Na sequência da publicação da última crónica que escrevi para o jornal da minha escola sobre literacia (já publicado neste blogue), recupero agora outra crónica que escrevi sobre deficiência para a edição de dezembro último. Espero que gostem tanto de a ler como eu gostei de a escrever.
Exatamente iguais: Apenas diferentes
Sem braços. Sem pernas. Sem
problemas. Muita gente conhece o
lema de vida de Nick Vujicic e os seus inspiradores vídeos disponíveis na
internet. Nick, nascido sem braços nem pernas, apenas com “uma asinha de
frango” como pé, como ele próprio ironicamente refere, não se deixou vencer
pela adversidade. Pesca, surfa, nada, anda de barco, joga futebol e é
auto-suficiente. Ele é a prova viva de que o ser humano é muito mais do que a
soma das suas partes. Ter uma, ou várias deficiências, é diferente de ser-se
deficiente. Existe um abismo entre estes dois verbos: um exprime a condição
presente enquanto o outro define a essência. Tem-se o que a natureza ou a
herança genética nos legou. É-se tudo aquilo que conseguimos ser, usando a
nossa força interior e aquela vastidão que abrange o conceito de auto-superação.
Obviamente não somos tudo aquilo que sonhámos ser. A vida não é uma linha reta
sem imperfeições; antes um quadro abstracto, pleno de figuras geométricas. No
caso dos otimistas pode ser um quadro de Kandinski; no caso dos pessimistas um
grito de Münch.
Ninguém deseja ter uma deficiência para se exibir como ser extraordinário.
Contudo, a escolha de como enfrentar os problemas, define-nos como pessoas.
Tenho a sorte de ter amigos chegados que são portadores de deficiência e
sinto um orgulho desmedido em tê-los no meu círculo dos afetos. Seja a minha
amiga Lurdes Breda, escritora inspirada de mão cheia, com livros no Plano
Nacional de Leitura e na Feira de Bolonha, presença recente em vários eventos
em Moçambique ou prémios literários no Brasil. Seja a minha amiga Rita, cuja
alegria de viver ultrapassa largamente a sua paralisia cerebral. Aprendi com
elas que não há limites para a palavra possível e que a expressão “ Não
consigo” ocupa um espaço muito reduzido no seu quotidiano.
Por tudo isto, e muito mais que fica por dizer, indigna-me a falta de
solidariedade para com os outros, especialmente para com as pessoas que não
tiveram a sorte de nascer com capacidades físicas ou mentais, iguais às dos
demais. Insultos como “És um deficiente!” deverão ser considerados apenas
insultos para quem os pronuncia. Quem opta pelo uso indevido destas palavras é
realmente deficiente pois falta-lhes alguma parte invisível na formação do seu carácter.
São portadores de uma deficiência muito mais profunda e aterradora: Chama-se
síndroma de ASNO: Ausência de Sensibilidade Notória. Por vezes, estesíndroma
vem acompanhado de um outro ainda pior: o síndroma de IDIOTA – Imunodeficiência
de Ignorância Obtusa e Tolice Adquirida. Para essas pessoas fica a minha
expressão de pesar: ainda não se inventou uma cadeira de rodas para o
preconceito ou um programa de computador para a incultura.
Todavia, como educadora tento fazer a minha parte nesta missão de todos
nós. Demonstrar que, de facto, somos “Todos
diferentes, todos iguais”, ou como os meus alunos do 9º ano aprenderam
somos “Exatamente iguais: apenas
diferentes”.
E nessa diferença reside a nossa riqueza. Sem preconceito. Sem ignorância.
Sem problemas.
Casais do Campo
21 de novembro 2012
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