termina amanhã a exposição de Joana Vasconcelos no Palácio da Ajuda. Se ainda não foram ver e tiverem oportunidade, não deixem de visitar.
Deixo-vos uma crónica que escrevi para o jornal da minha escola em Junho passado.
Joana Vasconcelos ou “um outro campeonato”
Agora
que acabou temporariamente o calendário dos jogos de futebol, talvez possa
haver lugar a outros interesses. Nos dias cinzentos do cidadão português,
aconselho uma explosão de cor e de alegria de uma artista que é considerada
como um “talento vivo e prodigioso” (Bernardo Pinto de Almeida). Falo, claro
está, de Joana Vasconcelos, já conhecida no mundo inteiro pela marca JV.
“Odiada
por tantos quantos a apreciam, Joana Vasconcelos é hoje uma das mais importantes
figuras da arte contemporânea mundial”, assim inicia o seu artigo o jornalista
Bruno Vale, na Revista C. Ela é hoje uma artista incontornável, após ter
sido o primeiro artista não francês a expor no Palácio de Versailles com um
recorde de milhão e meio de visitantes. Goste-se ou não, é obra! A sua nova exposição
pode ser visitada no Palácio da Ajuda de 23 de março a 25 de agosto. Eu já fui
e fiquei rendida à arte desta artista plástica que não teme os epítetos nem a
polémica instalada à sua volta. A artista afirma “Não é por dizer bem ou mal
que vou alterar parte da minha personalidade, da minha forma de estar ou do meu
trabalho”.
Gosto
de pessoas assim: desassombradas, não deslumbradas pelo sucesso, porém não
intimidadas pelo azedume daqueles que lhe invejam a projecção e, quiçá, o
talento. Mesmo que não o admitam. E o que há mais neste país, em tudo
pequenino, são os pequenos rancores e as grandes invejas. Não é fácil ser-se
Gulliver em terras de Lilliput!
Acusada
por uns de ser demasiado feminista e ativista, é simultaneamente acusada por
outros de ser demasiado populista e comercial. Vejam lá se se decidem, está
bem? Ao menos, no contra-ataque, definam a tática antes do jogo começar… JV,
num esquema defensivo, classifica a sua obra como diversa, abordando diferentes
temas e preocupações, como o sentido crítico e social, o sentido do belo e um
lado mais sentimental. Todos sabemos, como bons treinadores de bancada que
somos, que o conceito de valor de uma obra de arte se perde no tempo e
dificilmente alguma vez terá uma resposta única, plena e comumente aceite.
A obra
de arte que se pode arrogar de assumir essa designação tem que transcender o
real, desassossegar mentalidades e preconceitos instalados, ultrapassar
barreiras, “abrir portas”, acrescentar alguma novidade ao senso comum. JV usa
objectos quotidianos prosaicos como panelas ou gravatas, que permitem ao
visitante identificar-se com eles mas que, ao mesmo tempo, causam aquele efeito
de estranhamento Brechtiano que incita à problematização do real. A Arte,
tantas vezes, considerada como inacessível e inatingível, contagiou as bancadas
e trouxe de volta o entusiasmo das massas. Este é um dos factores que agrada a
JV, pois ela considera que “A obra de arte tem de ser capaz de comunicar e a
comunicação não deve ser só para uns, deve ser entendida por aqueles que
quiserem absorver aquele objeto e pensar sobre ele.” Já lá vai tempo em que o
artista vivia a vida inteira como um indigente e era sepultado numa vala comum.
Ou recebia subvenções do Estado para realizar filmes que ninguém via. A Arte
deve ter público embora esse não seja o seu objectivo primordial. As obras de
JV têm o condão de atrair pessoas dos mais variados quadrantes sociais,
culturais, económicos ou etários. Ela possui o verdadeiro toque de Midas…
Ousadia,
originalidade, escala, visibilidade são algumas das muitas características
desta artista intergaláctica. A sua obra é inteligente, porém sedutora. É
sagaz, porém divertida. Como ela. Ela popularizou e internacionalizou a
iconografia portuguesa com as suas rendas dos Açores, os azulejos lisboetas ou
os corações de Viana mas deu-lhes uma dimensão contemporânea muito para além
dos tradicionais Galos de Barcelos e do Fado. Eis uma artista que não se
envergonha das suas raízes e que hasteia bem alto a sua nacionalidade, sem
contudo se tornar um bastião do poder instituído e da imagem de marketing que
os nossos governantes pretender vender aos estrangeiros. É a arte portuguesa
virada do avesso, trasvestida de sentidos múltiplos e criatividade singular.
Esta desconstrução, este efeito surpresa são, sem dúvida, os trunfos que JV
sabe tão bem jogar. Mesmo quando a partida parece perdida, logo à partida. A
diferença entre um jogo de futebol e uma exposição de JV é que a segunda remete
sempre para uma vitória. Sem árbitros comprados nem jogadas viciadas. Apenas
com o entusiasmo das bancadas e o talento da jogadora.
Nota: JV é a autora do
Pavilhão de Portugal, patente na Bienal de Veneza que teve início a 31 de maio
de 2013. A artista reconstruiu um velho cacilheiro chamado Trafaria- Praia e
transformou-o num pavilhão de exposições flutuante. O Pavilhão tornou-se, ele
mesmo, também numa obra de arte. A artista afirma que se inspirou no espírito
de aventura, conquista e determinação que sempre caracterizou o povo português
para quem o mar simboliza uma saída e uma esperança.
Ana Paula Mabrouk
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