai ?
– Ai é que 'stá. A minha Florbela não quer dizer. Eu só sei qu'ela não era menina que tibesse pr'aí namoricos cum ninguém. Só pode ser aquele filho dum cão que não paraba de rondar a minha casa. A minha menina desonrada, mulher. Ai de mim!...
- E a ti Maria nunca desconfiou de nada?
– De nada. E nem houbera. A minha Florbela andaba sempre mais eu. Pra onde eu ia, lebaba-a tamém. Só não ia pró o rio porque é muito fraquinha dos pulmões. Mas o meu Ambrósio ficaba sempre cum ela. Gosta muito dela o meu Ambrósio. Gosta dela cuma filha. Eu até lhe dizia pra ele não a 'stragar cum mimos. E agora acontece-lhe uma coisa destas! Nem 'stou em mim!
–Ó filha, vai buscar um copo com água para a Ti Maria. Atão como é que ela fez uma coisa daquelas?
– Sei lá mulher, sei lá! O meu Ambrósio diz que só se foi algum dia qu'ele 'staba dormir a sesta. Qu'ele nem é home de dormir.a sesta, mas uma bez por outra, a bezinha compreende, um home não é de ferro...Brigada ò miga
– Beba, beba que lhe faz bem.
– A bezinha habia de ber o meu Ambrósio quando soube. Ficou branco cumo a cal da parede. Até perdeu a fala, coitadinho. Ele gostaba muito da minha Florbela, já se sabe. E tamém não é pra menos. O meu Ambrósio é um santo. Ficou de tal maneira atordoado que nem bateu nela, nem nada! Só ralhou um cochichito até ela começar a chorar. Ah, mas ele diz quo motoqueiro não lhe 'scapa. Ninguém sabe de quem aquele desgraçado é filho, ah mas o meu Ambrósio trata-lhe da saúde. S’ele pensa qu ' é só andar aí a fazer filhos às filhas dos outros, pode tirar o cabalinho da chuva.
Meu dito, meu feito. O que o senhor Ambrósio disse ou fez, ninguém sabe. O que se sabe é que o rapaz embora afirmasse sempre que não tinha nada a ver com o filho da Florbela, acabou mesmo por casar com ela. Ela, de barriga inchada e cara envergonhada, enfiou um vestido curto e foi ao altar prometer aceitar da mão de Deus os filhos, blá, blá, blá. ..
Seis meses mais tarde nascia uma menina a quem foi posto o nome de Florbela, como a mãe.
Ainda hoje o Tó da motorizada, continua a afirmar não ser o pai da criança, e as más línguas comentam que não haja dúvida, atão não é que a pequena Florbela é mesmo a cara chapada do senhor Ambrósio!...
segunda-feira, 15 de março de 2010
No Dia Mundial do Consumidor
Se tiverem mesmo que consumir, consumam livros!
ZULMIRA
E depois há este sentimento de voltar a casa. Velhos hábitos, velhos quadros, velhos cheiros. A sensação inconfundível de reconhecer as coisas, as pessoas, os lugares. Chegar, respirar e sentar no sofá cansado saboreando o momento do regresso. Sempre acreditei que as casas possuem o seu ambiente próprio, independentemente de quem as habita. Chão, paredes, tecto, camas e mesas são apenas o que são e não têm as conotações que lhe atribuem. Nenhuma casa possui bons ou maus augúrios: uma casa existe simplesmente.
A minha casa era assim. Não tinha gritos pendurados nas paredes, nem ódios a escorrer dos beirais, nem mesmo ressentimento no chiar da velha cama. A minha casa tinha o mesmo cheiro e aspecto de sempre, e deles eu sentia saudades. Por eles estava contente por regressar. A maior felicidade que tivera era encontrá-la vazia, sem gente a atrapalhar. Pudera então usufruí-la plenamente, apenas com o silêncio por companheiro. Matámos as saudades e pusemos a conversa em dia. Murmurámos segredos ao ouvido e rimos alegremente ao relembrar velhas histórias. Como era bom estar de volta! ...
