domingo, 27 de outubro de 2013

Debaixo de Algum Céu de Nuno Camarneiro

Caros amigos e leitores, 

deixo-vos o texto que escrevi para a apresentação do livro Debaixo de algum céu de Nuno Camarneiro, em Avis, no âmbito d'Escritos & Escritores 2013



Debaixo de Algum Céu é um livro de aparente fácil leitura. Tem uma escrita escorreita, sem grandes floreados linguísticos, sem recurso a palavras muito eruditas ou a ideias que requerem grandes conhecimentos literários ou pensamentos metafísicos intrincados. Lê-se ao correr da palavra e não fica se enredado nas malhas de construções frásicas e ideológicas que nos assaltam ao virar de cada parágrafo. Contudo, esta facilidade é só aparente. A verdadeira complexidade encontra-se no desenho das personagens e na sua humanidade, plena de contradições internas e de escolhas que se questionam mais tarde. É no plano do conhecimento humano e na construção das personagens que reside, quanto a mim, a atração deste livro. Não há heróis, nem vilões, nem mártires. Há apenas pessoas normais que poderiam representar cada um de nós e a nossa demanda pela felicidade, o que quer que essa ideia abstrata consubstancie.

Este livro inicia-se com um preâmbulo do narrador, que desde logo se assume como omnisciente e observador atento da história. Nele, o narrador contextualiza a trama narrativa, apresentando o local – um prédio à beira mar, numa cidade de província com pouco mais de 2.000 habitantes, entre eles pescadores, gente pobre, famílias fugidas das grandes cidades e “alguns homens estranhos”; o tempo – final do ano, sete dias de um ano e o primeiro dia do ano seguinte. É também no preâmbulo que tomamos consciência da linha orientadora da história, aquilo a que os alemães denominam de “Rotfaden” ou fio condutor. Trata-se de uma história, de “portas adentro”, emoldurado por um “Inverno pesado e frio”, durante o qual as personagens procuram calor sob várias formas: nas caldeiras, na lareira, nos corpos dos outros e até nos alimentos. Este romance, a que me atrevo a chamar psicológico, vive da economia de tempo – pouco se sabe do passado ou do futuro – e da economia do espaço – a ação concentra-se verdadeiramente no interior do prédio. O leitor só tem acesso ao exterior através de breves lampejos e pela mão dos homens. São eles que usufruem de maior liberdade de movimentos, enquanto as mulheres são apresentadas como seres enclausurados pelas paredes físicas e pelas suas escolhas, que as limitam enquanto seres humanos.

A história é-nos apresentada dia a dia, alternadamente pela voz do narrador e pela voz de uma das personagens, numa dialética que envolve o leitor na trama como mais uma personagem silenciosa, testemunha emotiva mas impotente face ao desenrolar dos acontecimentos. Testemunha emotiva, porque esta é uma história de emoções – medos, raivas, frustrações, anseios, silêncios, abandonos, encontros e desencontros. Não nos deparamos com meros estereótipos mas com personagens humanizadas que se dividem por apartamentos e que se cruzam nas escadas e na porta do prédio, desconhecedoras das vidas uns dos outros, até que um acaso do destino – uma tempestade que causa um corte de luz – obriga a que se entrecruzem e sejam “mais vizinhos”. Como proclama o autor “há semanas grandes como anos e horas infinitas” e esta é a semana das grandes decisões que vão desde reconciliações, a cortes irrevogáveis, passando por reencontros inusitados.

