sexta-feira, 30 de outubro de 2009

3º poema da triologia dedicada à Atlântida


Atlântida III


Onde jazes agora, sonho antigo?
Para lá do Estreito de Gibraltar
Algures no Atlântico central?
Na vasta cordilheira submarina
Da Islândia a Tristão da Cunha?
Jazes em volta dos Açores
Rodeado de marítimas coroas de flores?
Onde jazes agora, terra ansiada?
Outrora ponte terrestre, terra firma
Passagem terrena, solo arável
Agora terra afundada, em vão procurada
Ou ilha coroada em aquática vegetação
Ao largo da costa da Florida
Envolta em mar de sargaços
Em fossas abissais, presa em estreitos laços?

Onde jazes agora, mistério premente?
Revista em sonhos algo confusos
De curandeiro religiosos e visionário
Vítima da ciência, pó de explosão atómica
Há muralhas dum porto de abrigo
Em Bimini Norte, ilha das Bahamas
Cais e pontões, blocos de pedra maciça
Erosão de Pleistoceno,

Onde jazes agora, lenda encantada?
No Mediterrâneo, coração do império minóico
A meio caminho entre Creta e a Grécia
Ilha minóica de Caleiste, agora Santorini
Cultura soterrada da Idade do Bronze
Sob cinzas e chuva e pedra-pomes
Holocausto de lava ardente, rocha cuspida
Cnosso, porto de capital perdida
Tremores de terra, erupções vulcânicas
Onda gigantesca, arma de Moisés
Águas divididas do mar vermelho
Chuva de cinzas, praga do Egipto
Jazendo fragmentada e desolada
Terra e Terasia, coberta de cinzas, abandonada.


15-10-1992


Ana Paula Mabrouk (texto e fotografia)

2ª poema da triologia dedicada à Atlântida


Atlântida II

Para lá das colunas de Hércules, disseste tu.
Há quem não creia e demande a Atlântida
Em Lemúria no Índico ou no Pacífico Mu
Entre mitos e lendas de jardins suspensos
Segredos por sacerdotes hindus revelados
Da terra perdida, vestígios ancestrais
Na secreta e sacra língua Naacal gravados
Em placas esquecidas, recantos obscuros.
Ecos dos fósseis de lémure encontrados
Em dois continentes divididos
Memórias de lendárias histórias
De outro continente há muito perdido.


Para lá das colunas de Hércules, disseste tu.
Fica a Atlântida, Há quem não creia e demande
Mitos e lendas olvidados, histórias antigas
Da costa de Inglaterra em tempos ancestrais
À terra de Lyonesse há muito esquecida
Em pergaminhos monásticos consagrada
Abençoada com a visita de Artur e seus cavaleiros
O tal da Távola Redonda e da espada
Famoso entre os famosos
Atraiçoado por Mordred, cavaleiro astuto
Amaldiçoado sagazmente por Merlin, o mago
Cujo castigo determinou morte por afogamento
Na terra lendária, num único dia.
Ana Paula Mabrouk (texto e fotografia)

1º poema da triologia dedicada ao mito da Atlântida


Atlântida I


Ilha abençoada, disse Platão
De beleza e de encantos mil
Grávida de sonhos e prados
Aroma ébrio, destino vil.
Portos e docas, muralhas altas
Anéis de terra e anéis de mar
Duas fontes ao toque divergentes
Banham termas a espreguiçar
Templo proibido, cume de colina
De estátuas preciosas adornado
Magnífico cume, corola real
A Posídon e Cleito consagrado.



Reino perdido, disse Platão
Civilização que se afundou no mar
Próspera e célebre entre as nações
Nação decadente, triste findar
Histórias do ateniense Sólon
De sacerdotes egípcios lendas
Caos infinito, travo sedento
Engolida num dia nas calendas
Explosão vulcânica, maremoto
Catástrofe humana em tempo ido
Onde jazes tu agora, em que profundezas
Ilha abençoada, reino perdido?

Ana Paula Mabrouk (texto e fotografia)

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Um pouquinho de Jorge Luís Borges

Jorge Luís Borges (24 Agosto 1899 – 14 Junho 1986)

"Não criei personagens. Tudo o que escrevo é autobiográfico. Porém, não expresso minhas emoções directamente, mas por meio de fábulas e símbolos. Nunca fiz confissões. Mas cada página que escrevi teve origem na minha emoção".