Tudo permanecia exactamente igual e essa certeza enchia-me de confiança e de determinação. Precisava dessa permanência, dessa base de estabilidade para dar o salto. Estava decidida a ser feliz e ia ser. Perdera já demasiado tempo e inventara demasiadas desculpas. Chegara finalmente o momento e com uma energia que advém das longas reflexões tinha toda a intenção de agarra-lo com ambas as mãos e tirar partido da oportunidade. E não havia que enganar: essa oportunidade estava mesmo ali à mão. Sorri ao imaginar a cara de todos quando soubessem a notícia: ia publicar um livro.
O meu sorriso alargou-se, comunicou-se aos olhos, ao nariz, à testa. Sentia-me muito calma. Munida com a coragem de uma convicção anos e anos a fio recalcada, gozava antecipadamente o meu momento de glória. Sem me aperceber, há muito que havia rebentado as correntes: nem medo, nem desespero, nem covardia, nem ódio, nem pena. Tudo pertencia ao passado. Nem mesmo amor, se algum restara. Apenas um pensamento: salva-te enquanto podes. E ainda era tempo. Tempo de recomeçar a viver, tempo de tirar partido de mim. E por que não? Já todos o haviam feito. A única diferença era que eu pretendia usar-me em proveito próprio. Afinal de contas é-se sempre sozinho. No meio das multidões ou na intimidade do nosso quarto é-se sempre sozinha. Por isso vou apostar em mim. Sei os trunfos que tenho e as cartas que quero jogar. E o mais importante é que ainda acredito em mim, sabendo que mais ninguém o faz. É esse o meu segredo. Sei que há amores felizes, mas mesmo esses requerem incógnitas e dúvidas e lágrimas. Eu só requero algum espaço e liberdade. Basta uma página em branco à espera de uma história. E dias de chuva e noites silenciosas e cúmplices. E recordações nebulosas. E sonhos. Muitos sonhos.
Um livro é um jogo de inventar e um jogo que se inventa. Ir desvendando a pouco e pouco os seus segredos, travar conhecimento com os seus eus, pensar as palavras. Ousar transpor as barreiras do real, assomar as do impossível. Doar-se por inteiro a um mundo que passa a ser o nosso, a um mundo que passamos a ser nós mesmos. Fantasia ou realidade? Que importa?! A serpente de uma morde a cauda da outra numa história que se eterniza, numa história interminável.
Jogo às escondidas. Vivo por entrepostas pessoas e não sei se alguém me sonha ou se sou eu própria que em sonhos me escrevo. O mistério esconde-se nas entrelinhas de cada verso, nos períodos de cada frase. Pistas e presságios vão construindo a ilusão de que somos nós o herói do que lemos na concretização do sonho há muito esquecido no fundo de alguma velha gaveta. Gaveta de desvarios, de mundos empoeirados, amarelecidos pela espera. E depois a cumplicidade marginal de uma nova descoberta. A aventura de ser louca e poeta e quem sabe mulher ao mesmo tempo. Ou mulher sobretudo ou sobretudo mulher.
Conto nº 26 e último do livro Alfabeto no feminino.
P.S.: Não os tenho publicado por ordem, por isso ainda faltam uns quantos....
ZULMIRA
E depois há este sentimento de voltar a casa. Velhos hábitos, velhos quadros, velhos cheiros. A sensação inconfundível de reconhecer as coisas, as pessoas, os lugares. Chegar, respirar e sentar no sofá cansado saboreando o momento do regresso. Sempre acreditei que as casas possuem o seu ambiente próprio, independentemente de quem as habita. Chão, paredes, tecto, camas e mesas são apenas o que são e não têm as conotações que lhe atribuem. Nenhuma casa possui bons ou maus augúrios: uma casa existe simplesmente.
A minha casa era assim. Não tinha gritos pendurados nas paredes, nem ódios a escorrer dos beirais, nem mesmo ressentimento no chiar da velha cama. A minha casa tinha o mesmo cheiro e aspecto de sempre, e deles eu sentia saudades. Por eles estava contente por regressar. A maior felicidade que tivera era encontrá-la vazia, sem gente a atrapalhar. Pudera então usufruí-la plenamente, apenas com o silêncio por companheiro. Matámos as saudades e pusemos a conversa em dia. Murmurámos segredos ao ouvido e rimos alegremente ao relembrar velhas histórias. Como era bom estar de volta! ...