Tão importante como tudo aquilo que se diz, é aquilo que se cala e que às vezes se pressente e outras vezes não. “ Quando alguém conta um dia ou uma vida está a calar quase tudo, as vidas são imensas e não se podem contar só por palavras”, afirma Nuno Camarneiro.
Vamos então abrir as portas dos apartamentos e espreitar as vidas dos moradores, mas só um pouco para não quebrar a expetativa que se impõe a quem irá ler o livro no futuro.
No rés-do-chão esquerdo vive David, um homem solitário e até um pouco agarofóbico. Tem os olhos permanentemente assentes no monitor do computador e as mãos no teclado. “Vive de inventar gente, pagam-lhe para desenhar pessoas que ainda não existem” para uma empresa chamada PORVIR (nome manifestamente adequado e irónico). O projeto desta empresa é futurista e está relacionado com a inteligência artificial e com uma base de dados de pessoas virtuais que possam ser vendidas ou alugadas daqui a alguns anos.
No rés-do-chão direito habita Marco Moço, um velho lobo-do-mar que se passeia diariamente pela praia em busca daquilo que o mar devolve às areias. Marco recolhe objetos que para alguns seriam considerados apenas lixo e com esses objetos constrói uma máquina na cave do prédio. O seu objetivo é tentar recriar uma espécie de “orquestra”  que reproduza os sons do mar.
No primeiro esquerdo vive uma família composta por Adriano, Constança e uma bebé chamada Diana. Ele é um homem irritado e tenso, sempre atrasado do trabalho. Ela é uma mulher que espera, cansada, carente e possessiva em relação à sua bebé, como uma jovem leoa.
No primeiro direito vive Margarida, uma viúva com um gato, que vive de memórias do tempo em que era casada com um engenheiro holandês que desenhava barcos.
Todo o segundo andar é ocupado por uma única família. Bernardino é subgerente de um banco aguardando ansiosamente a promoção que nunca chega. Manuela é professora de Inglês, resignada com a vida que escolheu. Joana é uma típica adolescente rebelde em busca de novas sensações. Frederico é um miúdo de oito anos, calado, introvertido, perturbado e que gosta de desenhar. A mãe vaticina que ele um dia irá “ser grande como muito mar”.
No 3º esquerdo vive o Padre Daniel, um jovem padre que atravessa uma crise de fé. Acaba por perder a vida de alguém que lhe era próximo mas consegue salvar outra vida e no processo salva-se a si próprio.
No 3º direito não vive ninguém no início da história mas assiste ao regresso de Beatriz, uma mulher atormentada pelo passado que não consegue esquecer e superar.
Todas estas personagens partilham o mesmo espaço – o prédio – mas estão isoladas como livros arrumados em estantes, alinhados mas que não se misturam. “ …afinal o inferno é frio e sem companhia”, desabafa David.
Nos oito dias durante os quais se desenrola a trama narrativa, as personagens mostram-se no seu íntimo: frágeis, seres em permanente demanda, divididas entre a vida que levam e os desejos recalcados daquilo que poderiam ter sido. “Somos tolos e sentimentais, temos arcas cheias de mágoas que não esquecemos e que abrimos a todo o momento para ver se ainda nos doem, e doem sempre” – diz-nos o narrador a certa altura.
O livro termina no primeiro dia de um novo ano com uma tragédia no prédio que reúne todos os moradores. Este acontecimento inesperado sacode o marasmo e leva as personagens a tomar decisões que irão afetar definitivamente as suas vidas futuras. Uns salvam-se, outros não, outros há ainda que salvam outras vidas. Seja de que forma for, todos os moradores foram obrigados a olhar para dentro de si e a enfrentar os seus monstros e medos e a decidir o rumo a dar às suas vidas.
Remato com uma frase do narrador, em jeito de moral da história:
“ Tristezas não pagam dívidas e alegrias não contam histórias.”

Ana Paula Mabrouk
19 de outubro 2013

 



terça-feira, 22 de outubro de 2013

Entrevista à revista online livroseleituras

Caros amigos e leitores,
deixo-vos aqui a  minha entrevista concedida ao site livroseleituras.com. Espero que gostem.

