deixo-vos hoje com o texto de apresentação da obra Da cor dos meus Olhos de Dinis Muacho, obra que apresentei no dia 24 de novembro de 2013, na Aldeia Velha de Santa Margarida,Concelho de Avis.
Da cor dos meus Olhos
de Dinis Muacho
Apresentação e Aldeia
Velha, 24 novembro 2013
Em primeiro lugar quero agradecer ao escritor Dinis Muacho o
convite que me foi endereçado para efetuar a apresentação deste seu livro de
sonetos nesta que é a sua terra natal. Agradeço também ao outro elemento da
mesa, o Dr José Coelho, prefaciador do livro, o douto contributo para a
explanação e melhor conhecimento desta obra e do seu autor. A todos os
presentes, o meu agradecimento pela presença nesta tarde outonal que certamente
nos irá enriquecer a todos.
Da Cor dos meus Olhos é um livro de sonetos escritos entre 31 de agosto de 2004 e
25 novembro 2012. É um período de 8 anos que gira em torno dos temas
apresentados desde logo no soneto de Camões que introduz esta obra: o Fogo, a
Fortuna, o Amor, o Ar, a Terra e a Água. Estes seis elementos – quatro chamados
de naturais e mais 2 introduzidos pelo eu poético – consubstanciam um poemário
expresso em sonetos clássicos ao estilo camoniano, composto por doze versos (2
quartetos e dois tercetos), de verso decassílabo, acentuado muitas vezes na 2ª,
4ª, 6ª, 8ª e 10ª sílabas (pentâmero jâmbico) e com uma estrutura rimática que,
não sendo una, muitas vezes é expressa num esquema de abba (rima interpolada)
nos quartetos e cde (rima cruzada) nos tercetos.
O primeiro soneto – da Cor dos meus Olhos – que dá origem ao
título do livro, é um poema emblemático, no sentido em que, assim como os
olhos, espelha a alma alentejana na sua plenitude, centro e âncora deste poeta
que se alimenta das suas raízes. As referências à planície, ao trigo, à terra,
ao sol, ao vento, à vegetação silvestre e espontânea, que cresce nos montados,
não constituem um mero adorno estético da palavra: elas brotam da alma como os
cardos brotam da terra a perder de vista.
No que se refere à estrutura externa deste poemário, podemos
considerar que ele se divide em sete partes de vinte poemas cada. Esse número sete apresenta-se como sendo, místico,
misterioso, aritmeticamente particular e, principalmente, como
sendo o número da Criação. Ao identificá-lo com a soma de 3 (Trindade Divina)
mais 4 (os quatro elementos do número físico), o sete surge como a união do
homem com Deus. Não será por acaso que somos imersos neste universo de
transcendentalidade, uma vez que o poeta tem, entre as suas muitas paixões, uma
curiosidade particular pela espiritualidade que o leva a explorar outras nuances
da existência.
A primeira parte deste livro de sonetos culmina com uma ilustração que
simboliza a terra. A terra é sem dúvida alguma o ponto de partida e de chegada
deste poeta do signo Capricórnio, um signo ligado à terra. De facto, é de terra ou de terras que falam os
primeiros poemas. Falam-nos de Campo Maior, das suas tradições, do elogio ao
povo camponês, do casario branco. O poeta vai buscar inspiração no local onde
tem as suas raízes familiares para iniciar a aventura de partir. Nas suas
próprias palavras “Também sou filho da terra” (pág. 19). “Estes campos cheios
de azeites, de pão… e de vida” (pág. 21), “o celeiro da nação”, povoam a
escrita prenhe de amor ao chão que o viu nascer. Pelo meio vamos lendo outros
poemas, como o soneto dedicado ao seu irmão Paulo Muacho, a quem dedica este
livro, ou poemas escritos em Évora enquanto estudantes dos terceiro e quarto
anos. No entanto, estes poemas mais não são do que papoilas coloridas na seara
dourada que ondula ao vento ao cair do pôr-do-sol. Regressa-se sempre à Aldeia
Velha de Santa Margarida para, no silêncio do entardecer, evocar a nostalgia de
amores passados, como no soneto Jóia Rara, no qual predominam
sentimentos de tristeza, melancolia, ausência de esperança – “…mais um dia e eu
sem te ver!” (pág 24)- pontuados, aqui e além, por referências a outros poetas
como Florbela Espanca (págs. 30 e 31) ou a figuras históricas da nação – D:
João I, mestre de Avis (pág. 32).