Tudo permanecia exactamente igual e essa certeza enchia-me de confiança e de determinação. Precisava dessa permanência, dessa base de estabilidade para dar o salto. Estava decidida a ser feliz e ia ser. Perdera já demasiado tempo e inventara demasiadas desculpas. Chegara finalmente o momento e com uma energia que advém das longas reflexões tinha toda a intenção de agarra-lo com ambas as mãos e tirar partido da oportunidade. E não havia que enganar: essa oportunidade estava mesmo ali à mão. Sorri ao imaginar a cara de todos quando soubessem a notícia: ia publicar um livro.
O meu sorriso alargou-se, comunicou-se aos olhos, ao nariz, à testa. Sentia-me muito calma. Munida com a coragem de uma convicção anos e anos a fio recalcada, gozava antecipadamente o meu momento de glória. Sem me aperceber, há muito que havia rebentado as correntes: nem medo, nem desespero, nem covardia, nem ódio, nem pena. Tudo pertencia ao passado. Nem mesmo amor, se algum restara. Apenas um pensamento: salva-te enquanto podes. E ainda era tempo. Tempo de recomeçar a viver, tempo de tirar partido de mim. E por que não? Já todos o haviam feito. A única diferença era que eu pretendia usar-me em proveito próprio. Afinal de contas é-se sempre sozinho. No meio das multidões ou na intimidade do nosso quarto é-se sempre sozinha. Por isso vou apostar em mim. Sei os trunfos que tenho e as cartas que quero jogar. E o mais importante é que ainda acredito em mim, sabendo que mais ninguém o faz. É esse o meu segredo. Sei que há amores felizes, mas mesmo esses requerem incógnitas e dúvidas e lágrimas. Eu só requero algum espaço e liberdade. Basta uma página em branco à espera de uma história. E dias de chuva e noites silenciosas e cúmplices. E recordações nebulosas. E sonhos. Muitos sonhos.
Um livro é um jogo de inventar e um jogo que se inventa. Ir desvendando a pouco e pouco os seus segredos, travar conhecimento com os seus eus, pensar as palavras. Ousar transpor as barreiras do real, assomar as do impossível. Doar-se por inteiro a um mundo que passa a ser o nosso, a um mundo que passamos a ser nós mesmos. Fantasia ou realidade? Que importa?! A serpente de uma morde a cauda da outra numa história que se eterniza, numa história interminável.
Jogo às escondidas. Vivo por entrepostas pessoas e não sei se alguém me sonha ou se sou eu própria que em sonhos me escrevo. O mistério esconde-se nas entrelinhas de cada verso, nos períodos de cada frase. Pistas e presságios vão construindo a ilusão de que somos nós o herói do que lemos na concretização do sonho há muito esquecido no fundo de alguma velha gaveta. Gaveta de desvarios, de mundos empoeirados, amarelecidos pela espera. E depois a cumplicidade marginal de uma nova descoberta. A aventura de ser louca e poeta e quem sabe mulher ao mesmo tempo. Ou mulher sobretudo ou sobretudo mulher.
Conto nº 26 e último do livro Alfabeto no feminino.
P.S.: Não os tenho publicado por ordem, por isso ainda faltam uns quantos....
quarta-feira, 10 de março de 2010
Tocando em frente
Para quem não conhece, aqui fica um video alheio (mas que eu subscrevo) com o fundo musical da canção de Maria Bethânia "Tocando em frente".
terça-feira, 9 de março de 2010
Dia da Mulher
Fez ontem 5 anos que foi publicado o meu primeiro livro Alfabeto no feminino. O editor escolheu precisamente este dia como forma de assinalar a data, dada a temática do livro. O facto gerou grande controvérsia: Porquê assinalar o dia da mulher, se não há um dia dos homens. Uma das convidadas do painel pensou, inclusive, em não estar presente. Polémicas à parte, considero importante este dia como um dia de luta pela igualdade de oportunidades e de denúncia pelas inúmeras situações de injustiças às quais as mulheres estão ainda sujeitas. Todos os dias são de luta: neste consegue-se captar, com maior intensidade, as luzes dos holofotes.