Ana Paula Mabrouk: A caneta é mais forte que do a espada


Livros &Leituras  – Como é que a escrita entrou na sua vida e que papel ocupa?
Ana Paula Mabrouk – Desde muito pequena que demonstrei o gosto pelos livros e pela leitura. Tal facto talvez se deva a um período da minha vida no qual fui criada por uns primos que tinham uma grande biblioteca e um ateliê de pintura. Quando entrei para a escola primária e ia à cidade com a minha mãe ela costumava comprar-me sempre um livro. Estes hábitos precoces de leitura e contato com os livros são essenciais para plantar a semente da escrita. Comecei a escrever quando andava no liceu, especialmente nos anos do secundário, e o apoio e encorajamento de alguns professores foi essencial para continuar a escrever até hoje. No presente não concebo a minha vida sem leitura e escrita. São parte integrante não só daquilo que faço mas daquilo que sou.
L&L – Escreve por inspiração ou objeto de um trabalho apurado e consciente? 
APM – As duas coisas, pois ambas constituem partes distintas do processo de escrita. Primeiro há que ter uma ideia do que se quer escrever e essa ideia surge, muitas vezes, de repente. No meu caso, as ideias partem sempre de um pequeno acontecimento do dia-a-dia que desperta em mim a necessidade imperiosa de contar uma estória. No entanto, esse pequeno evento não pode ser transportado para a escrita como se fosse uma notícia. As ideias têm que ser trabalhadas, desenvolvidas, revistas, reescritas e, algumas vezes, até deitadas fora quando nos apercebemos de que o texto não resulta. O trabalho de um escritor tem muito de inspiração mas também de transpiração, como disse, e bem, o ator Henry Fonda.
L&L – No seu entender, há uma verdadeira comunidade de escritores lusófonos, unidos em torno da Língua Portuguesa, sem fronteiras de nacionalidade?
APM – Não diria tanto. Existe, cada vez mais, uma preocupação em fazer encontros, trocar ideias e expandir os vários tipos de Português existentes no mundo mas não considero que exista já uma verdadeira comunidade lusófona. Durante muitos anos, devido a fatores políticos e geográficos, caminhámos de costas voltadas, sem grande preocupação em reforçar o papel da língua portuguesa no mundo. Por isso penso que existe um longo caminho a percorrer para os escritores dos vários países da Lusofonia até conseguirem formar uma verdadeira comunidade.
L&L – De que forma pode a Literatura reforçar os laços no espaço da Lusofonia?
APM – Diz-se que a caneta é mais forte do que a espada e eu concordo em absoluto. A Literatura tem um papel fundamental na divulgação não só da língua mas também dos fatores de união que enformam uma língua, mesmo com particularidades distintas nos vários países. Qualquer língua acarreta consigo uma forma particular de percecionar e expressar o mundo que nos rodeia e esse vetor de união pode fazer mais pelo estreitamento dos povos do que qualquer imposição vinda de fora. É uma revolução silenciosa mas como é endógena atua no campo das ideias e das mentalidades e lentamente vai deixando um rasto de pertença, ao qual não é possível escapar.
L&L – Enquanto escritor(a), que dificuldades encontra, no que diz respeito à edição e divulgação do seu trabalho?
