segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Apresentação do livro Da cor dos meus Olhos de Dinis Muacho

Caros amigos e leitores,
deixo-vos hoje com o texto de apresentação da obra Da cor dos meus Olhos de Dinis Muacho, obra que apresentei no dia 24 de novembro de 2013, na Aldeia Velha de Santa Margarida,Concelho de Avis.


Da cor dos meus Olhos de Dinis Muacho
Apresentação e Aldeia Velha, 24 novembro 2013

Em primeiro lugar quero agradecer ao escritor Dinis Muacho o convite que me foi endereçado para efetuar a apresentação deste seu livro de sonetos nesta que é a sua terra natal. Agradeço também ao outro elemento da mesa, o Dr José Coelho, prefaciador do livro, o douto contributo para a explanação e melhor conhecimento desta obra e do seu autor. A todos os presentes, o meu agradecimento pela presença nesta tarde outonal que certamente nos irá enriquecer a todos.





Da Cor dos meus Olhos é um livro de sonetos escritos entre 31 de agosto de 2004 e 25 novembro 2012. É um período de 8 anos que gira em torno dos temas apresentados desde logo no soneto de Camões que introduz esta obra: o Fogo, a Fortuna, o Amor, o Ar, a Terra e a Água. Estes seis elementos – quatro chamados de naturais e mais 2 introduzidos pelo eu poético – consubstanciam um poemário expresso em sonetos clássicos ao estilo camoniano, composto por doze versos (2 quartetos e dois tercetos), de verso decassílabo, acentuado muitas vezes na 2ª, 4ª, 6ª, 8ª e 10ª sílabas (pentâmero jâmbico) e com uma estrutura rimática que, não sendo una, muitas vezes é expressa num esquema de abba (rima interpolada) nos quartetos e cde (rima cruzada) nos tercetos.

O primeiro soneto – da Cor dos meus Olhos – que dá origem ao título do livro, é um poema emblemático, no sentido em que, assim como os olhos, espelha a alma alentejana na sua plenitude, centro e âncora deste poeta que se alimenta das suas raízes. As referências à planície, ao trigo, à terra, ao sol, ao vento, à vegetação silvestre e espontânea, que cresce nos montados, não constituem um mero adorno estético da palavra: elas brotam da alma como os cardos brotam da terra a perder de vista.

No que se refere à estrutura externa deste poemário, podemos considerar que ele se divide em sete partes de vinte poemas cada. Esse número sete apresenta-se como sendo, místico, misterioso, aritmeticamente particular e, principalmente, como sendo o número da Criação. Ao identificá-lo com a soma de 3 (Trindade Divina) mais 4 (os quatro elementos do número físico), o sete surge como a união do homem com Deus. Não será por acaso que somos imersos neste universo de transcendentalidade, uma vez que o poeta tem, entre as suas muitas paixões, uma curiosidade particular pela espiritualidade que o leva a explorar outras nuances da existência.

A primeira parte deste livro de sonetos culmina com uma ilustração que simboliza a terra. A terra é sem dúvida alguma o ponto de partida e de chegada deste poeta do signo Capricórnio, um signo ligado à terra.  De facto, é de terra ou de terras que falam os primeiros poemas. Falam-nos de Campo Maior, das suas tradições, do elogio ao povo camponês, do casario branco. O poeta vai buscar inspiração no local onde tem as suas raízes familiares para iniciar a aventura de partir. Nas suas próprias palavras “Também sou filho da terra” (pág. 19). “Estes campos cheios de azeites, de pão… e de vida” (pág. 21), “o celeiro da nação”, povoam a escrita prenhe de amor ao chão que o viu nascer. Pelo meio vamos lendo outros poemas, como o soneto dedicado ao seu irmão Paulo Muacho, a quem dedica este livro, ou poemas escritos em Évora enquanto estudantes dos terceiro e quarto anos. No entanto, estes poemas mais não são do que papoilas coloridas na seara dourada que ondula ao vento ao cair do pôr-do-sol. Regressa-se sempre à Aldeia Velha de Santa Margarida para, no silêncio do entardecer, evocar a nostalgia de amores passados, como no soneto Jóia Rara, no qual predominam sentimentos de tristeza, melancolia, ausência de esperança – “…mais um dia e eu sem te ver!” (pág 24)- pontuados, aqui e além, por referências a outros poetas como Florbela Espanca (págs. 30 e 31) ou a figuras históricas da nação – D: João I, mestre de Avis (pág. 32).