Definição de mulher: aquele ser que resiste ainda e sempre à adversidade.
Deixo-vos um conto de quem não o conseguiu fazer. Para pensar....
ELISA
Olhou uma vez mais para as águas escuras e um arrepio sacudiu-lhe o corpo todo. No estômago as borboletas agitavam as asas desenfreadamente, arremessando-se com violência contra as suas paredes. As mãos crispadas agarravam as grades da ponte e estavam geladas. A boca estava seca e áspera como se tivesse comido um diospiro verde. A garganta doía à medida que o nó a estrangulava. As pupilas estavam húmidas, mas as lágrimas não escorriam. Só caíam para dentro. As veias da testa latejavam descompassadamente. Tudo nela era um frenesim que lhe descontrolava a respiração. Arfava como um galgo após uma corrida, confuso com o desaparecimento do coelho. Sentia-se perdida, desamparada e num beco sem saída.
Por uns segundos arrepiou caminho. Se calhar ainda havia esperança, mesmo que fosse só uma réstia, lá no fundo do túnel. Se calhar ainda era tempo de tentar mais uma vez. Reviu toda a sua vida num flash e de repente na calada da noite ouviu-se um «o tanas» e um forte baque nas águas do rio. Depois só o silêncio. E a escuridão de um céu sem estrelas.
Carla, uma amiga
«A Elisa andava deprimida, só agora percebo o quanto. Quem me dera que ela tivesse falado comigo, confiado em mim, desabafado o que lhe ia na alma. Eu não posso crer que ela tenha mesmo feito isto!...Noutro dia tinha-me dito que não tinha medo da morte: tinha muito mais medo da vida. Eu achei estranho, mas nunca pensei que ela chegasse a este ponto. Não, não sei porquê. Ou melhor, desconfio. O casamento dela não ia muito bem: ela sentia-se muito sozinha e desprezada. Andava muito triste, mas quando conversava connosco depressa se animava e estava sempre a contar anedotas. Era ela quem acabava por nos animar a nós. A Elisa era uma óptima amiga, sempre preocupada com os outros. No entanto era muito fechada: nunca ninguém sabia a fundo o que se passava com ela. De vez em quando deixava escapar alguma coisa, mas nunca aprofundava a sua vida particular.»
João, um colega
«Isto é um grande choque. A Elisa era uma mulher com uma energia invejável. Ela trabalhava, andava a tirar um mestrado, ia ver a mãe ao lar da terceira idade todos os dias, estava metida em mil e um projectos. Ela era uma força viva da natureza. Não consigo compreender o seu acto. Apanhou toda a gente de surpresa.»
Emília, uma vizinha
« Eu não a conhecia assim muito bem. Ela só veio morar para aqui há alguns anos. Mas eu achava-a uma pessoa simpática: cumprimentava as pessoas, passeava os cães, andava sempre no jardim de volta das flores. O marido via-se pouco, mas ela, quando estava bom tempo, andava sempre no jardim. Via-a às vezes a passear com a filha: via-se que gostava muito dela. Chamava-lhe ‘a minha princesa’.»
O Sr. Manel, da padaria
«A Senhora Elisa era uma pessoa muito educada. Vinha cá comprar pão muitas vezes. Muito discreta, sempre bem vestida. Não gostava de pinturas. Tomava sempre um café e levava um chocolate para a miúda. Acho que tinha uma filha de três anos. Nunca ficou a dever nada. Antes queria que eu lhe ficasse a dever quando não tinha trocos. Da última vez achei-a um bocadinho abatida.»