APM – Imensas. Hoje em dia os editores sofrem também com a crise económica instalada e a esmagadora maioria não quer arriscar em autores novos. Para editar um livro, hoje em dia em Portugal, às vezes é quase preciso pagar ao editor, quando o trabalho de facto pertence ao autor. Para além disso as percentagens concedidas aos autores são irrisórias e, à exceção dos autores que ganham prémios famosos ou têm atrás de si uma máquina de marketing poderosa, como o caso dos rostos das estações televisivas ou da imprensa cor-de-rosa, a quase totalidade dos escritores não conseguem viver do fruto seu trabalho. Daí muitos autores terem que arranjar profissões paralelas que lhes paguem as contas ao fim do mês.
L&L – Que estratégias de incentivo à leitura gostaria de ver implementadas?
APM – Penso que existem já muitas estratégias de incentivo à leitura, principalmente nas escolas. O problema não passa por mais incentivo mas sim por uma revolução de mentalidades. Quem viaja pela Europa constata que os cidadãos de outros países viajam diariamente com livros na mão nos transportes públicos, nas férias, nos passeios dos parques ao fim-de-semana. Aqui em Portugal, quando muito leem-se jornais desportivos nos transportes públicos ou revistas do social. As pessoas queixam-se dos preços de um livro mas nem sequer pensam duas vezes em comprar um telemóvel caríssimo aos seus filhos. Continuamos a ter mentalidade de país de Terceiro Mundo em que o importante é ostentar e viver acima das nossas reais capacidades. Tudo “Para Inglês ver”. O essencial, o substrato, a cultura continuam a ser consideradas coisas supérfluas e o país cada vez mais se vai afundando em gerações ignorantes. Basta ver as nossas taxas de insucesso nos Exames Nacionais das escolas portuguesas. Uma sociedade de consumo em que tudo é descartável e que não promove a meritocracia, não pode ser uma sociedade evoluída e culta.
L&L – Acha que o uso das novas tecnologias desvaloriza os encontros com escritores e outras atividades presenciais, nomeadamente, o contato com os leitores?
APM – Não, de todo. Ao contrário do que se pensava as novas tecnologias não vieram substituir o livro em suporte de papel. Também os encontros presenciais não poderão ser substituídos pelos encontros virtuais. Cada um desempenha papéis diferentes e que não se excluem. Muito pelo contrário. Penso que as novas tecnologias servem para aproximar escritores de países diferentes e potenciam encontros presenciais posteriores. Tal como nas redes sociais, mais cedo ou mais tarde, as pessoas que habitualmente se falam e trocam ideias querem conhecer-se “em carne e osso”.
L&L – Tem preferência pelo livro em suporte de papel ou crê que os suportes digitais são o futuro?
APM – Penso que as duas formas de leitura irão continuar a existir paralelamente, sem se autoexcluírem. Haverá sempre quem prefira o contato físico com o objeto livro (como é o meu caso) e quem prefira ler no Tablet ou no IPad. Eu gosto particularmente do cheiro, do toque e de escrever nas margens dos livros as minhas impressões e ideias. No entanto, não desdenho quem prefira ler eletronicamente. São formas diferentes de estar na vida.
L&L – Para os leitores que estiverem a pensar em ler um livro seu, pela primeira vez, qual aconselha e porquê?
APM – Depende do tipo de leitura que mais gostarem. Com escrevo vários tipos de literatura, a escolha é variada. Para quem goste de contos, aconselho o “Alfabeto no feminino”; para quem gosta de poesia, o meu último livro “Paixão em 5 atos”; para quem goste de crónicas e de pensar filosoficamente sobre a vida, aconselho “Crónicas da Vida e da Arte”.
L&L – Que projetos literários tem para o futuro?
APM – Estou neste momento a escrever um novo livro de contos e tenho uma ideia para um romance que quero escrever nos próximos anos.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Escritos & Escritores 2013