A segunda sequência inicia-se com um elogio à poesia – “És a voz minha
e o meu sentimento” (p. 38) e termina, após 20 poemas, com uma ilustração da
Roda da Fortuna. Esta é considerada a carta de Tarot mais complexa e pode
consubstanciar uma mudança rápida. A Roda
da Fortuna representa as situações de mudanças na nossa vida. Essas mudanças fazem-nos
sair de uma rotina que faz com que a vida tenha pouco gosto e variedade. Ela vem
trazer as novidades, as surpresas e assim traz um novo gosto para a vida. Poder-se-á afirmar que a noite se transformou em
dia.
Os sonetos desta seção foram escritos entre a Aldeia Velha e Évora. A
poesia simboliza a mudança: “És triste, és alegre e tens cor” (pág. 38). A
esmagadora maioria dos poemas são de amor, com referência a nomes de mulheres,
metamorfoseados em elementos da Natureza. Exemplos emblemáticos dessa
metamorfose são os poemas Borboleta Colorida (pág. 41) e Hortência
Branca (pág. 42). Fluem sentimentos como a “paixão intensa, terno desejo,
carinho imenso tão reluzente” (pág. 39). Mas mesmo nesta seção continuamos a
ter apontamentos relativos à imensidão do Alentejo, assim como o reforço do
sentimento de solidão do eu poético – “Há uma imensidão que nos devora”, pode
ler-se na página 47. Constantes são também as referências históricas às
caravelas, a Camões (pág. 50) e ainda a uma viagem efetuada a São Tomé e
Príncipe (pág. 54). Estamos perante uma panóplia de sentimentos regidos pelos
sóis, luas e mar que fazem rodar a Roda da Fortuna.
A terceira sequência inclui poemas que foram escritos em vários lugares
e encerra com a ilustração do Fogo. Ela canta o fogo que foi, evocação de um
grande amor que ficou para trás. Esta pode, sem dúvida alguma, ser considerada
a sequência dedicada ao amor e à paixão, motor da força anímica que parece
ressuscitar – “Voltei à vida, levantei-me do jazigo” (pág.59). A sensualidade
da mulher Petrarca, uma musa inspiradora que assume vários nomes, emana das
linhas dos poemas e não se fica pelo amor platónico mas retrata vivamente os
prazeres da paixão – “beijos loucos em correria” (pág.61) ou “olhos loucos a
queimar” (pág. 66). A volúpia está patente nas referências aos seios, aos
corpos nus, aos lábios carnais, aos olhos ciganos. No final, retrospetivamente,
fica a certeza do eu poético que desabafa: “Esta tristeza de ser triste/ quem
ma rogou?” (pág. 67). Mesmo no auge da paixão, continua a vislumbra-se as
terras e as raízes alentejanas, como no poema Pedras da Anta, dedicado
ao Ti Renato, guardador de cabras e analfabeto de olho azul, galã proletário ou
a Ouguela, antiga cidade de Cuenca, sita na zona raiana, terra do pai do poeta.
Esta seção contém o meu poema preferido de todo o livro, O meu Poema
, que poderia bem ser a súmula perfeita deste livro – “Fiz da minha vida um
poema/ Da minha casa os chaparrais/Da minh’alma eternos vendavais/Dos meus
olhos a flor da alfazema.” (pág. 76).
A quarta sequência termina com uma ilustração referente ao elemento Ar.
O eu poético quase que afirma que vive “no ar”, sem chão, em mundos paralelos.
Adivinha-se uma fase difícil, na qual é necessário recomeçar, e nada melhor
para a ilustrar do que a referência à poesia de Mário Cezariny – “Ama como a
estrada que começa” (pág. 80). Após acordar para a realidade nua e crua –
“Acordei! Já não dormes a meu lado” (pág.80) é preciso reencontrar a razão e a
alegria de viver. Os sonetos são pungentes e transmitem sentimentos de mágoas,
lamento, solidão, tristeza e saudade. A alma alentejana ecoa amiúde palavras de
Florbela Espanca e retoma o mote do poema inicial de Camões, no soneto
intitulado Elementos (pág. 93). Esta tristeza só encontra algum bálsamo
para a alma ferida no regresso a casa. Nesse contexto aparecem de novo referências
a Ouguela, Elvas, Sobreira dos Lobos, entre outras. Na solidão dos lugares, o
eu-poético confessa: “A noite cai e ninguém me abraça” (pág. 89).