Rita, a irmã mais nova
«A Elisa trabalhava demais. Ela quase não tinha vida social. Nunca saía para lado nenhum: ou estava a trabalhar ou a tomar conta da filha. O mal dela era ser tão responsável, por isso é que nós não nos dávamos muito bem. A minha irmã não se divertia. E depois meteu-se com a casa e o dinheiro era sempre pouco ao fim do mês. Também acho que o meu cunhado dava umas voltas por fora.»
O Sr. Barreto, o gerente do banco
«A senhora Elisa era uma senhora como poucas. Era ela quem movimentava as contas e tratava das papeladas todas. Nunca vi o marido. Ela é que veio pedir o empréstimo para o carro, depois para a casa. Vinha requisitar os cheques, depositar o ordenado, levantar os cartões. Achei uma coisa estranha da última vez. Veio consultar-me sobre a possibilidade de reformular o empréstimo, mas não havia nada a fazer. Já tinha o prazo mais dilatado possível e já não tinha direito a juro bonificado. Depois levantou dinheiro com um cheque, pois disse que o marido é que andava com os cartões todos.»
A Dona Bina, a empregada
« A Dona Elisa era uma boa patroa. Pagava sempre ao fim do mês, dava-me uma prenda pelos anos, Páscoa e Natal. Quando eu precisava de faltar, nunca se queixava. Um dia estraguei-Ihe o micro-ondas e ela nem me descontou do ordenado. Disse que azares destes acontecem a toda a gente. O marido era muito esquisito: a roupa dele era toda cheia de etiquetas. Parecia um manequim. Não sei o que ele faz, mas a senhora é que tinha um curso e parecia empregada dele. Coitadinha!...»
A Senhora Augusta, a educadora da filha
«A Senhora Elisa era uma mãe atenta. Tinha uma boa relação com a filha. A Inês era uma miúda alegre, inteligente, bem falante e equilibrada. Fala muito da mãe, coitada. Não sei como é que uma mãe pode fazer uma coisa destas à filha! Não pensar nela. O pai vem agora cá mais vezes.»
A médica de família
« A Elisa não tinha uma vida fácil. Veio cá há um mês queixar-se que andava muito cansada e se eu lhe receitava uns comprimidos para dormir. Tinha a tensão baixa, receitei-lhe uns anseolíticos :uma caixa de Xanax. Mandei-lhe fazer umas análises mas ela nunca mais cá veio. Não sei os resultados. Achei-a preocupada com alguma coisa que não me disse e até foi um bocado seca quando lhe sugeri que fizesse uma dieta, pois estava com uns quilitos a mais.»
O Pedro, o irmão mais velho
« A minha irmã Elisa nunca foi de muitas falas. Sempre foi uma menina bem comportada, ao contrário da Rita e de mim. Nunca chumbou, nunca faltava às aulas, só namorou com um rapaz, casou com ele. Não sei por que é que ela tinha problemas. Quer dizer, problemas todos temos, mas problemas capazes de levá-la ao desespero.. Não lhe ouvi uma discussão com o marido, nunca teve uma briga comigo. Era uma pessoa sossegada e parecia viver contente. Gostava da filha, da profissão, gostava de estudar, da casa,... Era incapaz de matar um bicho, fazia reciclagem de tudo, detestava dar nas vistas. Nunca hei-de perceber por que é que ela se matou. Deixou-nos a todos de repente, sem uma despedida sequer. Nada.»
A Sra Maria do Céu, uma tia de idade
«A Elisa desde que foi viver para longe nunca mais foi a mesma. Via-a poucas vezes desde o funeral do pai. Depois a mãe com aquele problema, foi para o lar. Há muita gente que lhe levou a mal. Eu não. Hoje em dia a vida é sempre a correr e a minha sobrinha não podia ficar em casa a tomar conta da mãe. Ela precisava trabalhar e afinal de contas pôs a mãe num lar lá perto de casa. Pelo que dizem ia lá vê-la todos os dias. Eram muito amigas, quando a minha irmã ainda não tinha perdido o juízo.»