Caros amigos e leitores,
deixo-vos com o cartaz e o programa do encontro Escritos & Escritores 2013, em Avis.




                                       PROGRAMA
                                   
Sexta-Feira, 18 de Outubro
14:00 H Escola Mestre de Avis: Escritora convidada SUSANA NEVES
                Escola Profissional Abreu Callado (Benavila) : Escritora convidada CRISTINA CARVALHO
21:30 H Tertúlia “Momentos de Poesia” –  DEOLINDA MILHANO, ERMELINDA FERNANDES E CECÍLIA CARVALHO
               Local: Taberna do Paulo, Alcórrego

Sábado, 19 de Outubro
09:30 H | ABERTURA  |  Ler o que escrevi!   -  CAROLINA OLIVEIRA

10:00 H | MESA 1 | Escrita em Baixo Relevo
PAULO ASSIM | EDUARDO MAXIMINO | JOAQUIM BARÃO RATO

11:15 H | MESA 2 | Diversidade na Escrita I
SUSANA NEVES | ANTONIETA FÉLIX

14:30 H | MESA 3 | Diversidade na Escrita II
CRISTINA CARVALHO | JOAQUIM PESSOA
                                                                Maria da Conceição Andrade e Maria Fernanda Navarro

15:45 H | MESA 4 | “As Bibliotecas e a promoção da leitura”

FÁTIMA DIAS | LUÍSA ALVIM | MARIA DE JOSÉ VITORINO

17:15 H | MESA 5 | Diversidade na Escrita III
NUNO CAMARNEIRO | JOSÉ BERNARDES
                                                               Carlos Lopes
            
21:00 H | AUDITÓRIO MUNICIPAL DE AVIS
         CONCERTO MUSICAL “3 DE COPAS”
Domingo, 20 de Outubro                                                                     
10:30 H |   Avis Inspira

APOIOS: MUNICÍPIO DE AVIS; JUNTA DE FREGUESIA DE AVIS; CONVERSA TROCADA, COMUNICAÇÃO & IMAGEM, LDA.

COLABORAÇÃO: AGRUPAMENTOS DE ESCOLA DE AVIS; ESCOLA PROFISSIONAL ABREU CALLADO; 

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Ainda no rescaldo do 3º Encontro com Escritores da Lusofonia

caros amigos e leitores,
aqui vai o texto publicado no site da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho
Festa da Lusofonia passou por Montemor-o-Velho
Nos dias 5 e 6 de Outubro, em Montemor-o-Velho, a literatura, a arte e a música foram os principais ingredientes do 3º Encontro com Escritores da Lusofonia. Esta iniciativa, que pautou pelo intercâmbio literário e pela partilha cultural e afetiva, reuniu, ao longo dos dois dias, mais de cento e cinquenta participantes.
Na sessão de abertura do encontro, organizado por Analisa Costa Reis, em representação da Associação de Especialistas para a Cooperação e Desenvolvimento (AECODE), em colaboração com a escritora montemorense Lurdes Breda, a vereadora AlexandraFerreira congratulou-se pela “iniciativa ter procurado outros territórios e ter-se descentralizado, trazendo mais cultura e arte ao concelho, reforçando a oferta que o município tem empreendido”.
Com palavras de agradecimento e estímulo, a vereadora destacou ainda “o trabalho desenvolvido pela Lurdes Breda na promoção do livro e da leitura” e desejou que “possamos continuar a ser brindados com as suas criações”.
No final de um fim-de-semana “repleto de emoções fortes” e antes do encerramento das atividades naBiblioteca Municipal Afonso Duarte (BMAD), Lurdes Breda agradeceu o apoio “de todos quantos contribuíram para a realização deste encontro, nomeadamente às entidades locais” e destacou que “os objetivo de dar a conhecer autores menos conhecidos, promover o intercâmbio cultural e reforçar dos laços com as diversas culturas de Língua Portuguesa foram amplamente cumpridos”.
Para a escritora montemorense, “este foi também uma oportunidade para podermos mostrar a História do concelho, a arquitetura, a gastronomia e os patrimónios materiais e imateriais que nos cercam”.
Com participantes de todo o país, de Cabo Verde e Angola e de escritores com ligações a Macau e a São Tomé e Príncipe, o 3.º Encontro dos Escritores da Lusofonia decorreu na Quinta do Taipal e na BMAD, incluindo ainda no programa um roteiro literário em torno da vida e obra de Afonso Duarte, que percorreu alguns dos espaços mais emblemáticos do concelho.
Houve apresentação de escritores, dizer de poesia e um dos momentos altos passou pela apresentação dos livros "Fenestra" de Márcia Souto, e "Me_xendo no baú. Vasculhando o U", de Filinto Elísio e Silva, escritoresconvidados de Cabo Verde. Nuno Camarneiro e John Bellaforam outros dos escritores convidados. Este encontro contou também com a presença do consagrado ator Ruy de Carvalho, agora no papel de escritor.
Destacaram-se as participações musicais do maestro Sílvio Rajado, do músico João Conde, do grupo Sax & Companhia e da companhia de dança Afriklave. Participaram ainda o artista plástico João Paramés e de Jorge Valente, do Centro de Artes do Papel, Teatro dos Castelos.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Vencedora do Prémio Leya 2013

Caros amigos e leitores,
hoje divulgo a vencedora do Prémio Leya 2013.