Jorge Luis Borges terá tido ascendência portuguesa: o bisavô de Borges, Francisco, teria nascido em Portugal em 1770 e vivido na localidade de Torre de Moncorvo, situada no Norte de Portugal, antes de emigrar para a Argentina, onde teria casado com Cármen Lafinur.
Jorge Luis Borges nasceu em Buenos Aires, capital da Argentina, filho do advogado Jorge Guillermo Borges e de Leonor Acevedo Haedo. Aos sete anos de idade já teria revelado ao pai que seria escritor. Aos nove, escreve seu primeiro conto, "La visera fatal", inspirado em um episódio de Dom Quixote. Em 1914, muda-se, com os pais, para a Europa, morando inicialmente em Genebra, na Suíça, onde conclui seus estudos, e depois na Espanha. Em 1921, retorna a Buenos Aires, onde participa activamente da efervescente vida cultural da cidade. Em 1923, publica seu primeiro livro de poemas, "Fervor de Buenos Aires". Iniciava-se, assim, uma das mais brilhantes carreiras literárias do século XX. Borges morreu em Genebra, onde está sepultado, por opção pessoal.
A sua obra destaca-se por abordar temáticas como filosofia (e seus desdobramentos matemáticos), metafísica, mitologia e teologia, em narrativas fantásticas.
Entre seus contos mais conhecidos e comentados podemos citar “A Biblioteca de Babel”, “O Jardim de Veredas que se Bifurcam”, "Pierre Menard, autor do Quixote" (para muitos a pedra angular de sua literatura) e “Funes, o Memorioso”, todos do livro Ficções (1944) - além de "O Zahir", "A escrita do Deus" e O Aleph” (que dá seu nome ao livro de que consta, publicado em 1949). A partir da década de 50, afectado pela progressiva cegueira, Borges passou a dedicar-se à poesia, produzindo obras notáveis como "A cifra" (1981), "Atlas" (um esboço de geografia fantástica, 1984) e "Os conjurados" (1985), sua última obra. Também produziu prosa ("Outras inquisições", ensaios, 1952; "O livro de areia", contos, 1975), notando-se o claro influxo da cegueira.
Recordemo-lo, através de um dos seus poemas:
El Mar
Antes que el sueño (o el terror) tejiera
Mitologias y cosmogonias,
Antes que el tiempo se acuñara en dias,
El mar, el siempre mar, ya estaba y era.
Quién es el mar? Quién es aquel violento
Y antiguo ser que roe los pilares
De la tierra y es uno y muchos mares
Y abismo y resplandor y azar y viento?
Quien lo mira lo ve por vez primera,
Siempre. Com el asombro que las cosas
Elementales dejan, las hermosas
Tardes, la luna, el fuego de una hoguera.
Quién es el mar, quién soy?Lo sabre el dia
Ulterior que sucede a la agonia.
Jorge Luís Borges, El otro, el mismo.

O Mar
Antes que o sonho (ou o terror) tecesse
Mitologias e cosmogonias,
Antes que o tempo se cunhasse em dias,
O mar, o sempre mar, já estava e era.
Quem é o mar? Quem é aquele violento
E antigo ser que rói os pilares
Da terra e é um e muitos mares
E abismo e esplendor e acaso e vento?
Quem para ele olhar vê-o pela primeira vez,
Sempre. Com o assombro que as coisas
Elementares deixam, as belastardes, a lua, o fogo de uma fogueira.
Quem é o mar, quem sou? Sabê-lo-ei no dia
Que se segue à agonia.

Jorge Luís Borges. Trad.: José Agostinho Baptista
in O Mar na Poesia da América Latina, Assírio & Alvim, 1999

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Mais um poema do meu futuro livro Em Carne Viva

Negritude

A tua ausência
E o teu silêncio
Aliaram-se à minha solidão.
A noite perdeu a magia.
A negritude cobriu o mundo.





terça-feira, 27 de outubro de 2009

Ah, um soneto! - já dizia Fernando Pessoa

Um soneto de amor

Vem, vem depressa. A lua
Já brilha e só estou. Sozinha.
Acenderam-se as luzes da rua
Calaram-se as vozes. Mansinha

Cai a noite. Por ti espero.
Sentir o quente aroma teu
Na pele minha. Desespero.
Intenso. Desejo meu

Com que suspiro e ardo.
Beijos, carícias, ternuras
Intermináveis noites suadas.