Diogo, o marido
«A Elisa nunca estava contente. Lamentava-se sobre tudo: da falta de dinheiro, de eu nunca estar em casa, de ninguém lhe ligar nenhuma. Não percebia que se eu queria subir na carreira tinha que mostrar trabalho, que fazer serão. Depois dizia que eu não ligava nenhuma à Inês. Não é verdade! Eu não tenho é paciência, nem jeito para brincadeiras de mulheres. A situação na casa tornou-se complicada e ela não queria de maneira nenhuma sair daqui. Depois meteu-se-lhe na cabeça que eu tinha uma amante, só porque ficava muitas noites a trabalhar com ela. Acho que tinha mais complexos por a minha colega ser mais bonita do que ela. Também, a Elisa desleixou-se muito ultimamente. Só queria dormir. Até acho que nem gostava mais de sexo. Andava sempre sem maquilhagem e o corte de cabelo não a favorecia nada. Eu disse-lhe. Depois meteu-se no mestrado e andava sempre cansada e stressada. Passava os fins-de-semana a trabalhar e não percebia que se eu me farto de trabalhar toda a semana, ao Sábado e ao Domingo preciso de me divertir com os meus amigos. Eu nunca a proibi de fazer o mesmo. Ela agarrava-se muito à filha. Podia-a deixar mais vezes em casa da minha mãe, mas não. Não sei por que é que se matou. Tinha uma vida como toda a gente, mas é mesmo típico dela: fugir aos problemas. Já a mãe fez a mesma coisa. Nunca lhe hei-de perdoar o que fez à filha. A Inês merecia uma mãe melhor.»
Ana Paula Mabrouk
domingo, 7 de março de 2010
Paula
Mulher de Sonho procura homem de sonho Mulher alegre, experiente, carinhosa e inteligente está farta de dormir com os pés frios. Gosto de rir, conversar, contar histórias e fazer os outros felizes. Adoro o mar e os passeios a pé noite dentro Gosto de acordar tarde aos fins-de-semana, beber café nas esplanadas e tenho um fraco pelo Oriente. Sou capaz de cumprir o horário de trabalho com pontualidade, ser eficiente e responsável, arrumar 1 casa em tempo recorde, fazer um jantar requintado em três tempos e ainda ter um orgasmo duplo. Gosto de ler desde Tom Sharpe a Gabriel García Márquez, e sempre, mas sempre, Femando Pessoa Conheço a diferença entre um "bull market" e um "bear market" e sei que NASDAQ não é uma marca de roupa de um costureiro japonês. A minha paixão é o meu filho e sou uma mãe atenta e babada. Procuro homem com sentido de humor que ame a vida e a queira viver em plenitude. Deverá ser culto, atencioso e bonito por dentro. Atenção: Cavalheiro para fins não sérios. Estou na casa dos trinta, sou morena e não tenho as medidas de uma top model. Se achas que és homem capaz de partilhar os meus talentos, responde com imaginação para: Paula@mail. pt
Conto incluído no livro Alfabeto no feminino
sexta-feira, 5 de março de 2010
Palavras
As palavras nada dizem
Tudo fica por dizer
Escondido nos cantos e recantos
Do mais inacessível do meu ser.
Brotam apenas farrapos
Memórias do viver.
As palavras nada dizem
Tudo fica por dizer.
Poema publicado na Antologia Poiesis, vol. XVIII, publicada a 27 de Março de 2010
Tudo fica por dizer
Escondido nos cantos e recantos
Do mais inacessível do meu ser.
Brotam apenas farrapos
Memórias do viver.
As palavras nada dizem
Tudo fica por dizer.
Poema publicado na Antologia Poiesis, vol. XVIII, publicada a 27 de Março de 2010
segunda-feira, 1 de março de 2010
Agradecimento da Editorial Minerva
Estimados autores do XVIII volume da antologia Poiesis;
Vimos por este meio agradecer a vossa participação no referido projecto e esperamos continuar a merecer a vossa confiança neste e também em outros projectos da Editorial Minerva.
Aproveitamos para vos recordar o blogue da antologia POIESIS através do qual poderão visionar uma pequena "reportagem fotográfica" da cerimónia de apresentação ralizada por Célia Cadete.
Se por acaso tiverem fotos e vídeos da cerimónia, agradecemos o envio dos mesmos a fim de as podermos partilhar com todos os interessados atrávés do blogue do projecto.