A segunda sequência inicia-se com um elogio à poesia – “És a voz minha e o meu sentimento” (p. 38) e termina, após 20 poemas, com uma ilustração da Roda da Fortuna. Esta é considerada a carta de Tarot mais complexa e pode consubstanciar uma mudança rápida. A Roda da Fortuna representa as situações de mudanças na nossa vida. Essas mudanças fazem-nos sair de uma rotina que faz com que a vida tenha pouco gosto e variedade. Ela vem trazer as novidades, as surpresas e assim traz um novo gosto para a vida. Poder-se-á afirmar que a noite se transformou em dia.
Os sonetos desta seção foram escritos entre a Aldeia Velha e Évora. A poesia simboliza a mudança: “És triste, és alegre e tens cor” (pág. 38). A esmagadora maioria dos poemas são de amor, com referência a nomes de mulheres, metamorfoseados em elementos da Natureza. Exemplos emblemáticos dessa metamorfose são os poemas Borboleta Colorida (pág. 41) e Hortência Branca (pág. 42). Fluem sentimentos como a “paixão intensa, terno desejo, carinho imenso tão reluzente” (pág. 39). Mas mesmo nesta seção continuamos a ter apontamentos relativos à imensidão do Alentejo, assim como o reforço do sentimento de solidão do eu poético – “Há uma imensidão que nos devora”, pode ler-se na página 47. Constantes são também as referências históricas às caravelas, a Camões (pág. 50) e ainda a uma viagem efetuada a São Tomé e Príncipe (pág. 54). Estamos perante uma panóplia de sentimentos regidos pelos sóis, luas e mar que fazem rodar a Roda da Fortuna.

A terceira sequência inclui poemas que foram escritos em vários lugares e encerra com a ilustração do Fogo. Ela canta o fogo que foi, evocação de um grande amor que ficou para trás. Esta pode, sem dúvida alguma, ser considerada a sequência dedicada ao amor e à paixão, motor da força anímica que parece ressuscitar – “Voltei à vida, levantei-me do jazigo” (pág.59). A sensualidade da mulher Petrarca, uma musa inspiradora que assume vários nomes, emana das linhas dos poemas e não se fica pelo amor platónico mas retrata vivamente os prazeres da paixão – “beijos loucos em correria” (pág.61) ou “olhos loucos a queimar” (pág. 66). A volúpia está patente nas referências aos seios, aos corpos nus, aos lábios carnais, aos olhos ciganos. No final, retrospetivamente, fica a certeza do eu poético que desabafa: “Esta tristeza de ser triste/ quem ma rogou?” (pág. 67). Mesmo no auge da paixão, continua a vislumbra-se as terras e as raízes alentejanas, como no poema Pedras da Anta, dedicado ao Ti Renato, guardador de cabras e analfabeto de olho azul, galã proletário ou a Ouguela, antiga cidade de Cuenca, sita na zona raiana, terra do pai do poeta.
Esta seção contém o meu poema preferido de todo o livro, O meu Poema , que poderia bem ser a súmula perfeita deste livro – “Fiz da minha vida um poema/ Da minha casa os chaparrais/Da minh’alma eternos vendavais/Dos meus olhos a flor da alfazema.” (pág. 76).

A quarta sequência termina com uma ilustração referente ao elemento Ar. O eu poético quase que afirma que vive “no ar”, sem chão, em mundos paralelos. Adivinha-se uma fase difícil, na qual é necessário recomeçar, e nada melhor para a ilustrar do que a referência à poesia de Mário Cezariny – “Ama como a estrada que começa” (pág. 80). Após acordar para a realidade nua e crua – “Acordei! Já não dormes a meu lado” (pág.80) é preciso reencontrar a razão e a alegria de viver. Os sonetos são pungentes e transmitem sentimentos de mágoas, lamento, solidão, tristeza e saudade. A alma alentejana ecoa amiúde palavras de Florbela Espanca e retoma o mote do poema inicial de Camões, no soneto intitulado Elementos (pág. 93). Esta tristeza só encontra algum bálsamo para a alma ferida no regresso a casa. Nesse contexto aparecem de novo referências a Ouguela, Elvas, Sobreira dos Lobos, entre outras. Na solidão dos lugares, o eu-poético confessa: “A noite cai e ninguém me abraça” (pág. 89).