Não vens e eu tardo
Na espera das coisas futuras
Que não chegam. Sempre adiadas.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Fim-de-semana em Avis

O Sr. Francisco Alexandre, presidente da ACA, demonstrando a sua vasta cultura numa paragem na Barragem do Maranhão
O grupo dos resistentes durante o passeio guiado Avis inspira.

Os resistentes ladeando o nosso inexcedível anfitrião, o Sr. Fernandino Lopes.Em visita à cisterna escondida, verdadeiro tesouro de outros tempos.

O Grupo de Concertinas de Montargil que animou o nosso serão de sábado. Parabéns ao mestre e aos seus dois discípulos que merecem o aplauso e reconhecimento de um país inteiro e não apenas da sua terra natal.


Parte do painel de convidados, entre os quais Liliana Moita, a jovem escritora vencedora da primeira edição do Prémio Literário Luís Peixoto



No outro extremo do painel os poetas e professores locais que tanto contribuem para a disseminação da cultura em geral, e da literatura em particular.

Centro do painel com a futura presidente da Junta de Freguesia, a jurista Anabela Canela



Depois do convite e de um fim-de-semana muito bem passado aqui ficam algumas das fotos do 1º Encontro de Escritos e Escritores.



























sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Escritos e Escritores- Avis 2009- 1º edição

Irá decorrer em Avis (Alentejo) a 1ª Edição dos Escritos e Escritores, para a qual eu tive a amabilidade de ser convidada. Terá lugar nos dias 23 e 24 de Outubro e depois do evento darei novidades. Entretanto se quiserem espreitar o site desta Associação Cultural, o endereço é: http://aca.com.sapo.pt/destaques.html

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Poema para o meu filho


André

Ofereceu-me uma papoila. Era bela e despretensiosa.
O seu presente? Um sorriso rasgado, vindo da alma.
Os meus olhos eram um mar de ondas copiosas.
O seu abraço foi forte e viril.
O meu coração inundou-se de alegria. Daquela que transborda do peito.
A sua mão calorosa segurava a papoila que sorria também. Corada.
Enxuguei a minha face e retribui o presente.
No seu coração só havia amor verdadeiro.
No meu abraço, infinito amor de mãe.

29-04-2001

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Imagens de Avis

16 de Maio 2009

Quem chega mira o branco salpicado de verde
Deslumbra-se depois com o azul efeite terra
Regressa à alvura da oração, peregrino errante
E lança esperança até onde a vista alcança.
Ana Paula Mabrouk









Lançamento do livro «O Abade João»


No passado dia 16 de Outubro teve lugar na Vila de Pereira o espectáculo teatral «A Viagem» encenado pelo grupo de teatro O Celeiro, seguido do lançamento do livro mais recente de Lurdes Breda, «O Abade João». Trata-se de um áudio-livro que conta com a parceria de André Caetano na ilustração.O livro conta uma das conhecidas lendas de Montemor-o-Velho, de forma visual e textualmente atractiva. Vale a pena ler. Mais uma vez, parabéns Lurdes!


terça-feira, 20 de outubro de 2009

Finalmente chegou




Capa da Antologia Rosa dos Ventos, das Edições AG, recentemente chegada do Brasil.

3º poema da triologia dedicada ao Povo Guarani

Terra-sem-Males


Almejo em sonhos minha morada final
Vou para leste, para além do mar
E caminho, na senda da liberdade.
Habitante da mata, espírito esvoaçante,
Sou minoria na maior parte do mundo.
E busco caça e pesca abundante
Na virgem floresta com copas de paz
Onde ecoe o som do meu canto solene
Onde cessem as rugas de meu pai
E sarem as feridas do meu irmão
Onde meu filho não sofra maleitas
E meu povo não padeça, em vão.
Canto e danço e sigo caminhando
Com os olhos morenos postos no céu
Guardião dos seres humanos sou
E sigo buscando a morada final.
Sou face trágica da diáspora ameríndia
Sul-americana e guarani castelhana.
Vagueio em busca de solo sagrado,
Expulso que fui do paraíso terreno,
Sedento na miragem da lenda passada
Do achamento da Terra Prometida.
Busco incessante a Terra-sem-Males
E só encontro os Males sem Terra.

domingo, 18 de outubro de 2009

Segundo poema da triologia dedicada ao Povo Guarani

«Povo Guarani, Grande Povo»

Avá Guarani, eu te saúdo!
Sou cara pálida, homem civilizado
Teus quatro séculos de existência
Relembro agora o teu passado.