Gabriela Ruivo Trindade vence Prémio Leya com um romance que junta ficção e fotografia

O romance Uma Outra Voz, escrito por uma portuguesa radicada em Londres, ganhou o Prémio Leya. Retrata a emigração para África de uma família de Estremoz.

O romance Uma Outra Voz, de Gabriela Ruivo Trindade, uma portuguesa residente em Londres, ganhou esta terça-feira o Prémio Leya, no valor de cem mil euros. Tal como acontecera com o vencedor da edição de 2011, João Ricardo Pedro, a autora, uma psicóloga de 43 anos, está neste momento desempregada.
Manuel Alegre, presidente do júri, depois de aberto o envelope onde está escrito o nome do concorrente, comunicou por telefone a Gabriela Trindade a notícia de que era vencedora do Prémio Leya. Nessa altura ficou a saber que ela nunca tinha escrito um romance e também nunca tinha publicado. “É um romance onde se cruzam histórias individuais com a história colectiva. É um romance onde se cruzam várias personagens e é também a história de uma cidade do Alentejo, Estremoz”, disse ao PÚBLICO o escritor.
“Tem personagens femininas muito fortes, isso foi uma das coisas que mais me marcou e uma história de amor também muito forte”, acrescentou. E tem ainda “traços de originalidade e modernidade”, como o facto de mostrar algumas fotografias de um personagem que a certa altura vai para África, são fotografias dos anos 30, numa fazenda de café. “Foi uma boa escolha. Vê-se que num período de crise destes as pessoas estão a procurar soluções pela criatividade e neste caso pela criatividade literária.”
A obra vencedora, anunciada esta terça-feira de manhã, foi escolhida por um júri que incluiu também os escritores Nuno Júdice, Pepetela e José Castello, e ainda José Carlos Seabra Pereira, da Universidade de Coimbra, Lourenço do Rosário, reitor do Instituto Superior Politécnico e Universitário de Maputo, e Rita Chaves, da Universidade de São Paulo.
O poeta Nuno Júdice disse que destacaria em primeiro lugar “a qualidade da escrita” na obra da premiada. “A coerência com que a história de uma família de Estremoz é narrada desde o século XIX até este século sem seguir o cânone do romance realista do século XIX.”  Retrata a realidade, pouco conhecida, da emigração para África muito antes da guerra colonial. "É uma visão muito inovadora da nossa história com pouco mais de um século."
Com cerca de 300 páginas, é um romance contado a várias vozes, com personagens femininas muito fortes, em que o ponto de vista da história se vai alterando. Júdice, tal como Alegre, explicou que não se trata de uma narração simples, mas de um romance em que por vezes encontramos documentos visuais que nos permitem ver melhor o que foi essa época: “Junta fotografia com ficção.”
A força do livro está para o crítico literário brasileiro José Castello, que também fez parte do júri, “na insatisfação” que gera a escrita de Gabriela Ruivo Trindade. “É uma escrita polifónica. Uma escrita que mistura fotografia, árvore genealógica, é uma escrita inquieta”, disse Castello ao PÚBLICO. “Muitas vezes existem livros bem narrados, bem organizados mas escritos com medo. Escritos dentro de modelos clássicos, repetitivos. E esse livro, mal você começa a ler, começa a descobrir que está entrando num terreno que nunca pisou."
Para o crítico, "essa aposta numa escrita muito original, num olhar original sobre o mundo parece[-lhe] que foi o motivo mais forte para premiar esse livro”. O romance tem “um entrelaçamento de histórias”, mas “o principal são as vozes”. “Você nunca sabe direito os limites de fantasia e de realidade. É um livro muito interessante, só lendo mesmo para poder entender”, acrescentou.
Segundo o grupo Leya, esta foi, até agora, a edição “mais concorrida e internacional” do prémio, com 491 originais oriundos de 14 países. Instituído em 2008 com o objectivo de distinguir anualmente um romance inédito escrito em língua portuguesa, o prémio foi nesse ano atribuído ao livro O Rastro do Jaguar, do jornalista e ficcionista brasileiro Murilo Carvalho. No ano seguinte venceu o escritor e historiador moçambicano João Paulo Borges Coelho, com o romance O Olho de Hertzog, e em 2010 o júri, também então presidido por Manuel Alegre, decidiu não atribuir o prémio, entendendo que nenhum dos originais recebidos tinha qualidade para o receber.
Nos últimos dois anos, o Prémio Leya ficou em Portugal: em 2011 recebeu-o João Ricardo Pedro, com O Teu Rosto Será o Último, e ano passado foi a vez de Nuno Camarneiro, com o romance Debaixo de Algum Céu.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Balanço do 3º Encontro com Escritores da Lusofonia

