hoje publico o último dos poemas premiados no III concurso Poesia na Biblioteca. Este poema granjeou a Menção Especial do Júri ao poema apurado extra-concurso, (dado não respeitar o Artº 8 do Regulamento no que toca ao tamanho) “LVI. O teu olhar absoluto/alba”, de Guilherme Rios.
LVI. (O teu olhar absoluto/alba)
A água continua
quando acabas.
- João Negreiros
- João Negreiros
noutra idade e
noutras ilhas ardendo
os veleiros sacodem os seus longos braços
de vento e estilhaços
nos teus ombros despidos
os veleiros sacodem os seus longos braços
de vento e estilhaços
nos teus ombros despidos
poderia então
dizer-te
que te demoras nos meus ossos
como fruto sangrando ou rebentação de astros
e uma ave branca entraria na minha boca
estremecendo até à primeira luz
nesta sucessão exacta de silêncios
que te demoras nos meus ossos
como fruto sangrando ou rebentação de astros
e uma ave branca entraria na minha boca
estremecendo até à primeira luz
nesta sucessão exacta de silêncios
confessas no entanto
estarmos a mais nas horas
ou que os dias abrem fendas no teu nome e no meu
e que nada mais resta senão morrer
em todas as casas onde nos tocámos
ou que os dias abrem fendas no teu nome e no meu
e que nada mais resta senão morrer
em todas as casas onde nos tocámos
e quando falas –
dizem-me –
és o equivalente preciso
de galáxias exalando a sua própria cinza
ou garças de sangue desfiando as suas asas
de fora para dentro
és o equivalente preciso
de galáxias exalando a sua própria cinza
ou garças de sangue desfiando as suas asas
de fora para dentro
da nossa roupa
restam vestígios
de aves de sal e de fogo
e o rio atravessa-nos
na ebulição contínua
das cidades imaginadas
de aves de sal e de fogo
e o rio atravessa-nos
na ebulição contínua
das cidades imaginadas
lembro-me
pela manhã éramos duas ilhas
que a madrugada havia extinto
e guardavas por detrás do teu crepúsculo de mãos
o lume de quem aguarda um outro abraço
que não hesite em devorar as horas mortas
pela manhã éramos duas ilhas
que a madrugada havia extinto
e guardavas por detrás do teu crepúsculo de mãos
o lume de quem aguarda um outro abraço
que não hesite em devorar as horas mortas
procurávamos no sono
algo que nos abrigasse das feras nocturnas
ou que nelas nos ancorasse de vez
algo que nos abrigasse das feras nocturnas
ou que nelas nos ancorasse de vez
nas ruas negras
as viúvas teciam as horas avessas
e atravessavam as clepsidras
carregando vasos de lírios adormecidos
e outras sombras
as viúvas teciam as horas avessas
e atravessavam as clepsidras
carregando vasos de lírios adormecidos
e outras sombras
com o passar dos
meses
decorámos a caligrafia exacta do medo
decorámos a caligrafia exacta do medo
e hoje
no tempo depois do tempo
pergunto-me com que idade comecei a esquecer
a infância que não tive
e uma súbita urgência
de acender lumes no asfalto
alastra-se a todas as cidades do mundo
no tempo depois do tempo
pergunto-me com que idade comecei a esquecer
a infância que não tive
e uma súbita urgência
de acender lumes no asfalto
alastra-se a todas as cidades do mundo
por detrás das
pálpebras
cercadas pela escuridão e pelo orvalho
finjo-te narcótico sobre o gume afiado
do te amor-nebina e nada temo
excepto a hera indomável
dos teus passos estremecendo
na orla do dilúvio.
cercadas pela escuridão e pelo orvalho
finjo-te narcótico sobre o gume afiado
do te amor-nebina e nada temo
excepto a hera indomável
dos teus passos estremecendo
na orla do dilúvio.
Obrigado pela partilha :)
ResponderEliminarJoão (Guilherme Rios foi o pseudónimo).