Quem és tu, cara pálida?
Eu venho do Norte e d’ Oeste
Sou da floresta, homem verdadeiro
Habito rios de prata e sigo para Leste.

Eu, cara pálida, te peço perdão.
Carrego as algemas da História
Venho do tempo dos bandeirantes,
De encomenderos exalo memória.

Ah, cara pálida, se tu soubesses…
Quando enlaço fios de cipó ao vento
E talho estátuas de madeira e dor
Minhas mãos são veteranas do lamento

Eu, cara pálida, te respeito
Adopto teu lema, sábio irmão
Respeito às pessoas e à natureza
E, reverente, te estendo a mão.

Aceito teu gesto, cara pálida.
Firmo contigo pacto de amizade.
Mas sigo sendo guerreiro indomável,
Povo livre com tempestade.

sábado, 17 de outubro de 2009

Poema para uma criança Guarani


Poema para uma criança Guarani
Ou Moldura para um poema



Olho para o alto e sorrio
Da boca solta-se um canto
Límpido e puro como um rio
Reflexo de alma sã, encanto.
Trago no rosto o sol pintado
Nos olhos a certeza de quem sou
Na pele morena visto o passado
E o futuro que o sangue tatuou.
Sou avá guarani e também overá
Porque brilha em mim meu chão
No meu solo sempre haverá
Dança e acordes de violão.
Minhas mãos contas acariciam
De sementes, fios de história sagrada
Meus pés desnudos vivenciam
A lenda ameríndia tão espezinhada.
Meus cabelos negros brilham ao luar
Reflectem o brilho de rios ancestrais
Meu corpo franzino feito para dançar
Celebra memórias dos xamãs, meus pais.
De antigos profetas, escuto no vento
As palavras – Aju jevýma – espera por mim!
E eu respondo, sorrindo, a contento:
Aháta aju! Cantaremos até ao fim.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Crónica- Meu Amigo Woody

Meu amigo Woody
Les Sablettes, 31-07-2007

Vou definitivamente terminar aqui qualquer carreira supostamente literária, pôr fim a qualquer aspiração pseudo-intelectual, enterrar-me profundamente com a minha declaração temerária. Não gosto de Woody Allen. Pasmem os céus e as terras! Desculpem lá não ser de companhia, como dizia o Álvaro de Campos. Nem sequer é um ódio de estimação. É mais uma indiferença.
Nesta altura milhões de críticos e de fan(áticos) estão horrorizados com este statement. Afinal de contas, quem é esta vozinha irritante e petulante (só elogios!) que tem o desplante de vir, em praça pública, denegrir o Woody? O inimitável, o génio criador, o insuperável, o Grande Mestre Allen? De referir, que neste momento se encontram todos de joelhos, numa genuflexão de reverência.
Olhem, eu cá prefiro o outro Allan, o Poe. O que é que vocês querem? Não se diz que gostos não se discutem? Pois, ora aí está! Não gosto e pronto!
Não consigo conceber a graça de um homem pequenino, feiozinho, semi-carequinha, despenteadinho (no que lhe resta de cabelinho), de óculinhinhos anquilosados e de semblante cinzentinho.
«Confunde o homem com o autor!», gritam vocês exasperados. Não, meus senhores! Dêem-me algum crédito, vá lá! Ainda possuo a cultura mínima exigida por lei para distinguir as duas entidades. O que eu queria dizer é que o aspecto do homem é desolador…Já olharam bem para ele? Jesus, Maria, José! Ah, é verdade, deveria ter recorrido a uma imagem judaica. A comunidade do Tora é la crème de la crème Nova Iorquina. Possuem aquele estatuto de minoria privilegiada, letrada, abonada, sexualmente liberada e, claro está, nas artes aclamada. E na América, perdão, nos Estados Unidos da América, é imprescindível ser-se politicamente correcto. Para combinar com as trapaças financeiras do Iraque, os atropelos aos direitos humanos em Guatanamo, a recusa da assinatura do tratado de Quioto e o Carnaval eleitoral que entretém os desalojados do furacão Katrina. Isto para sermos apenas soft!
Lamento muito, mas não me apetece fazer-vos a vontade. A expressão “politicamente correcto” dá-me engulhos. Esconde, sobre a sua capa de hipocrisia WASP, tudo aquilo que os comuns mortais normalmente pensam. Representa a diferença entre um balão de linguagem e um balão de pensamento, numa banda desenhada de qualidade duvidosa.
Mas voltemos ao Woody. Tal como o seu aspecto, também os seus filmes são chatos, repetitivos, sem graça nenhuma. Escapam dois ou três.
Fujo a bom fugir do bastão de basebol do JCP. E não é para menos! A sua fúria infunde respeito. Respeito mas não o temor necessário para me fazer mudar de ideias.
Espera aí ò Coutinho: eu gosto do Clint Eastwood como realizador. Gosto mesmo muito. E do David Lynch também.
Mais apaziguado, o JCP pousa o bastão. Afinal a rapariga não é desprovida de todo de bom gosto e de alguma inteligência. Mystic River, Million Dollar Baby, Blue Velvet ficarão para sempre na minha história do cinema. E estes são apenas alguns. O seu lado sombrio com laivos de humanidade à mistura, tocaram-me mais profundamente do que as dezenas de filmes do Woody. Máquina de fazer filmes, como quem serve jantares regulares, com qualidade garantida.
Eu sou adepta de pratos radicais: de aperitivos inusitados e de cozinha do mundo. Descoberta permanente de novos aromas e sabores. Despertares de sensações, estremecimentos de prazeres inesperados. Cânticos de sinestesias. Mas isso, sou só eu…