Visite, divulgue e comente o bogue:
http://antologiapoiesis.blogs.sapo.pt/
Um grande abraço.
Com os melhores cumprimentos,
Ângelo Rodrigues
A editar - revelando novos autores - desde 1927
www.editorialminerva.com
Lançamento da Poiesis Volume XVIII
Caros amigos(as),
O lançamento correu bem e houve momentos de alegria, nervosismo,
tensão, teatro, lágrimas e até alguma poesia, resumidos no meu Blog
Recomeços(http://newbeginningspoetry.blogspot.com), mas que aqui envio
para quem não tem acesso:
NO LANÇAMENTO DA ANTOLOGIA "POIESIS XVIII" - Auditório Carlos Paredes, Benfica
Quis o acaso, ou a coincidência feliz de calendário, que o lançamento
da Antologia de Poesia "Poiesis XVIII", patrocinada pela Ed. Minerva,
realizada hoje dia 27 de Fevereiro de 2010, data do nascimento do
poeta Ruy Belo, nome maior da poesia portuguesa. Nessa antologia
participo com mais 52 autores, com quatro poemas.
Coube-me assim a ousadia de evocar essa data com mais um instantâneo
poético, rabiscado na noite anterior e que aqui vos deixo:
"HOJE É O DIA DE SER HOJE
Hoje é dia 27 e estás aqui,
Os dedos pousados nas palavras como frestas
Acompanhas-me no olhar vasto oceânico
das vagas rolando monótonas sobre a praia
Olhei-te como sempre de perfil
Os olhos misturados na distância,
na errância da palavra repetida
como linhas na terra desenhadas
Existe um grande rio que em mim desagua
e transporta sedimentos de palavras
podia ser um campo fecundo, agricultado
ainda hoje nasces nos campos de Portugal.
Hoje é o dia de seres hoje,
O tal futuro de que falavas, cumpriu-se:
mas o solo é pobre, feito de lodo espesso,
os pássaros azuis debicando a luz...
(em dedicatória ao poeta Ruy Belo na data do seu nascimento)"
A todos quantos têm acompanhado os meus exercícios de escrita um
sincero agradecimento,
Paulo da Ponte
O lançamento correu bem e houve momentos de alegria, nervosismo,
tensão, teatro, lágrimas e até alguma poesia, resumidos no meu Blog
Recomeços(http://newbeginningspoetry.blogspot.com), mas que aqui envio
para quem não tem acesso:
NO LANÇAMENTO DA ANTOLOGIA "POIESIS XVIII" - Auditório Carlos Paredes, Benfica
Quis o acaso, ou a coincidência feliz de calendário, que o lançamento
da Antologia de Poesia "Poiesis XVIII", patrocinada pela Ed. Minerva,
realizada hoje dia 27 de Fevereiro de 2010, data do nascimento do
poeta Ruy Belo, nome maior da poesia portuguesa. Nessa antologia
participo com mais 52 autores, com quatro poemas.
Coube-me assim a ousadia de evocar essa data com mais um instantâneo
poético, rabiscado na noite anterior e que aqui vos deixo:
"HOJE É O DIA DE SER HOJE
Hoje é dia 27 e estás aqui,
Os dedos pousados nas palavras como frestas
Acompanhas-me no olhar vasto oceânico
das vagas rolando monótonas sobre a praia
Olhei-te como sempre de perfil
Os olhos misturados na distância,
na errância da palavra repetida
como linhas na terra desenhadas
Existe um grande rio que em mim desagua
e transporta sedimentos de palavras
podia ser um campo fecundo, agricultado
ainda hoje nasces nos campos de Portugal.
Hoje é o dia de seres hoje,
O tal futuro de que falavas, cumpriu-se:
mas o solo é pobre, feito de lodo espesso,
os pássaros azuis debicando a luz...
(em dedicatória ao poeta Ruy Belo na data do seu nascimento)"
A todos quantos têm acompanhado os meus exercícios de escrita um
sincero agradecimento,
Paulo da Ponte
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