quinta-feira, 17 de maio de 2012

Para quem diz que eu nunca falo de amor

«Não sei como dizer-te que minha voz te procura e a atenção começa a florir, quando sucede a noite esplêndida e vasta. Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos se enchem de um brilho precioso e estremeces como um pensamento chegado. Quando, iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado pelo pressentir de um tempo distante, e na terra crescida os homens entoam a vindima - eu não sei como dizer-te que cem ideias, dentro de mim, te procuram. Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros ao lado do espaço e o coração é uma semente inventada em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia, tu arrebatas os caminhos da minha solidão como se toda a casa ardesse pousada na noite. - E então não sei o que dizer junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio. Quando as crianças acordam nas luas espantadas que ás vezes se despenham no meio do tempo - não sei como dizer-te que a pureza, dentro de mim, te procura. Durante a primavera inteira aprendo os trevos, a água sobrenatural, o leve e o abstracto correr do espaço – e penso que vou dizer algo cheio de razão, mas quando a sombra cai da curva sôfrega dos meus lábios, sinto que me faltam um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer coisa extraordinária. Porque não sei como dizer-te sem milagres que dentro de mim é o sol, o fruto, a criança, a água, o deus, o leite, a mãe, o amor, que te procuram.» Herberto Helder

terça-feira, 15 de maio de 2012

X Jogos Florais de Avis - cerimónia de encerramento

A Amigos do Concelho de Avis - Associação Cultural, tem a honra de convidar Vª Exª a estar presente na cerimónia de encerramento dos X Jogos Florais de Avis, a qual terá lugar no Auditório Municipal Ary dos Santos no próximo dia 19 de Maio, a partir da 14:30h. A cerimónia constará da distribuição de prémios aos galardoados e da actuação do grupo de dança “Dance Time”, de Avis. Seguidamente haverá um beberete/convívio no salão da Junta de Freguesia de Avis com declamação de poesia.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Número cem - novo conto

Era uma notícia pequenina no canto superior direito. Meia dúzia de linhas na coluna das breves. Apenas o título captava a atenção: «Idoso número cem morre em casa.» Tinha sido um longo inverno, com temperaturas rigorosas, estirpes de gripes multiressitentes e a palavra crise mil vezes estampada nas paragonas dos jornais. A notícia era apenas mais uma na mancha monocromática das desgraças nacionais. Notícia triste num país triste, submergindo num pântano de inércia e de conformismo. País de habitantes cinzentos sem força anímica para vencer preconceitos e lançar mão do próprio destino. Seres lamurientos, afundando-se num quotidiano pardacento. Os clientes do Café Central passavam os olhos apressados pelo jornal que jazia sobre as mesas gastas e não se detinham na notícia da morte por muito tempo. Havia ainda que lastimar o fecho de dez empresas no norte, a subida do desemprego, as medidas ácidas da Troika, os queixumes e pedinchices dos governantes, os cortes nos ordenados, nos feriados, nas férias, nos subsídios, no reembolso do IRS… Tão pouco tempo antes de picar o ponto e tanta coisa para lamentar! Por isso, ninguém conseguia compadecer-se longamente de mais um idoso anónimo no extenso rol das agruras diárias. Era mais um. Um número redondo na estatística. Um número de três dígitos. A notícia não diferia das anteriores noventa e nove: um idoso octogenário fora encontrado já sem vida no seu leito. Os vizinhos já não o viam há alguns dias e tinham chamado os bombeiros que, após relutância inicial, tinham arrombado a porta e encontrado a vítima. O cadáver apresentava alguns sinais de decomposição. A televisão estava ligada mas sem sinal pois não havia aparelho de TDT. A vítima tinha sido levada para o Instituto Médico Legal para se efetuar a autópsia e os parentes mais próximos tinham sido contatados. Era tudo. O que a notícia não contava era que os bombeiros tinham entrado no apartamento minúsculo e encontrado na mesinha de cabeceira a dentadura postiça num copo de águas turvas e pestilentas, juntamente com uns óculos anquilosados, cujas hastes estavam amarradas com fita-cola endurecida e negra do suor. O quarto cheirava a podridão, pobreza e abandono. Os móveis eram parcos e velhos, ostentando um caruncho instalado por décadas de negligência. O que a notícia não contava era que a Dona Ermerlinda da mercearia, que entrara após os bombeiros, se deparara na cozinha com um prato com restos de sopa ressequida e um pedaço de pão empedernido. A sua curiosidade mórbida foi substituída por uma réstia de peso na consciência ao relembrar o corte nos fiados. «Uma mulher também tem que pagar as contas, que diabo!» O que a notícias não contava era que o primo Baltasar, que veio do Algarve para o funeral, encontrara apenas dois pares de calças puídas, duas camisas de flanela com o colarinho roto e um casacão com apenas um bolso. O único par de sapatos tinha a sola gasta e um deles tinha um buraco na biqueira. A notícia era um borrão de tinta em redor do número cem: um óbito com um nome impresso em letras minúsculas que ninguém reteve na memória. Ninguém que lesse a notícia suspeitaria que o idoso octogenário decidiu, um belo dia, despedir-se do seu banco de jardim e deitar-se na sua cama, companheira de muitos invernos solitários, para não mais se levantar. Decidiu murchar no deserto de um Dezembro sem chuva que irrigasse as suas raízes cansadas. Tombara como as árvores na secura de uma travessia cujas fontes calaram a tristeza da sua esterilidade. Ficou apenas uma notícia da sua passagem no canto superior direito de um jornal local, lida apressadamente entre uma bica matinal e um cigarro nada pensativo. Ana Paula Mabrouk Este foi o último conto que escrevi, inspirada nos acontecimentos deste inverno . A vida a inspirar a arte...

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Exposição coletiva da AveiroArte e do GPA




Decorreu no dia 1 de maio, pelas 19.30 horas, na galeria do AveiroArte, a inauguração da  Exposição “Ilustrando Poesia”, um evento promovido pelo Grupo Poético de Aveiro e o AveiroArte – Círculo Experimental dos Artistas Plásticos de Aveiro.
 

"Ilustrado Poesia" é uma exposição com a contribuição de poemas de elementos do Grupo Poético de Aveiro e respectivas ilustrações feitas pelos artistas plásticos do AveiroArte - Círculo Experimental: é um espaço de partilha entre a poesia e as artes plásticas.
Este quadro foi feito pelo arquiteto e pintor Sérgio Azeredo sobre o meu poema viajante de palavras.

A técnica utilizada baseia-se na escrita chinesa, apresentando o quadro o poema manuscrito no fundo, da esquerda para a direita e de baixo para cima. Em destaque as iniciais do meu nome Ana Mabrouk.

Relembro o poema:

 

viajante de palavras

sou viajante
de palavras
feita

teço com elas
viagens
de afetos

escrevo percursos
de sílabas
esdrúxulas

pontuo caminhos
de dicotomias
inusitadas

soletro aventuras
de reticências
entrecortadas

uso sinais gráficos
para orientar
minhas rotas

e no ponto da pena
deixo o azul
da tinta

Ana Paula Mabrouk