Segunda crónica premiada com o 3º lugar no XXVI Concurso Internacional Literário das Edições AG (Brasil) e publicado na Antologia Travessias

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A vida é feita de instantes

Sorrisos
Encontros
Lembranças
Do que fomos
Do que sonhámos
Ser um dia
Projectos
Fracassados
Planos adiados

Um cheiro
Uma cor
Uma lágrima
Que correu
Uma visita
A um rio
Um quintal
Nas traseiras
Um canteiro
Da infância
Esperanças
Não cumpridas.

Um presente
Uma boneca
De trapos
Muito velha
No sótão
Da memória.

Mais um dos poemas do meu futuro livro «Em Carne Viva»

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Essas mulheres

Essas mulheres
Toulon, 30-07-2007

Resumir a vida dos brasileiros que vivem em Portugal às mulheres de mini-saias e tops descascados é muito limitador, não acha? No entanto, percebo, perfeitamente, o entusiasmo masculino por umas boas pernas bronzeadas, um decote generoso e um bum-bum firme.
Afirma o douto cronista que o conceito de mulher bonita, anterior ao boom das brasileiras, era tão raro que quase poderia ser comparável à aparição de um ser de contornos mitológicos. Que exagero!!!
É preciso não confundir mulheres bonitas com mulheres desfrutáveis. E esta afirmação não encerra em si a famosa dor de cotovelo ou alguma insinuação racista. Pessoalmente, não sofro do estigma de alguns portugueses assustados com a invasão dos milhares de imigrantes, de todas as cores e feitios. Mais do que a minha palavra, tenho a minha certidão de casamento para o atestar.
Não afirmo que todas as brasileiras são corpos exibicionistas, desprovidos de intelecto. Muitas são muito mais espertas do que as portuguesas. Olá se são! Possuem a esperteza de quem ziguezagueia pela vida, aprendendo a tirar partido do pouco que ela lhes distribuiu à partida. Quem tem pouco a perder, não fica arraigado a convenções exteriores e externas.
Conheço muitas brasileiras em Portugal. Algumas delas são mulheres trabalhadoras, mães preocupadas e boas profissionais. Admito, porém, que possuem características que as distinguem das portuguesas: a alegria de viver, o cuidado que põem na sua apresentação física e o à-vontade com que lidam com as questões do corpo e da sexualidade. Será do calor? Da ausência de uma família controladora e castradora? Ou dos homens brasileiros?
Aqui chegados, considero que o cronista enferma de uma visão muito parcial da realidade. Está desculpado, pois os homens não gostam de lentes bifocais. Têm medo do constante reajustar da realidade e da dupla perspectiva do que se lhes depara em frente do seu órgão mais proeminente: o nariz, é claro!
É que aquela azáfama de subir as saias, descer os decotes e depilar o buço (não é bigode, senhor!), não se deve ao medo da concorrência feminina. Então não percebeu que as mulheres portuguesas «injustamente perdidas e escondidas na floresta amazónica da frigidez secular», assim o eram porque os homens portugueses, barrigudos, carecas e de farto bigode (eles sim!), não tinham mesmo graça nenhuma?!
Também eu digo: obrigado Brasil! No entanto, a minha história, cinco séculos depois de Cabral, é ligeiramente diferente. É a história de como os homens brasileiros, bronzeados, musculados e com o ritmo afro-americano no corpo e a sacanagem no olhar, descobriram Portugal. Então, as mulheres portuguesas, com motivos válidos a olhos vistos, despiram a timidez e decidiram provar umas caipirinhas refrescantes. Da boca satisfeita e do corpo saciado saiu então a expressão: «Esses homens!»

