quinta-feira, 6 de junho de 2013

Conto A Notícia - 3º lugar na categoria conto, no Brasil

Caros amigos e leitores,
deixo-vos aqui o meu conto premiado: A Notícia. Espero que gostem.

Foi naquele dia de festa. Uma festa ruidosa, de mil vozes coroada. Rostos novos cruzavam-se no espaço já gasto da sala de cheiros antigos. Havia sangue novo nos amores dos netos e uma felicidade tranquila nos olhos dos avós. Uma mirada benévola de quem já teve amores novos e, ainda que lembrando, já não lhes distingue os traços na névoa da memória.
Circulavam canapés de histórias, regados com aperitivos de alegria. Era um prólogo feliz de uma história familiar cuja tradição se perdia no tempo. Um álbum com folhas de passado, presente e futuro. Uma foto reportagem de gente real com enredos prosaicos mas com personagens vincadas. Que choram, riem e contam histórias de vida.
Em breve entrariam as terrinas da canja com ovos de promessas e as travessas abundantes de saladas mistas de projectos das gerações mais novas. Seguir-se-iam pratos de peixe e pratos de carne para todos os gostos e diferentes paladares. Viriam acompanhados por brancos leves, borbulhando de energia e tintos maduros, de resistência feitos.

A algazarra das vozes elevava-se da mesa dos comensais e lutava-se por uns momentos de atenção familiar. Cada um tinha uma novidade premente, de importância capital nas suas vidas breves. Os mais velhos escutavam em silêncio, habituados à espera. Sábios guardadores das estórias das suas vidas longas.
Paciência e intervenções oportunas compensariam o fim da fila. Os primeiros das últimas estórias. O primeiro lugar do saber.
Todos se calariam para dar lugar ao comentário do avô Francisco ou à anedota do avô Joaquim. Marotice nos olhos brilhantes e vagares nos lábios trémulos. Verdadeiros almanaques ambulantes de tradição oral.
Entre dentadas de prazeres terrenos, a satisfação da gula. A curiosidade em relação à Irina, a nova namorada ucraniana do João: jovem esbelta e de traços clássicos. Muito magrinha, esta estrangeira! – diria a avó Camila. Elas não comem? O que você precisa é de uma bela canja de galinha caseira e um naco de carne assada. Oh, mãe! – diria eu contrariada. Deixe a miúda em paz. A mim, o que mais impressão me faz, é o guedelhudo da Guidinha. Não há tesouras lá no país de onde vem? – indignava-se a avó Carolina, em confidência na cozinha. Desde que não faça rabos-de-cavalo como o anterior… Menos mal! – diria o avô Joaquim, à socapa. São outros tempos – apaziguaria eu, em tom de desculpa. Pois sim, pois sim….- resmungaria, entre dentes, a avó Carolina. Riria o João, a Guidinha responderia com um beijo terno na testa da anciã.
São boas pessoas – remataria eu a conversa e os enfeites da travessa.

            E boas pessoas eram. Num Portugal de miscigenação do século XXI, na boa tradição de exploradores da nossa História, aqui estávamos nós a descobrir o mundo e a dar outros novos mundos ao nosso mundo. Entrecruzar de raças, entrelaçar de culturas, estreitar de filosofias de vida.
            No meio de tanto saber diferente, só eu tinha um saber que todos desconheciam. Uma notícia que calava no nó da garganta. Uma novidade que não podia ser dada a uma mesa de festa. Uma má nova que arruinaria o almoço dos filhos e dos amores dos filhos, avós e pais de um amor que um dia se foi embora.
            Era o pilar de uma família e sentia-me com pés de barro. Estátua cuja inscrição na base estava oculta pela fotografia de família. Linfoma não combina com festa de Verão nem rima com alegria. Não se serve à sobremesa com Charlotte de chocolate ou Bavaroise de ananás. Nem sequer acompanha bem o café que culmina o repasto familiar. Num Domingo de longa pausa gastronómica, o segredo da receita ficara bem guardado. No livro de culinária do coração. Saber nem sempre é sabor.

            Guardei pois a notícia para mim e engoli-a com café aromático doce, servido em chávena de porcelana. Com requinte. Até para se calar é preciso ter delicadeza. Olhava-os com os olhos da alma e pensava se tudo isto seria o começo do fim ou um novo começo de um fim adiado. Uma fatalidade ou uma oportunidade, servida de bandeja? Uma noz podre no cesto dos frutos para saborear ao serão, sob o céu estrelado ou uma cereja na última fatia de torta cremosa? Era preciso escolher e ter a sorte do nosso lado na hora decisiva. E rezar para que o mundo conspirasse a nosso favor.
            Olhei-os uma vez mais e sorri, pensando que aqueles que amamos não precisam de saber tudo sobre nós, o tempo inteiro. Por vezes o melhor saber é, de facto, não saber nada. Nem suspeitar, nem indiciar, sequer. A melhor opção é sempre viver. O futuro será sempre aquilo que a vida decidir. O presente é nosso para o agarrar com ambas as mãos e erguer uma taça à nossa saúde.
            Brindamos? – perguntou o João.

            Saúde! – gritaram todos, com os copos de champanhe a transbordar de esperança.

Ana Paula Mabrouk

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