A quinta sequência culmina com uma ilustração alusiva ao Amor, numa
clara antecipação do que ainda está para vir. Nos poemas Inconstância (pág. 103)e
Malditos (pág. 118), retoma-se o leit motiv desta obra com uma nova
alusão aos elementos iniciais. Parece haver uma necessidade de recapitulação da
matéria dada para poder avançar. A repetição mostra-se também nos ecos de
Florbela, presença omnipresente neste poemário, no poema Diversidade (pág.
116). Está é provavelmente a
sequência mais diversa, com referências a Lisboa, Sobreiras dos Lobos, Fado
Coimbrão, Porto, São Miguel. Mistura-se gente alentejana (gente daqui) com o
último Rei de Portugal! O eu-poético indicia desnorteamento e desmultiplicação.
Em todo o lado se procura e em nenhum se encontra, pois ele é Prisioneiro do
Nada (pág. 114) e parece “que ando escrevendo, sem escrever nada!” (pág.120)
Na sexta sequência a ilustração final é a da Água. O eu-poético
sente-se como peixe na água pois considera ter encontrado o melhor domínio da
sua escrita. Mergulha numa fase mais madura, ponderada e de equilíbrio
emocional e estético. Abundam poemas de amor que demonstram a vontade de voltar
a acreditar no amor. Os olhos azuis, cor da água, vêm agora suceder aos olhos
castanhos e verdes, que os antecederam.- “A Primavera voltou de novo viçosa”
(pág. 134). O autor inspira-se noutros poetas maiores como Camões ou Pessoa e,
apesar de escrever um pouco em todo o lado (Porto Santo, Coimbra, Açores),
regressa às origens, Alfa e Ómega de toda a sua produção poética. E aí nas
“sulidões” dos verdes campos, entre as margaridas, as azinheiras e o trigo, que
encontra finalmente a sua paz interior e se reencontra consigo mesmo.
A sétima sequência, que encerra este livro de sonetos, não tem uma
ilustração, o que pode, à primeira vista, parecer estranho. No entanto,
esgotados que foram os seis elementos enumerados no poema de abertura,
poderemos especular que a sequência final conjuga todos eles e, por
conseguinte, não poderia apresentar uma única ilustração. Fica ao critério e à
imaginação do leitor evocar e/ou convocar todas as imagens anteriores e
sobrepô-las, de forma a constituírem uma imagem mental global com sentido. Terá
o eu-poético atingido a plenitude a que vulgarmente se designa de felicidade?
No poema com esse título temos a resposta – “Felicidade? Não é pr’a poetas…”
(pág. 145). Paira no ar, contudo, um certo encantamento pela menina dos olhos
azuis – “Oh meu amor, minha amante, minha amiga” (pág. 152). Este amor que se
solta dos lábios, da voz, dos sonhos traz serenidade. É um céu sem nuvens que
ilumina os campos de azinheiras. No entanto, o eu-poético já não se cinge
apenas ao horizonte alentejano. Precisa de um mundo maior, de um mar com canoas
que seja porto de partida para outras aventuras. É preciso soltar amarras e
puxar a âncora, o que demonstra uma nova confiança no futuro.
O último poema, intitulado Sete
é um poema de amor – “Promete/Ser só por amor que se colam as bocas tontas!”
(pág. 162). Seria, todavia, muito redutor não atentar no número que nos traz à
memória a estrela de Salomão, onde dois triângulos se cruzam: um
ascendente e outro descendente. As seis pontas, mais o ponto central, somam o
sete místico, simbolizando a união do céu e da terra, do Bem e do Mal, do
divino e do humano. O sete simboliza, no final de tudo, a busca da perfeição. E
é com magia que este poemário termina, vincando a ideia de que o melhor ainda
está para vir. Ficaremos todos à espera do melhor de Dinis Muacho e ele,
certamente, não nos irá desiludir.
Ana Paula Mabrouk
24 novembro 2013
Aldeia Velha de Santa
Margarida
Sem comentários:
Enviar um comentário