Uma das duas crónicas premiadas com o 3º lugar no XXVI Concurso Internacional Literário das EDições AG no Brasil e publicado na Antologia Travessias

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Sei o que fizeste há dois verões atrás!!!!

Estive entre amigas, numa amena cavaqueira.

A Florbela Espanca

Ai flor, há quem diga, bela
Trocando olhares assim à vida
Alma de violeta, alma de poeta
De noite acordada, de noite perdida.

Perdida de amores, de emoções louca
Triste no olhar, da vida descontente
Poetisa da mágoa, nuvem no peito
Agruras de só quem muito se sente.

Viver um só dia sensações mil
Rasgar elogios a quem te espanca
Com ondas de saudade revoltas
Que brotam da carne viva. Espanta!

Perdidamente amaste, Este e Aquele
O Outro e toda a gente, versos insanos
Desejo amortalhado, boca rubra,
Coração em pedaços, erros humanos.

Livro de mágoas és tu poetisa eleita
Que sonhaste em verso, pesadelo rimado
Órfã no mundo, na vida sem norte
Teu corpo cativo do vil pecado.

Lágrimas ocultas, torre de névoa
Sentimentos de aço, tortura mor
Alma trágica de mulher errante
Visitada pela companheira dor.

Em busca do amor, foste estrada fora
Questionando velhos, era já noite cerrada
Soror Saudade, teu castelo de luz
Nas trevas mergulhou. Vida apagada.

Este Nocturno te dedico, fraca pena
Maria das Quimeras, com carinho.
Vejo a tragédia funda no teu peito
E deixo-te chorar devagarinho.

Sol poente, encanto mago, estrela cadente
Urzes queimadas, chamuscadas de dor
Asas de andorinha, morta por tuas mãos.
Eterna e saudosa charneca em flor.

11-07-2008

Poema premiado com o 5º lugar no XXVI Concurso Internacional Literário das Edições AG e publicado na Antologia Travessias

domingo, 11 de outubro de 2009

O burro de serviço

Fernando Miguel Bernardes foi essencialmente um poeta de intervenção. No dia de eleições de hoje, encontrei este poema maravilhoso que ilustra bem os nossos políticos. Ora vejam!

Foi ao ecrã
e zurrou duro:
Ãh!...Ãh!...Ãh!...
As pessoas disseram:
Oh,
horrível sendeiro!
Mas como a TV
o rádio
os jornais
não transmitissem dissonâncias,
só outras vozes de asno
rasteirinhas
difundiram:
Apoiado!
Muito bem!
Exactamente!
E depois ainda:
Viva!
Viva!,
enquanto o burro metia
na pasta as duas orelhas
limpava o suor da testa
e quase desmaiava.
1963 (continua actual)

Exercício em verde


Vi o verde limo
vi o verde mar
vi-te vi-te verde
na pedra a cismar
Vi a cana verde
vi teu verde olhar
vi-te o trevo verde
verde desfolhar
Vi-te verde triste
de um verde intenso
vi a fome verde
verde mar imenso
Vi a cana verde
teu olhar e penso
cada cana verde
ser um braço tenso
Cada cana verde
cada balançar
um cerrado punho
verde levantar.
Fernando Miguel Bernardes in O Fio das Harpas
(útimo livro que li da Editora mar da palavra)

sábado, 10 de outubro de 2009

Maresia



Grito de gaivota
Odor de maresia
Paladar da vida

02-08-2009

Memória visual

Gosto do silêncio.
Diz tanta coisa que eu não digo!
Murmura ao ouvido sussurros de calma
Doçuras de algodão níveo pairando no ar.

E hoje toda a calma do universo
De uma Natureza sem gente
(sem ninguém saber)
É infinitamente minha.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Hoje não quero que venhas

Não venhas.
Hoje não quero que venhas!