Caros amigos e leitores,
no rescaldo do 3º Encontro com Escritores da Lusofonia, deixo-vos com as palavras do escritor Cabo-verdiano Filinto Elísio Silva.

1. Não será por aí que a crítica, tão necessária quão urgente, se deva impor aos dias das artes e das letras. Deste modo «apressado», não se infere a razão, nem se afirma a justiça. Impõe-se que tudo se faça límpida que nem «água da lagoa» sobre essa minha participação e a de Márcia Souto, na 3ª edição do Encontro com os Escritores da Lusofonia, organizado pelo AECODE.

2. Antes de mais, o esclarecimento de que fora um «encontro com escritores» (não necessariamente «de» escritores), alistando quem quisesse participar, aceitando quem fosse convidado e se predispusesse a assumir os encargos). Assim, inscrições abertas, foram muitos os escritores que ali se reuniram dos vários países lusófonos (não em paranóias de representação oficial), mas cada um (em seu fazer estético de língua portuguesa) a falar por si e das suas vivências. Outrossim, não em defensiva, nem em ofensiva, todos nós participámos por nossa «conta e risco» no diálogo com os nossos confrades de diversas paragens, em caso nosso, um dando autógrafos do seu nono livro e outro lançando o seu primeiro livro, aí pelas margens do Mondego.

3. O diálogo, centrado e orientado para o labor individual e as preocupações que temos tido com as edições, publicações e distribuições das nossas obras (e dos nossos confrades nesse mundo grande, cabendo todos), com momentos de trocas de textos e de afectos, que realmente, sempre que se queira e se possa (já que não se pode, embora se queira sempre, ir a todas para as gratas aprendizagens) e nunca à fugaz passarela da feira das vaidades. Estando nos circuitos e não nos esquemas, temos recusado muitos convites já que não recorremos aos apoios e patrocínios para os atender, nem temos ocasião sabática (nem suficiente vil metal para estar em tantas).

4. Entrementes, é a tertúlia e o labor das artes e das letras que nos movem. É a movida artística que nos apaixona e afina as escolhas. E é nisso que sabemos estar e pretendemos fazer, doravante com mais frequência, senão mesmo sistemática. Devotos, ascetas e peregrinos das escritas criativas. Franciscanamente, estetas. Juntos, sem lenço, nem documento, vamos por caminhos autónomos, mas convergentes, na pulsação dos nossos batimentos cardíacos e por esse caminho de pedras literárias, não em polémicas fáceis, nem em questionamentos de vulgata. O intelectual, a estas horas de opção tomada, terá de estar participante, inquieto e instigante em assaz sinfonia.

5. Voltando a Montemor-o-Velho, eis que nos agradou aprender as técnica de fazer papel e de como extrair a celulose do arroz, eis que nos encantaram os textos lidos nos três momentos, eis que ali pudemos encher a boca para falar de Manoel de Barros e de Mário Fonseca, como de Luís de Camões e de Mia Couto, eis que acolá agradecemos a oportunidade de gizar os folguedos do imaginário nosso, eis que não nos arrependemos de haver submetido à AECODE o nosso desejo de participar e de o termos feito...às custas nossas!