sábado, 24 de agosto de 2013

A propósito da exposição de Joana Vasconcelos

Caros amigos e leitores,
termina amanhã a exposição de Joana Vasconcelos no Palácio da Ajuda. Se ainda não foram ver e tiverem oportunidade, não deixem de visitar.
Deixo-vos uma crónica que escrevi para o jornal da minha escola em Junho passado.


Joana Vasconcelos ou “um outro campeonato”


Agora que acabou temporariamente o calendário dos jogos de futebol, talvez possa haver lugar a outros interesses. Nos dias cinzentos do cidadão português, aconselho uma explosão de cor e de alegria de uma artista que é considerada como um “talento vivo e prodigioso” (Bernardo Pinto de Almeida). Falo, claro está, de Joana Vasconcelos, já conhecida no mundo inteiro pela marca JV.
“Odiada por tantos quantos a apreciam, Joana Vasconcelos é hoje uma das mais importantes figuras da arte contemporânea mundial”, assim inicia o seu artigo o jornalista Bruno Vale, na Revista C.  Ela é hoje uma artista incontornável, após ter sido o primeiro artista não francês a expor no Palácio de Versailles com um recorde de milhão e meio de visitantes. Goste-se ou não, é obra! A sua nova exposição pode ser visitada no Palácio da Ajuda de 23 de março a 25 de agosto. Eu já fui e fiquei rendida à arte desta artista plástica que não teme os epítetos nem a polémica instalada à sua volta. A artista afirma “Não é por dizer bem ou mal que vou alterar parte da minha personalidade, da minha forma de estar ou do meu trabalho”.
Gosto de pessoas assim: desassombradas, não deslumbradas pelo sucesso, porém não intimidadas pelo azedume daqueles que lhe invejam a projecção e, quiçá, o talento. Mesmo que não o admitam. E o que há mais neste país, em tudo pequenino, são os pequenos rancores e as grandes invejas. Não é fácil ser-se Gulliver em terras de Lilliput!


Acusada por uns de ser demasiado feminista e ativista, é simultaneamente acusada por outros de ser demasiado populista e comercial. Vejam lá se se decidem, está bem? Ao menos, no contra-ataque, definam a tática antes do jogo começar… JV, num esquema defensivo, classifica a sua obra como diversa, abordando diferentes temas e preocupações, como o sentido crítico e social, o sentido do belo e um lado mais sentimental. Todos sabemos, como bons treinadores de bancada que somos, que o conceito de valor de uma obra de arte se perde no tempo e dificilmente alguma vez terá uma resposta única, plena e comumente aceite.
A obra de arte que se pode arrogar de assumir essa designação tem que transcender o real, desassossegar mentalidades e preconceitos instalados, ultrapassar barreiras, “abrir portas”, acrescentar alguma novidade ao senso comum. JV usa objectos quotidianos prosaicos como panelas ou gravatas, que permitem ao visitante identificar-se com eles mas que, ao mesmo tempo, causam aquele efeito de estranhamento Brechtiano que incita à problematização do real. A Arte, tantas vezes, considerada como inacessível e inatingível, contagiou as bancadas e trouxe de volta o entusiasmo das massas. Este é um dos factores que agrada a JV, pois ela considera que “A obra de arte tem de ser capaz de comunicar e a comunicação não deve ser só para uns, deve ser entendida por aqueles que quiserem absorver aquele objeto e pensar sobre ele.” Já lá vai tempo em que o artista vivia a vida inteira como um indigente e era sepultado numa vala comum. Ou recebia subvenções do Estado para realizar filmes que ninguém via. A Arte deve ter público embora esse não seja o seu objectivo primordial. As obras de JV têm o condão de atrair pessoas dos mais variados quadrantes sociais, culturais, económicos ou etários. Ela possui o verdadeiro toque de Midas…

Ousadia, originalidade, escala, visibilidade são algumas das muitas características desta artista intergaláctica. A sua obra é inteligente, porém sedutora. É sagaz, porém divertida. Como ela. Ela popularizou e internacionalizou a iconografia portuguesa com as suas rendas dos Açores, os azulejos lisboetas ou os corações de Viana mas deu-lhes uma dimensão contemporânea muito para além dos tradicionais Galos de Barcelos e do Fado. Eis uma artista que não se envergonha das suas raízes e que hasteia bem alto a sua nacionalidade, sem contudo se tornar um bastião do poder instituído e da imagem de marketing que os nossos governantes pretender vender aos estrangeiros. É a arte portuguesa virada do avesso, trasvestida de sentidos múltiplos e criatividade singular. Esta desconstrução, este efeito surpresa são, sem dúvida, os trunfos que JV sabe tão bem jogar. Mesmo quando a partida parece perdida, logo à partida. A diferença entre um jogo de futebol e uma exposição de JV é que a segunda remete sempre para uma vitória. Sem árbitros comprados nem jogadas viciadas. Apenas com o entusiasmo das bancadas e o talento da jogadora.

 

Nota: JV é a autora do Pavilhão de Portugal, patente na Bienal de Veneza que teve início a 31 de maio de 2013. A artista reconstruiu um velho cacilheiro chamado Trafaria- Praia e transformou-o num pavilhão de exposições flutuante. O Pavilhão tornou-se, ele mesmo, também numa obra de arte. A artista afirma que se inspirou no espírito de aventura, conquista e determinação que sempre caracterizou o povo português para quem o mar simboliza uma saída e uma esperança.




Ana Paula Mabrouk

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