Hoje quero solidão.
Hoje quero abstracto, absurdo, infinito…
Hoje sou uma folha vogando sem vida.
Hoje não sinto: penso. Ou penso sentidamente.
Oco de ser-se ou ser-se de oco.
Que importa?

Vejo-te? Conheço-te?
Não, hoje não te conheço.
Cada traço do teu rosto fere os meus ouvidos surdos
Mudos aos gritos que os teus olhos lançam.
E és-me tão estranho!

Penso-me? Odeio-me?
Não, não me odeio.
Para odiar era preciso sentir e eu sou impotente de sentimentos.
Esqueço-me nos pensamentos que já olvidei
E vejo-me reflectida num espelho quebrado.
Sou estilhaço de vidro amordaçado.

Nada é tudo e tudo é nada.
Não sei bem. Palavras-jogos.
Palpar o impalpável e esquecer que existo.
Ilusão na hora de iludir. Os outros. A mim?
Colcha de quadrados coloridos. Percorrer espaços.
O Eu fica tão longe que não o alcanço…

Sentir-me. Quero sentir-me!
Ah marmórea máscara que te transformaste em rosto…
Arrancá-la? Inútil esforço. Ela é face de gesso.
Face estúpida e rígida, parada a contemplar,
Absorta no inconsciente êxtase que perdura.

Uma lágrima. Uma lágrima!
Sentida? Não: pensada.
Não sei chorar. Sei fazer deslizar água salgada.
Ruas de amargura, com leitos estruturados
Visíveis aos outros, invisíveis à minha dor.
Cristais salinados de mundos interiores.

Não fales. Não digas nada!
Tuas palavras não escutadas
Ecoam nas profundezas das cavernas.
Imensidões de sombras e orifícios de possibilidades.
Imensidões.
E eu não sou imensidão. Sou apenas mármore.
Daquele mármore branco e baço das estátuas de jardim.
Estátuas de frio, despidas de afectos.

Clamas por humanidade.
Mas eu não sou humanidade, já disse!
Sou o mármore abandonado que o verde começou a cobrir,
Sujando de tempo a hirta presunção de humanidade.
Daquele mármore impávido das campas fúnebres.
Morto. Mais morto do que os corpos que encobrem.
Frio. Mais frio do que as gélidas manhãs de Janeiro.




Continuas aí? Ainda?
Não vês que sou mármore?!
Neste esculpido corpo, erguido ao tempo, mudo e quieto,
Não há coração. Não te iludas!
Queria poder-te chamar querido, mas meus lábios são de gelo.
Minhas mãos crispados rios, encapelados de tempestades.

Eu já não vivo: penso.
E nada pior do que pensar.
Máquinas e ferrugem constantemente oleadas com um odioso visco:
Mistura de fel, progresso e nada.
Roldanas de intrincados mas e porquês e ses.
Ausências de alavancas de corpo e emoções.

Estou aqui. Fico aqui. Imóvel.
Erguida ao ar, esperando o Outono chegar, para declinar Verões
E morrer no lodaçal do Inverno que há-de vir.
Nada e silêncio, que é o mesmo que tudo.
E este frio da ausência, nada o pode quebrar.
Nem a vontade que não tenho,
Nem o grito emudecido que ecoa dos escombros.

Não me olhes assim! Não suporto que me olhes assim!
Aí há amor: aqui há um deserto que cresce.
Areia. Seca areia de um sol escaldante de vidas ressequidas.
Mármore que fere a sensibilidade dos não marmóreos,
Tornando a paisagem árido-inóspita na qual tudo morre de desalento.

Há sempre um oásis, dizes tu.
Pois eu digo-te: aqui não há nada!
Somente uma desolação irreal
Porque incrivelmente real.
Sede. Aqui há sede. Sede de sentir, não de pensar.
Morro a cada momento sem nunca ter nascido.
Desfaleço, sem nunca ter feito outra coisa.

Não te alcanço. Como estás longe!
Corro, mas como uma miragem, desvaneces-te quando chego.
De mim, sobra apenas o não sentir que ao pensar pesa.
Chumbo largado sobre o cristal-porcelana
Sem réstia deixar na poeira do caminho.

Ausência de dor. Ausência que dói.
Não no sentir, mas no pensar.
Ruínas, construções novas de monumento esquecido
Hoje homenageado, sem ninguém a aplaudir.
Mármore.

Não venhas.
Hoje não quero que venhas!