A quinta sequência culmina com uma ilustração alusiva ao Amor, numa clara antecipação do que ainda está para vir. Nos poemas Inconstância (pág. 103)e Malditos (pág. 118), retoma-se o leit motiv desta obra com uma nova alusão aos elementos iniciais. Parece haver uma necessidade de recapitulação da matéria dada para poder avançar. A repetição mostra-se também nos ecos de Florbela, presença omnipresente neste poemário, no poema Diversidade (pág. 116).  Está é provavelmente a sequência mais diversa, com referências a Lisboa, Sobreiras dos Lobos, Fado Coimbrão, Porto, São Miguel. Mistura-se gente alentejana (gente daqui) com o último Rei de Portugal! O eu-poético indicia desnorteamento e desmultiplicação. Em todo o lado se procura e em nenhum se encontra, pois ele é Prisioneiro do Nada (pág. 114) e parece “que ando escrevendo, sem escrever nada!” (pág.120)

Na sexta sequência a ilustração final é a da Água. O eu-poético sente-se como peixe na água pois considera ter encontrado o melhor domínio da sua escrita. Mergulha numa fase mais madura, ponderada e de equilíbrio emocional e estético. Abundam poemas de amor que demonstram a vontade de voltar a acreditar no amor. Os olhos azuis, cor da água, vêm agora suceder aos olhos castanhos e verdes, que os antecederam.- “A Primavera voltou de novo viçosa” (pág. 134). O autor inspira-se noutros poetas maiores como Camões ou Pessoa e, apesar de escrever um pouco em todo o lado (Porto Santo, Coimbra, Açores), regressa às origens, Alfa e Ómega de toda a sua produção poética. E aí nas “sulidões” dos verdes campos, entre as margaridas, as azinheiras e o trigo, que encontra finalmente a sua paz interior e se reencontra consigo mesmo.

A sétima sequência, que encerra este livro de sonetos, não tem uma ilustração, o que pode, à primeira vista, parecer estranho. No entanto, esgotados que foram os seis elementos enumerados no poema de abertura, poderemos especular que a sequência final conjuga todos eles e, por conseguinte, não poderia apresentar uma única ilustração. Fica ao critério e à imaginação do leitor evocar e/ou convocar todas as imagens anteriores e sobrepô-las, de forma a constituírem uma imagem mental global com sentido. Terá o eu-poético atingido a plenitude a que vulgarmente se designa de felicidade? No poema com esse título temos a resposta – “Felicidade? Não é pr’a poetas…” (pág. 145). Paira no ar, contudo, um certo encantamento pela menina dos olhos azuis – “Oh meu amor, minha amante, minha amiga” (pág. 152). Este amor que se solta dos lábios, da voz, dos sonhos traz serenidade. É um céu sem nuvens que ilumina os campos de azinheiras. No entanto, o eu-poético já não se cinge apenas ao horizonte alentejano. Precisa de um mundo maior, de um mar com canoas que seja porto de partida para outras aventuras. É preciso soltar amarras e puxar a âncora, o que demonstra uma nova confiança no futuro.
 O último poema, intitulado Sete é um poema de amor – “Promete/Ser só por amor que se colam as bocas tontas!” (pág. 162). Seria, todavia, muito redutor não atentar no número que nos traz à memória a estrela de Salomão, onde dois triângulos se cruzam: um ascendente e outro descendente. As seis pontas, mais o ponto central, somam o sete místico, simbolizando a união do céu e da terra, do Bem e do Mal, do divino e do humano. O sete simboliza, no final de tudo, a busca da perfeição. E é com magia que este poemário termina, vincando a ideia de que o melhor ainda está para vir. Ficaremos todos à espera do melhor de Dinis Muacho e ele, certamente, não nos irá desiludir.

Ana Paula Mabrouk
24 novembro 2013

Aldeia Velha de Santa Margarida

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