Mais um dos poemas do livro de poesia que aguarda publicação «Em Carne Viva»

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Alentejo

Oiço as histórias das azinheiras
Nas veredas do caminho.

As badaladas do sino férreo
Que emudeceu de velho.

Cont0 as pulgas que povoam
O rafeiro cor de mel.

Pago a garrafa bojuda
Do licor doce do tempo.

Pinto o ocre da janela
Na quentura do verão.

Inalo o aroma a cavalo
Na feira de todos os dias.

Saboreio o rio na boga
Das migas da minha saudade.

Toco a alvura da casa
Que dá cor à paisagem.

E fecho os olhos tranquila
Na visão do Além-Tejo.

06/08/2009

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Mais um pensamento

Brinco tanto
Tanto minto
Finto muito
Muito sinto


02-06-1988

domingo, 4 de outubro de 2009

Foto do dia


Aos tranquilos dias de Domingo, em comunhão com a Natureza

sábado, 3 de outubro de 2009

Arca D'Aliança

És a Deusa que em versos sempre canto
O Sonho que em tinta azul verbalizo
A outra Vida que em mim sem descanso
Me corre nas veias e surge sem aviso.

És a Fogueira que arde e depois some
A Labareda que queima docemente
A Chama que na minh’alma consome
Deixando a cinza testemunha quente.

És a Musa que inspira meu devir
Que inflama meu desejo de criança
Na página transmuta o meu sentir

E faz da fraqueza nova confiança
Minha mágoa transforma num sorrir
Poesia, minha arca d’Aliança.


1º poema do meu próximo livro de poesia «Em Carne Viva»

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Como gostava que este poema fosse meu!!!!

Às vezes encontramos um poema que nos define tão bem e o "chato" é que já tem autoria. Este foi escrito por alguém que ainda conheci ao vivo e a cores e que vale a pena ler.

Nota: Só para escritores e visionários


FICHA

Poeta, sim, poeta…
É o meu nome.
Um nome de baptismo
Sem padrinhos…
O nome do meu próprio nascimento…
O nome que ouvi sempre nos caminhos
Por onde me levava o sofrimento…

Poeta, sem mais nada.
Sem nenhum apelido.
Um nome temerário,
Que enfrenta, solitário,
A solidão.
Uma estranha mistura
De praga e de gemido à mesma altura.
O eco de uma surda vibração.


Poeta, como santo, ou assassino, ou rei.
Condição,
Profissão,
Identidade,
Numa palavra só, velha e sagrada,
Pela mão do destino, sem piedade,
Na minha própria carne tatuada.

Miguel Torga

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

E eis que chegou Outubro....

Gota de água

À primeira vista era nada
Pequenina, minúscula realidade
Quase não se via, a enfezada!
Não lhe dei importância, verdade!

Ora, que graça tinha a gota
Sem cheiro, nem um só sabor
Transparente, sobre uma bolota?
Era um arco-íris sem cor…

Enfadado com tamanho rebuliço
Não percebi qual a razão!
Ora que tinha eu a ver com isso,
Porque queria minha mãe atenção?

Olhava aquela bola fixamente
Parecia ter descoberto nova ciência
E eu estava era descontente
Queria ir brincar. Que falta de paciência!

Nesta minúscula gota de água aqui
Reside todo um mundo escondido
É nas coisas mais pequenas que vi
Que está a força da vida, meu querido.

Olha como a bolota vaidosa
Sorve o presente do orvalho
E a árvore cresce frondosa
Tornando-se num belo carvalho.

Depois quando a hora é chegada
Cai a bolota a seu tempo
Vem uma suína esfomeada
E traga-a de uma assentada.

Está prenha e muito gordinha
Dará descendência numerosa
A par com a vaca e a galinha
Alimentará outra família curiosa.

E em tempos de seca tamanha
Rega o homem o seu quintal
A água na terra entranha
Formando então abundante caudal.

Bate o sol no rio distante
Aquece a corrente que passa
Evapora-se a gota gigante
E ao céu ascende em graça.

É agora algodão em rama
Numa nuvem alva e branca
Mas outra invejosa e sem fama
Com um empurrão a desanca.

Cai a gota desamparada
Condensa-se do alto a chover
Aterra numa bolota corada
E começa a história a acontecer.

E assim fica a moral contada
De como uma pequena gota
Merece por nós ser poupada
Pois tem genica, a marota!

06/08/2009

Apresentação na Feira do Livro de Mira, em 10 de Agosto de 2009